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Revista Pandora Brasil
Nº 22 - Setembro de 2010
ISSN 2175-3318

“Jogo & Cultura”

Apresentação


O ser humano joga desde sempre. Como afirma Johan Huizinga, no seminal estudo Homo ludens, “é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve”. A ideia do jogo para o pensador holandês está associada à pureza do mito, na sua manifestação primitiva, não contaminada por influxos civilizatórios da modernidade que trouxeram a mentalidade individualista exacerbada, o desejo de vencer a qualquer custo, a massacrante rotina de competição que dessacraliza o jogo. Para Huizinga, o jogo situa-se no domínio do sagrado, expressão de uma totalidade cósmica, no qual há uma ordem de natureza comunitária, não individual.

Umberto Eco, em crítica incisiva ao Homo ludens, refuta essa atitude purista no ensaio “Huizinga e o jogo”, pertencente a Sobre os espelhos e outros ensaios. Eco entende que o jogo poderia ter sido examinado como langue e não como parole, competence e não como performance, condenando a ausência de uma gramática, de uma teoria do jogo e do comportamento lúdico. Segundo Eco, Huizinga poderia ter estudado o jogo jogante, o jogo que nos joga, e estuda o jogo jogado, e o hábito de jogar. Determina desse modo, sem sabê-lo, o preço que sua teoria deve pagar por não ter sabido ver o jogo como linguagem e como matriz, assim como a linguagem analisa os meios da linguagem com os próprios meios da linguagem. Eco vai ainda mais longe, ao reprovar Huizinga por este ter desconsiderado as implicações econômicas e sociais do jogo, deixando de lado o instrumental da crítica marxista. Para o ensaísta italiano, o jogo se joga até quando uma das suas formas se levanta contra uma outra para negá-la. Jogo que por si só já é sério, porque é condição da vida social; jogo que não é gratuito porque a desestruturar os jogos ou opções de jogo diferentes está a pressão do momento material, que se dilui em jogo, mas que nasce como coisa bem diferente. No desfecho do seu ensaio, Eco ironiza a afirmação descabida de que o jogo acabou. De acordo com o autor de Obra aberta, é preciso continuar jogando, mesmo sem a ajuda de Huizinga.

O xeque-mate de Umberto Eco avaliza que o jogo continua a ser jogado nos mais diferentes campos da cultura, ideia que se desdobra nesta edição de número 22 da Revista Pandora Brasil.

Assim, a relação entre jogo e linguagem literária é o foco de dois ensaios. O primeiro – “O mito sebastianista no jogo do discurso” –, tendo como perspectiva o aspecto recriador e reprodutor inerente à atividade do jogo, analisa o processo intertextual presente no tratamento dado ao mito sebástico por Almeida Faria, na obra O conquistador. O outro – “O que há de lúdico no poema?” – versa sobre a linguagem poética, concebida como campo de significantes em busca de múltiplos significados, lugar simbólico em que a estrutura lúdica potencializa uma percepção sempre lúcida.

Ainda no campo literário, mas de perspectivas diferentes, temos outras duas reflexões: uma desvela instigante faceta de nosso Monteiro Lobato, na correspondência trocada com Godofredo Rangel: os dois amigos jogaram xadrez postal. No ensaio “Monteiro Lobato, o enxadrista”, o leitor encontrará os lances e o sentido dessa aventura lobateana. Em “O indivíduo heroico e a comunidade”, analisa-se, com base no romance Brazil-Maru, de Karen Tei Yamashita, escritora americana de ascendência japonesa, a função e o sentido que assume o jogo de beisebol na comunidade “Esperança”, criada por imigrantes.

O processo de ensino-aprendizagem de literatura no ciclo básico, de uma perspectiva lúdica, afirma-se como uma abordagem educacional valiosa tanto para o professor quanto para o aluno, por tornar as aulas mais dinâmicas e prazerosas. É o que postulam as autoras do artigo “Ludicidade e literatura: o relato de uma experiência”.

A relação entre jogo e línguas é tratada especificamente em “O jogo da tradução”, ensaio em que a autora, apoiando-se em Huizinga e Caillois, discute as relações que unem o trabalho do tradutor ao do jogador. Afinal, “Em que outra profissão encontrar-se-ia um jogador tão solitário, aplicado e hábil quanto na tradução?”.

O passado e o presente se conjugam nos dois outros artigos. Em “El juego de pelota maya”, tema escolhido para a capa desta edição, a articulista discorre sobre a origem e sentido sagrado do ancestral jogo da civilização maia. E em “O jogo, os jogos sérios e uma nova maneira de interação do homem contemporâneo”, a autora procura mostrar a importância dos videogames no contexto cultural e educacional, refletindo sobre o papel das novas mídias na complexidade do homem contemporâneo.

A questão identitária latino-americana é tratada no ensaio “Performance de la identidad en Macunaíma de Mário de Andrade”, numa abordagem que aponta as diferenças culturais européias e americanas, tão bem articuladas no jogo antropofágico encetado na obra do modernista brasileiro.

Linguagem e futebol é o foco do último texto, sugestiva crônica intitulada “A gorduchinha e a jabulâni”. Traz para o leitor o saber e o sabor do discurso futebolístico, atualizando um tempo de poesia feita com a voz e com os pés.


Dr. Wagner Martins Madeira e Dr. Luiz Camilo Lafalce
Coordenadores do Nº 22 "JOGO & CULTURA"







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