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Edição Nº 39 - Fevereiro de 2012 - "Poetas Poesia II"






POEPANORAMAS 3 X 4
DO VÁCUO À FORMA
HOMAGE TO BOB DYLAN
Guilherme Rocha Braga de Araujo



Guilherme Rocha Braga de Araujo: é licenciado em letras e bacharel em tradução de língua inglesa pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente estuda francês no Eurocentre de Paris. É o autor de dois livros de poesia ainda não publicados.



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    POEPANORAMAS 3 X 4

    Guilherme Rocha Braga de Araujo



    a noite insone
    a que eu desejo
    coroada de pele
                      e fumo

    invencível
    instante eterno

    de mármore

    de mármore





    [room in rome]






    neste espaço
    diminuto
    e infinito
    nesta
    montanha russa
    invisível
    gira
    uma coisa
    de cada vez




    [copo sóbrio]






    os sons da vida
                      que não escolhi
    que gosto de pensar que me escolheu
                      movimentam-se lá fora
    convidando-me para uma festa
                      e para a elaboração
                      de meu próximo remorso




    [antepoema]






    cidade dos loucos
                      de lautréamont
                      breton
                      rimbaud
                      éluard
    onde está racine
    em que caçamba
    despejaste
                      molière

    paris é bem menor que são paulo

    um dia toparei os clássicos




    [paris]






    minhas promessas meus fantasmas
    uma dor de ouvido
    que não me deixa
                      paris aqui do lado
                      lá fora da janela
    girando sem parar

                      (sinto-me
                      neste quarto
                      de pensão
                                        rue d’Assas 78
    como um raskolnikov sem estória)

    e baguetes baratas
    mulheres bonitas
    cidade luz
    eu não tenho certeza
    mas deve haver algum jeito
                      de ser feliz
                               por aqui




    [cadeau]






    os dias
    brilham sobre os telhados
    as noites
    bombardeadas de estrelas
    o meu desinteresse é injusto
    mas real




    [só]






    espaços fantasmas

    tateio no escuro
    das coisas

    quero saber




    [cego]






    quando você voltar
    te esperarão
                      a flor
                      o vaso
                      a água

    do teu lado da cama
    ninguém dormiu

    o disco continua
    o mesmo




    [ausente]






    DO VÁCUO À FORMA

    Guilherme Rocha Braga de Araujo



    RÉQUIEM XXI


    I


    Através das palavras,
    nas, pelas, com as palavras
    descobriremos nosso último nome.
    Talvez não seja nada interessante. Talvez
    nem te faça olhar para trás
    todo dia entre as quatro e as cinco da tarde
    quando sais pela cidade
    sabe-se lá em busca do quê
    e nada se converte num jardim.

                      A cidade é implacável.
                      Nosso nome talvez seja implacável.
                      Mas a cidade também é louca.
                      Nosso nome está a salvo
                      para sempre a salvo de nós
                      atrás de nossa própria vida.

    Através das palavras,
    nas, pelas, com as palavras
    descobriremos nosso último nome.
    Se olhares para trás
    pode ser que encontres alguma coisa
    e alguma coisa é muita coisa,
    talvez alguma coisa
    nem caiba mais em nossas mãos.
    Talvez estejamos mortos.


    II

    Mortos
    e não obstante vivos.
    Se esquecem de nos enterrar.
    Mas apodrecemos,
    num escritório ou ao ar livre apodrecemos,
    de shorts ou no invólucro de um terno.

    Nossos olhos perderam
    todos os motivos
    de brilhar
    e os tentam resgatar nos bares:
    freqüentemos bares! freqüentemos bares!
    religiosamente freqüentemos bares!

    Quem disse que não vamos encontrar
    um anjo proscrito
    jogado nas cadeiras rotas?
    Nunca é demais
    vasculhar nos restos, acreditar
    pelo menos um pouco
    nos restos...

    Nosso amor é dado
    com desconfiança
    e parcimônia.
    Nosso amor
    quase não é dado.
    Nosso amor é vendido
    em troca das moedas do sono,
    das moedas da inconsciência.


    III

    Por enquanto o tempo demora
    e não se caminha
    num mundo que gira por costume.
    O amor seria
    uma espécie de salvação
    se um beijo não fosse uma ofensa.
    Esperamos, naturalmente.
    Temos esperado sempre.
    Dizemos palavras
    que o vento corta
    e o sol esquece
    estendidas num solo estéril.

    Encaixotados
    em nossos respectivos apartamentos
    envolve-nos uma neblina
    de fumo, de lembrança,
    de esperança escarnecida
    exatamente como deve ser.
    E a cada vez que lavamos a cara
    tentando nos livrar dos fragmentos da noite
    vemos uma água intacta
    descer pelos canos
    e tudo permanecer em nós.

    Inúteis, as nossas mãos
    enxugam um rosto
    que continua nosso,
    confeccionam objetos
    sem a mínima importância
    para a questão crucial.
    Sabemos de nossa desgraça.
    Por isso somos completamente sérios.
    Num retrato onde o fundo é triste
    e as árvores mortas
    seria vergonhoso sorrir.



    24 H

                      Para Luiz Camilo Lafalce


    I

    Sem o que dizer, apenas
    a vontade de palavras na boca.
    Na noite turva
    nenhuma promessa,
    nenhuma lembrança que valha ser lembrada.

    Ah não haver ao menos
    o que não existe!
    Tudo ser tão real,
    tão espectralmente real!

                      Quimeras espantadas
                      até das páginas,
                      proscritas até
                      dos sonhos,
    eu, que nasci para vós,
    nada encontro entre os detritos do tempo,
    os excrementos de tantos séculos!

    (Apenas, no limiar do silêncio,
    a horrível sombra de um som.)


    II

    É duro falar, é duro responder
    aos apelos do tédio,
    do tempo.
    Lutamos por quê,
    nos despertamos
    para quê,
    se há paredes de perfil em toda estante?

    Por hábito; porquê,
    não importa o quê,
    o espaço continuará
                      conosco nele

    Obrigados a viver, obrigados
    a agir até para morrer,
    ocupados com nossos problemas,
    escrevendo nossos livros
    que não adiantam de nada,
    coando nosso café.


    III

    Longas tardes
    seguidas por mais longas noites
    que vão dar num longo dia...
    Que esperar
    dessa sucessão
    de intervalos?
    Quais segredos
    serão descobertos
    quando o tempo já não soprar?

    Um amigo me disse
    que o livro mais verossímil
    ainda não foi escrito.
    Um outro amigo me disse
    “É claro que não
    pois essa é a sua condição.”

    Sem extravagâncias: sejamos simples.
    Sigamos escrevendo poemas velhos.
    Sigamos escrevendo.
    Matemos o tempo
    a cada dia.

                      Não posso
                      Escapar
                      De mim.



    HOMAGE TO BOB DYLAN

    Guilherme Rocha Braga de Araujo



    Você
                      companheiro distante e próximo
                      nas horas altas e baixas
    me ensinou o termo e o início
                      e o que vai no meiov
                      todas as cores do amor

    você
                      com sua cara esquálida
                      seus olhos azuis
                      seus cabelos loucos
    você com sua voz pequena
                      e uma infinidade
                      de palavras e sonhos

    ninguém
                      nunca saberá
    quantas noites brilhou
    o sol de nossas cabeças
    quantos dias passamos imprestáveis
                      a boca seca
                      a memória borrada

    sobretudo
                      muita gente não entenderá
    nossos problemas
    todas as nossas dores
    dirão que tudo é fraqueza
    sem saber
                      que o nosso veneno é a vida

    meu amigo meu companheiro

    te envio estas palavras

    em português
    e afeto



    lembro da primeira vez
    que te ouvi
    it ain’t me
    babe
    também
    não tem sido eu
    a trazer respostas
    abrigos contra a chuva

    trago flores
    que já morreram
    há bastante tempo
    é claro que eu apontarei

    o caminho por dias melhores
    por homens melhores
    longe daqui



    quando você disse
    uma vez
    eu sou um homem
    constantemente
    triste
                      em inglês
                      nenhuma
                      direção para casa
                      nona faixa
                      50 e poucos
                      reais
    era só apertar o botão
    e você dizia de novo
    não importavam
                      desavenças
                      decepções
                      incompatibilidades
                      pessoais

    você nunca me deixou sozinho
    numa sexta-feira
    por mais chuvosa que fosse

    por mais chuvoso que eu fosse
    você me acompanhou
    em meus caminhos
    difíceis



    você
                      como um sol maltrapilho
    brilhando do sony sobre a mesa de vidro
    me ensinando o que as escolas esqueceram
    e as mulheres sugeriram
                      o que eu soube apanhar
                      sem nenhum esforço
                      como borboletas mortas

    estou para ver o dia
    em que não haverá
    um homem como você
    pois não foi nas terras
    áridas
                      de andaluzia
    que o manancial de lorca correu?

                      e os tempos estão cada vez mais difíceis
                      a poesia cada vez mais necessária
                      vejo uma horda de loucos
                      em uníssono
                      explodir de tanto cantar

    como você
    com sua voz de último álbum



    fora
                      dos e u a
    longe de toda pátria
    perto de cada casa
    enterram robert zimmerman
                      bob dylan
                      e muitos outros nomes

    isto não passa de uma previsão
                      certeira
                      matemática
                      escrita a 14/09/2011
                      às 22 horas
    não obstante abra as portas
                      jogue flores no chão
                      agradeça



    à guisa
                      de epitáfio
    bardo descabelado
    com um inventário
    de nomes e roupas
                      country
                      folkv
                      pop ou
                      rock star

    não pôde escapar de si
    do peso das canções autênticas
    de sua época

                      the weary songs

    no entanto a poesia
    nunca foi tão jovem
    como em suas mãos
    acho que
    nunca houve
    alguém mais jovem
    é bem possível
    que este tenha sido
    o homem mais jovem do mundo






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