O Fogo, Prometeu, Pandora, Epimeteu
O culto do fogo em todos os povos da Antiguidade acompanhou o que se rendia ao Sol e a Júpiter, isto é, ao astro cujos raios benfeitores aquecem e clareiam o mundo, e ao raio que rasga a nuvem, golpeia a terra, consome a natureza viva e espalha longe a consternação e o pavor. Evidentemente, os primeiros homens, cujos olhares se dirigiam com medo e admiração para os fogos celestes, também não tardaram a notar com surpresa os fogos da terra. Como podiam deixar de admirar a chama dos vulcões, as fosforescências, os gases luminosos, os fogos-fátuos dos charcos, a incandescência produzida pela fricção rápida de dois pedaços de pau, a fagulha que jorra do choque de duas pedras?
No entanto, o fogo não lhes parecia feito para seu uso, era um elemento de que a divindade tinha o segredo e que esta reservara para si como uni privilégio precioso. Como captar esses focos de calor e de luz situados a tal altura acíma de suas cabeças, ou enterrados tão misteriosamente sob seus pés?
Por isso, o primeiro a lhes proporcionar o fogo não podia ser, a seus olhos, um simples mortal, mas antes um Titã, um emulo ousado e feliz da divindade, ou, melhor dizendo, um verdadeiro deus. Assim foi Prometeu.
Filho de Jápeto e da oceânide Climene, ou, segundo outros, da nereida Ásia, ou ainda de Têmis, irmã mais velha de Saturno, Prometeu, cujo nome em grego significa "previdente", não foi apenas um deus industrioso, mas antes um criador. Ele notou que, entre todas as criaturas vivas, ainda não havia uma só capaz de descobrir, estudar, utilizar as forças da natureza, de comandar os outros seres, de estabelecer entre eles a ordem e a harmonia, de se comunicar com os deuses através do pensamento, de abraçar com sua inteligência não só o mundo visível, mas também os princípios e a essência de todas as coisas. Então, da lama da terra formou o homem.
Minerva, admirando a beleza da sua obra, ofereceu a Prometeu tudo o que podia contribuir para a sua perfeição. Com reconhecimento, Prometeu aceitou a oferta da deusa, mas acrescentou que, para escolher o que melhor conviria para a obra que criara, ele próprio precisaria ver as regiões celestes. Minerva carregou-o para o céu e ele só desceu depois de ter roubado dos deuses, para dar ao homem, o fogo, elemento indispensável para a indústria humana. Conta-se que Prometeu tirou do carro do Sol esse fogo divino que trouxe para a Terra e dissimulou-o na haste de uma férula, uma vara oca.
Irritado com um atentado tão audacioso, Júpiter mandou Vulcano forjar uma mulher que fosse dotada de todas as perfeições e apresentá-la à assembleia dos deuses. Minerva vestiu-a de uma túnica de alvor fulgurante, cobriu-lhe a cabeça com um véu e guirlandas de flores que encimou com uma coroa de ouro. O próprio Vulcano levou-a nesse estado. Todos os deuses admiraram essa nova criatura e todos quiseram lhe ciar um presente. Minerva lhe ensinou as artes que convêm a seu sexo, entre outras a arte de tecer. Vénus difundiu em torno dela o encanto, junto com o desejo inquieto e os cuidados cansativos. As Graças e a deusa da Persuasão ornaram seu pescoço com colares de ouro. Mercúrio lhe deu a palavra com a arte de conquistar os corações por meio de discursos insinuantes. Enfim, tendo todos os deuses lhe dado presentes, ela recebeu o nome de Pandora (do grego pan, tudo, e doron, dom). Quanto a Júpiter, deu-lhe uma caixa bem fechada e mandou entregá-la a Prometeu.
|
Este, desconfiando de alguma cilada, não quis receber nem Pandora, nem a caixa, e inclusive recomendou ao irmão, Epimeteu, que não recebesse nada da parte de Júpiter. Mas Epimeteu, cujo nome em grego significa "que pensa tarde demais", só julgava as coisas após o acontecimento. Ante o aspecto de Pandora, todas as recomendações fraternas foram esquecidas e ele tomou-a por esposa. A caixa fatal foi aberta e deixou escapar todos os males e todos os crimes, que a partir de então se difundiram pelo Universo. Epimeteu tentou fechá-la, mas já era tarde demais. Só reteve a Esperança, que estava prestes a escapar e que permaneceu na caixa hermeticamente fechada.
Por fim, exasperado por não ter sido Prometeu ludibriado por aquele artifício, Júpiter mandou Mercúrio conduzi-lo ao alto do monte Cáucaso e prendê-lo a um rochedo, onde uma águia, filha de Tífon e Équidna, devia devorar-lhe eternamente o fígado. Outros dizem que esse suplício devia durar apenas trinta mil anos.
Segundo Hesíodo, Júpiter não utilizou o serviço de Mercúrio, acorrentando ele próprio sua infortunada vítima não a um rochedo, mas a uma coluna. No entanto, mandou Hércules soltá-lo, pelos seguintes motivos e condições.
Desde a sua punição, tendo Prometeu impedido por suas advertências que Júpiter cortejasse Tétis, porque o filho que teria com ela o destronaria uni dia, o senhor dos deuses consentiu, por reconhecimento, que Hércules fosse liberta-lo. Contudo, para não violar seu juramento de nunca admitir que o soltassem, ordenou que Prometeu sempre levasse no dedo um anel de ferro, ao qual seria encadeado um fragmento da rocha do Cáucaso, para que fosse de certa forma verdade que Prometeu permanecia sempre preso àquela corrente.
Em Esquilo, é Vulcano que, em sua qualidade de ferreiro dos deuses, acorrenta Prometeu no cimo do Cáucaso, mas obedece contrariado à ordem de Júpiter, pois lhe custa usar violência contra um deus que é da sua raça.
A fábula de Prometeu era popular entre os atenienses, que gostavam de contar até mesmo às crianças as artimanhas engenhosas que esse deus fez, com Júpiter. De fato, não teve ele a ideia de pôr à prova a sagacidade do senhor do Olimpo e de ver se ele merecia realmente as honras divinas? Num sacrifício, mandou matar dois bois, e encheu uni dos couros de carne e o outro, de osso das vítimas. Júpiter foi tapeado e escolheu o último; mas isso só o fez mostrar-se ainda mais implacável em sua vingança.
Em Atenas, Prometeu tinha altares na Academia, ao lado dos que eram consagrados às Musas, às Graças, a Amor, a Hércules etc. Não se podia esquecer que Minerva, prote-tora da cidade, fora a única divindade do Olimpo a admirar o génio de Prometeu e ajudá-lo em sua obra. Na festa solene dos archotes, as Lampadofórias, os atenienses associavam nas mesmas honras Prometeu, que havia roubado o fogo do céu, Vulcano, amo industrioso dos fogos da terra, e Minerva, que dera o azeite de oliva. Por ocasião dessa festa, os templos, os monumentos públicos, as ruas, os cruzamentos eram iluminados; instituíam-se jogos e corridas de archotes, como na festa de Ceres. A juventude ateniense se reunia à noitinha perto do altar de Prometeu, à luz do fogo que ainda ardia. A um sinal, acendia-se um archote, que os aspirantes ao prémio da corrida deviam portar, sem deixá-lo apagar-se, correndo a toda pressa de uma ponta à outra do Cerâmico [bairro de Atenas].
Como o fogo era considerado um elemento divino, era natural que tivesse seu lugar em todos os cultos e em quase todos os altares. Um fogo sagrado ardia nos templos de Apo-lo, em Atenas e Delfos, no de Ceres, em Mantinéia, de Minerva e até de Júpiter. Nos pritaneus cie todas as cidades gregas, mantinhani-se lâmpadas que nunca se deixava apagarem-se. À semelhança dos gregos, os romanos adotaram o culto do fogo, que confiaram aos cuidados das vestais.
No dia das núpcias, em Roma, realizava-se uma cerimónia curiosa e simbólica. Ordenava-se à noiva que tocasse o fogo e a água. "Por quê?", observa Plutarco. "Será porque, entre os elementos de que se compõem todos os corpos naturais, um dos dois, o fogo, é masculino, e a água, feminina, sendo um o princípio de movimento e o outro, a propriedade de substância e de matéria? Ou será, antes, porque o fogo purifica, porque a água limpa, e é preciso que a mulher permaneça pura e sem mácula durante toda a sua vida?"
Fonte: COMMELIN. Mitologia grega Romana. São Paulo. Martins Fontes, 2000
|