Revista Pandora Brasil

"Imagens Espelhadas / Imagens Reflejadas"

Poemas - Edição Nº 100 - Agosto de 2019



Cântico de Devoção

Amanda Alcântara



INDICE DOS POEMAS




CÂNTICO DE DEVOÇÃO

Minha boca canta as virtudes de vossa alma
Enquanto o tempo passa
O vento forma a poeira dos fragmentos
De minha pele intocada
Afagada apenas pela névoa fria do ar
Inda sereno do outono.
E é ali, sobre o mogno daquela pequena mesa
Que escrevo cânticos para ti
Absurdas cartas de amor eterno
Às quais nunca envio.
Acaso podeis meu amado
Traduzir meu pensamento desorganizado em versos eufóricos?
E quando estiveres a traduzi-los,
Sentirás meu amor transbordando
Nas páginas degeneradas de meu mórbido, porém fecundo desejo?
Saberá que são pra ti?

Meu silêncio nada tem de desinteresse
E meu corpo nada tem de infantil,
Mas também, não está completo
Não...! Está febril!
Conspirando contra mim uma maneira de ter-te
De agarrar tuas vestes
Entre meus longos dedos na doce loucura de esquecer o futuro,
Se o preço de possuir-te
É saber que inevitavelmente o perderei
Assim seja!
Não hesitarei nem um segundo
Não nos pouparei da graça dessa perdição,
Dessa paixão que não promete nada
Mas concede-me o calor de perfeição,
A qual sou devotada
Concede-me a graça de ao menos, poder pensar-te.


Á ABELARDO

Como poderias meu amor destruí-lo tão covardemente?
Serei eu, a culpada de teu sofrimento?
Minhas lágrimas caem já frias pelo vento
E minha fraca memória tende a esquecer o pecado
Lembrando apenas de paixão.
Porém, já não sei se sou digna de tua lembrança
Mesmo o véu, não fora capaz de afastar o desejo em minha mente
E no alto da cruz, já não vejo Deus
Vejo a ti...
Sangrando, sozinho na escuridão da capela...
Ah, meu amante renegado! Aqui só dizem mentirasv E falam de amor, sem nunca terem amado,
Aqui a luz cessa brevemente
E meu corpo carece do teu para aquecê-lov No inferno de gelo ao qual me entrego sem ti
Minha única salvação.
Deus só falará, enquanto tu sussurrares em meu ouvido
E os anjos alçam vôo, quando meus lábios tocam os teus.


És a última fonte
O último badalar do sino
O tempo transmutado em homem,
Para mudar para sempre meu destino
És Abelardo, para o mundo, um filósofo
Para mim, eterno amor!
Sem ti a vida custa a passar
E se passa
Descubro que dela já tive tudo.
Quando fecho os olhos
E prostro-me mergulhada na vicissitude de tentar esquecê-lo
Tudo o que faço é lembrar-te mais e mais.


ES

Sou um ser mudado pelo desejo
Retrátil, portátil,
Feito de cinzas e flores murchas das paixões já perdidas.
Sou um ser consumido pelas chamas
Propositalmente...
Que se frustra, que ama, que nega
Que escolhe quais plantas rega
E quais deixa morrer...
Eu me pareço com você
Mas nada há no mundo nos faça iguais
Mesmo com a utopia das liberdades individuais
Seremos sempre “o outro” e nunca si mesmos.
Haverá no meio do diálogo um “se” num grunhido rouco
Está certo se suspeita que todos nós somos loucos
Uns pela vida, outros pela morte
Quem sabe tenhas um dia de sorte
E consiga estar verdadeiramente acompanhado,
Seja ouvido
E até questionado
Por alguém que realmente tenha a rara capacidade
De transpor o abismo existente entre dois.
AMANTE

Meu coração badala
Compete acirrado com os sinos
Tocados do alto pelo monge
Meu ser te chama
E sem resposta rola outra vez pela cama
Talvez entre em coma,
Ou seja, só o exagero de não ter-te
Mas como saber?
Como copiar o perfume daquela que dorme em teu leito?
Que torna ofegante teu peito.
Quero saber como adorna os cabelos
E que sorriso é esse que tanto amas?
Pranteio a noite solitária
Olhando as vagas estrelas cativas,
Implorando ao vento abrandar minha dor
Lamentando a transmutação
De meu amor em obsessão.


O CARVALHO

Eis que sob a sombra do carvalho
Sinto teu corpo inerte
As palavras gravadas na rocha
Não fazem jus ao teu passado,
Mas as estátuas fazem agora
Jus a tua frieza.
Vos amei docemente nos acetinados lençóis
Dessa confusa e maldita vivência,
Que desde sempre destinada ao fracasso
Rememora o novembro escasso
De minhas perdas sem fim.
E agora sozinha
Caminho nas trevas
Entre flores sem pétalas de unilateral paixão
Que sei, já és derradeira,
Pois na vida inteira
Antes de ti morri de solidão
E depois...
Já não há momentos o suficiente
Para guardar no peito tanta dor...

Se por ti vivi
Por ti me vou
Pois esta atroz lápide
Que ao longe me observa
Sussurra em meus ouvidos a verdade que consigo levou
Tua alma, de mim tem tudo
E não há um só segundo que possa esquecer,
Entre os cavaletes
Há ainda aquele retrato teu...

Será para sempre um esboço,
Já não me recordo teu rosto.


EU NÃO TE AMO

Eu não te amo,
Mas quase morro de ciúme
Quando falas de outro alguém
E se não tem as palavras certas
Múltiplos assassinatos lhe ocorrem em meu pensar.

Eu não te amo,
Mas costumo pensar em ti
Grande parte do tempo,
E leio-te por detrás dos teus próprios poemas...
Ah, se soubesses quanto o conheço
Não tentarias olhar-me nos olhos!

Às vezes, até parece que quero
Por ti ser conhecida,
Oh deuses!
Então me traio, caiu desvanecida
Rumo a terra desabitada da consciência
Não mais... Você está também aqui!
Eu não te amo?

SUBLIME

A frustração bateu-me a porta
Sem saber quem era, abri.
Já tendo aberto, convidei-a a sentar
Pois não parecia querer ir embora, mesmo.
Culpa minha! Tinha vinho e não quis beber sozinha.
Lemos poesia, ouvíamos música
Sob a lua meus pés se moviam ritmicamente
Dançando como a constante chama que ateamos à lareira
Estávamos perto. Eu podia sentir seu toque suave a envolver-me
Seu calor...
Era lancinante
E em meio às notas do cravo
E na embriaguez não a fiz parar.
Disposta a render-me, olhei-a nos olhos.
Parecia diferente, e de fato estava
Sublimada pela arte, em paixão.


AUSENTE

Desde que perdi os traços de seu rosto
Do alcance de minhas mãos,
A poesia tornou-se amarga,
E a cada passo sinto tua falta.
És antiga metamorfose,
E o reconheceria em qualquer corpo
Lábios meus... Sempre meus,
Amar-te hei mesmo que me custe a sanidade,
Pois que já não serei eu mesma sem este sentimento.
Deus, diga a ele que este amor perdurará até que retornes
E finalmente estenda meus braços
E doe meu colo para que nele se abandone pelo além da eternidade.
Deus, diga a ele que sofro a cada segundo
No qual não ouço aquela voz...
E se isso não for o bastante
Diga finalmente que criastes meu coração apenas para dar-lhe amor.
Meus ouvidos só querem ouvir tua respiração num profundo sono...
Sono da calmaria e da perfeição,
Meus olhos existem para buscar teu sorriso fácil,
E meu corpo, para nada mais que acolhê-lo incessantemente
Até que minha alma o abstraia por completo.


UM POEMA PARA BYRON

À sombra de uma árvore imagino que escreva,
Rodeado no silêncio e na treva que precede o crepúsculo
É dali que teus pensamentos vêm
Fluem na imensidão criativa do ócio,
Sonhando em ser talvez, um outro alguém,
Mais de Juan, menos de Byron.

És perfeito,
Como se os traços de tuas letras
Delineassem teu rosto,
E teu corpo contasse o fim
De cada poema ainda não escrito.
Num mistério nunca desvendado da ânsia que absolutamente o deseja.

E parece que dorme ao raiar do dia,
Em tantos leitos, quanto gotas de chuva no inverno,
Não ama, não sofre, nem mente.
Deleita-se terminantemente em paixão torrencial
Um perfume desconhecido, um manancial,
Para um cafajeste bem-sucedido.
É leal, a cada vício que a vida lhe oferecer.


A MORTE DO COMPOSITOR

Ao partir levastes acaso todas as flores em teu túmulo?
O perfume me escapa
Tão comumente
E o azul do céu encerrou-se ao fechá-lo em teus olhos
Óh! Meu doce amor!
Por que partires assim,
Inda tão moço?
Teus cantos de voz imatura
Transpassam-me os ouvidos
Em madrugadas delirantes,
Oh! Meu doce amor!
Inda sinto o ressoar daquelas teclas benditas
Que agora me parecem tão tristes sem teu toque,
Tristes como eu,
Como Aquiles, ou Orfeu,
Vagando pelos infernos em busca do teu rosto.
Meu anjo sombrio
Sempre a ti pertencerei,
E enquanto viver, tu também viverás,
Eu vos sonho e vos abençoo o quanto puder,
Mesmo que caminhe assim distraída
Tão cansada da vida
Longe de teus lábios discretos
E de sorriso largo.
Amo-te em cada nota
Em cada perfeito compasso
Assim como no remanso.
Imagino-te com meu coração nas mãos,
Vos entreguei de bom grado
Por uma só sinfonia

Nascida de teu pensamento, compartilhado com os anjos
E eternamente amado.
O SUL

De repente olho tua fotografia
E sinto como se o tempo não houvesse passadov Apesar de seu rosto ter mudado
Esculpido pelas horas
Com novas delicadas linhas junto aos lábios,
Os olhos continuam iguais
Cinzentos e profundos
Como as chuvas do Sul.
Eu ainda me lembro de cada momento
Muito embora os detalhes voem
De meu pensamento Você parece ter se tornado uma boa lembrança
Tingida de modo trêmulo
Como a última respiração antes de um beijo,
Ou o mar antes do feixe crepuscular.
Percebo ali
Que não mudaria nada em nós
Nem mesmo um vacilo,
Sabendo agora e sempre
Que o encontrarei novamente
Quantas necessárias vezes forem justas
Á nossos divergentes caminhos.
ILÍCITO

E eu vou tê-lo mesmo que custe minha alma
Pois nada abaixo do céu é mais sagrado que teu corpo,
Eu o desejo
Como as planícies desejam o alaranjado do sol ao entardecer,
E as velas desejam ser sopradas pelos ventos gélidos das montanhas, Não há palavras, olhares ou gestos.
Que tracem meu amor como o cultivo
Mas quem sabe, a sensação que me traz ao pé do ouvido.
Torne-me um mundo melhor,
Ainda que por alguns minutos de todos os meus dias
Esteja louca.
OLHOS DE LUAR

És soturno como a noite
E quase tão agradável quanto a brisa fresca da madrugada
Tão dedicado ao amor,
De uma juventude inconsequente
Impulsivo, impossível conhecê-lo.

És soturno como a noite
Com teus olhos de luar
Que curiosos olham o mundo
Destinados a pecar.
És soturno como a noite
E, és belo como o crepúsculo.
Adorável solidão à qual o vejo definhar
Se me pertenceres um dia
Vos terei pela eternidade,
Sem propósito, ou recusa,
Sem prévio testemunho...


RESQUÍCIOS DE AMOR

E teu sorriso aqui
Tão docemente se despede
Ele venera a alegria,
Mas não mais a terá por perto.
Esquiva-se da dor fúnebre
Para manter-se ativo como outrora,
Porém não encontrará se quer um motivo
E partirá saudoso de amores tão distantes
De quase outra vida.
Ah! Meu coração está tão sozinho agora
Que sinto pena de reclamá-lo
Por que me roubaras este inútil?
De certo que não lhe servira de nada
Só que a mim...
Ah, a mim até que servia.
Oh, meu doce amor
Pequeno e cativo
Foste embora tão depressa
Tão desprovido de tudo o quanto lhe devia haver em abundância,
Oh, meu doce amor
Eras tão fiel a juventude
E eu tão velha estou
Sinto meus restos irem ao chão enquanto caminho
E meus lábios imploram por um beijo de falsa ternura
Que só teu querer passageiro pôde dar.
Quão saudoso és meu querer agora
Pois agora nada mais quero,
E sem ti, sinto que nada tenho.
Além da solidão desesperadora de infinitamente desejá-lo
Até que a vida nos separe.




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