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Edição Nº 39 - Fevereiro de 2012 - "Poetas Poesia II"






SANGUE PORTUGUÊS
LORD BYRON EM SINTRA
R. REIS NO RIO DE JANEIRO
FLORBELA ESPANCA
D. MARIA, A LOUCA
Raquel Naveira




Raquel Naveira: nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 23 de setembro de 1957. Formou-se em Direito e Letras pela UCDB/MS, onde exerceu o magistério superior, desde 1987 até 2006, quando se aposentou. Doutora em Língua e Literatura Francesas pela Universidade de Nancy, França. Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie/SP. Trabalhou por nove anos como revisora da Editora UCDB. Apresentadora do programa literário “Prosa e Verso” pela TV UCDB e do “Flores e Livros” pela UPTV e pela ORKUTTV. Atualmente dá aulas nos cursos de Pós-Graduação da Universidade Anhembi Morumbi, como professora de Comunicação Aplicada. Pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e ao PEN CLUBE DO BRASIL. Diretora da União Brasileira de Escritores/Seção SP. É palestrante, dá cursos e oficinas na Casa das Rosas. Escreveu vários livros, entre eles: ABADIA (poemas, editora Imago,1996) e CASA DE TECLA (poemas, editora Escrituras, 1999), finalistas do Prêmio Jabuti de Poesia, da CBL. Os mais recentes são o livro de ensaios LITERATURA E DROGAS-E OUTROS ENSAIOS (Nova Razão Cultural, 2007) e o de crônicas CAMINHOS DE BICICLETA (Miró, 2010).



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Poetas Edição Nº 39
"Poetas Poesia II"

  • Luiz Camilo Lafalce
  • Guillermo Juan Ibáñez
  • Jorge Luis Gutiérrez
  • Raquel Naveira
  • Bruno Ribeiro de Lima
  • Guilherme Rocha Braga
  • Marilia Mello Pisani
  • Ângela Zamora


  • Homenagem a:
  • Tomas Tranströmer
  • Nicanor Parra
  •  

      SANGUE PORTUGUÊS

      Raquel Naveira


      Fiz jus
      Ao meu sangue português,
      Este foi o meu fado:
      Deixar o passado,
      Arremeter-me contra o desconhecido,
      Acima da minha pequenez.

      Desejei tudo:
      Uma nova estrela,
      Uma nova sorte,
      Atribuí ao fado
      O meu cansaço
      De alma forte.

      Estaria morto,
      Absorto em mim mesmo,
      Se não tivesse partido;
      Velas ao vento
      Entre rosas e cruzes,
      Viajei em busca do meu ideal,
      Bem ou mal,
      Não sei quando chegará minha hora,
      Minha vez,
      Mas sei que fiz jus
      Ao meu sangue português.


      LORD BYRON EM SINTRA

      Era ele,
      Lord Byron,
      Na carruagem que seguia
      Pela serra
      Rumo ao mosteiro suspenso,
      Encostado à penedia.

      Era ele,
      Lord Byron,
      O poeta romântico,
      Buscando a liberdade
      Com a paixão
      De uma eterna idolatria.

      Eu o vi:
      A face lívida,
      A capa negra de vampiro,
      O sorriso de D. Juan cínico
      Que enfeitiça a alma das mulheres
      Na mais cruel vilania.

      Era ele,
      Na estrada de Sintra,
      Naquele glorioso Éden,
      Naquelas ruínas melancólicas,
      Ele, tão jovem e propenso à desgraça,
      Mestre supremo do ócio e do spleen,
      Imerso naquela verdura
      E no perfume das camélias.

      Era ele,
      Cheio de carisma e beleza,
      Aristocrata da tormenta.

      Foi depois daquele passeio que ele escreveu:
      “_ Há um prazer nas florestas desconhecidas,
      Um entusiasmo na costa solitária,
      Uma sociedade onde ninguém penetra;
      Amo não menos o homem, mas também a natureza.”

      Lord Byron...

      Ninguém foi tão disputado quanto ele
      Desde os tempos da Guerra de Troia,
      Eu o vi
      Em sua viagem por terras da Ibéria,
      Subindo em direção ao lago,
      Como um anjo negro,
      Maestro de uma gótica sinfonia.

      A carruagem sumiu na neblina
      E era emoção
      O que eu sentia.


      RICARDO REIS NO RIO DE JANEIRO

      Encontrei
      Ricardo Reis
      Certa vez
      Na esquina do Flamengo,
      Estava magro,
      Caminhava trôpego,
      Os olhos fitos na baía de Guanabara,
      Andamos entre palmeiras,
      Ele me falou da infância,
      Do colégio jesuíta,
      Das lições helenistas
      E, saudoso monarquista,
      Lembrou das caravelas
      Que chegaram ao Brasil
      Exatamente
      Naquela paisagem bonita.

      Senti-me com Lídia
      Quando ele disse que minha testa branca
      Ficaria bem coroada de rosas
      (Rosas que se apagam tão cedo),
      Abelhas voavam ao nosso redor
      E as folhas estalavam aos nossos pés.

      Netuno está quieto
      Sob as águas tranquilas,
      Ninfas passeiam
      Com asas de libélulas
      Enquanto as Parcas
      Tecem os fios de nossas vidas;
      Logo será noite,
      Após o ouro de Apolo
      Segue-se a prata de Diana
      E a chama estremece.

      Por algum tempo
      Ficamos mudos,
      Inscritos na consciência dos deuses,
      Depois seguimos rumo à igreja da Glória,
      Ele contou que não temia a morte,
      Que fugia da dor
      E lutava contra a timidez.

      Confessou que era dolorido
      Ser um expatriado
      Mas que vivia alto,
      Acima das circunstâncias,
      Acima de onde os homens têm prazer ou dores,
      Cheio de lucidez.

      Não foi embriaguez,
      Encontrei Ricardo Reis no Rio de Janeiro
      Certa vez.


      FLORBELA ESPANCA

                        (a ela)

      Florbela,
      Fada branca,
      Dolorosa,
      A dor foi teu dote,
      Teu embate,
      Teu prazer,
      Transfiguraste o mundo
      Em arte.
      Florbela,
      Asa branca,
      Amorosa,
      O amor foi tua sede,
      Tua loucura,
      Teu vinho forte,
      Choraste sempre
      O ausente.

      Florbela,
      Égua branca,
      Potranca insaciável,
      Eros foi teu amante,
      Bebeste fel amargo,
      Na luminosa taça
      De um sol agonizante.

      Florbela,
      Branca castelã,
      Princesa de boca rubra,
      Isolada numa torre de névoa,
      Espalhaste sangue
      Pelos cravos
      Da volúpia.

      Alavanca de quimeras,
      Primavera na charneca,
      Força demoníaca,
      A poesia de Florbela Espanca.


      D. MARIA, A LOUCA

      Sabe quem era D. Maria?
      Rainha do Reino Unido
      De Portugal, Brasil e Algarves,
      D’Aquém,
      D’Além-Mar em África,
      Senhora da Guiné
      E da Conquista?
      Era louca.
      Perdeu marido,
      Filho,
      Confessor,
      Tanta dor...
      Viu cabeças rolarem,
      Tronos se despedaçarem,
      Traições,
      Covardias,
      Ficou louca,
      A pobre Maria.

      Ela,
      Amante da paz,
      Tão fervorosa e pia,
      Servia a todos os santos,
      Ia com as outras,
      A pobre Maria.

      Tinha medo das sombras,
      Das batinas pretas,
      Das fogueiras,
      Do inferno,
      Das marés e maresias,
      Veio num navio
      A doida Maria.

      Viveu
      Viajando em sonho
      Pela Arábia,
      Pela Pérsia
      E Índia
      Por um caminho sem volta
      E sem guia.

      Era louca
      D. Maria.






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