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Se eu fosse Immanuel Kant meu terapêuta estaria rico
Rodrigo Luiz Cunha Gonsalves
eu nome é Immanuel Kant e este texto que escrevo, remete a um sonho que tive algumas noites atrás.
Acordei no que vagamente lembrava minha cama, dentro dos cômodos que pareciam ser de minha casa. Mas, tudo estava diferente. Todos os objetos à minha volta, as paredes, meus escritos, armários... tudo em seu devido lugar, porém com suas particularidades alteradas.
Fato este que – desafiava até mesmo a elaboração dos objetos sintéticos apriori e a relação do sujeito cognoscente... E logo, ao finalizar este raciocínio, meus passos que haviam me direcionado até a estante de meu quarto propiciaram que minhas faculdades de lá fossem acometidas pelo calendário.
Não era possível! O ano escrito era de 2008.
Minha estranheza filosoficamente me condenara à elaboração racional acerca deste evento! Quis elaborar e dar conta das possibilidades sobre este ocorrido. Propiciando-me assim à re-ordenação desta realidade que se apresentava à minha volta. Mas, ainda assim minha estranheza estava clara e eu incerto... Esteve David Hume certo por todo este tempo?
Não era possível. A razão ainda estava dentro de minhas formulações críticas e não haviam se perdido. Não cairei em riscos dialéticos ou metafísicos! E da mesma forma como se faz epistemologicamente possível a ciência, analisarei esta realidade.
Completamente distraído em meu defrontamento pensativo, notei que os ponteiros do relógio denúnciavam que estava muito perto de perder o horário do meu passeio metódico. E mesmo espantado com a situação que estava me circundando não poderia eu perder o meu passeio e talvez com esta minha prática tão comum eu pudesse figurar melhor estes acontecimentos. Aprontei-me com roupas que eram muito semelhantes às minhas, porém completamente diferentes, com traçados, linhas e tecidos distintos. E mesmo com estes estranhos juízos de gosto para vestimentas, vesti-me com estas que enchiam o meu guarda-roupa. Não tive outra opção.
Às pressas sai de casa e ao abrir a porta, deparei-me com uma Alemanha tão estranha e tão particularmente semelhante que a sensação que tive, foi de uma vertigem sem comum.
Minha razão tentava dar conta de ordenar tantos estímulos que competiam pela atenção de meus olhos, porém não era possível, tudo estava completamente fora do meu alcance. Coloquei-me então a explorar toda esta realidade.
O percurso era o mesmo e sempre foi. A hora também estava respeitada mas as coisas à minha volta estavam claramente transformadas. Olhando para o que parecia-me um gigantesco armazém ou algum estabelecimento de vendas logo à esquina, tropecei em um objeto vermelho de formato cilíndrico e caí no chão.
O chão estava coberto por um rígido solo cedimentado, com faixas pintadas à tinta. Reparei também que um objeto semelhante a uma carroça sem cavalos estava movendo-se em minha direção achei por bem levantar-me prontamente e sair de seu caminho.
Voltei para casa e fechei meus olhos fortemente na esperança que as coisas retornassem ao seu devido lugar... Mas, nada ocorreu. Achei que deveria então pedir ajuda, poderia estar enfermo talvez sendo vitima de alguma desrazão muito forte que me acometia.
Então, fuçando em minhas gavetas achei um cartão que recomendava um tal de Dr. F., um Psicologo. Fui ao seu encontro o mais breve possível.
Quando cheguei ao seu consultório fui abordado por uma atendente que me questionou sobre meus dados, após fornecê-los fiquei à esperar a minha consulta.
O Dr. F. após alguns minutos me atendeu. Entrei em uma sala agradável com uma vasta biblioteca com obras que me eram desconhecidas, comentei que eu mesmo havia escrito alguns livros. Ele demonstrou interesse, e comentei sobre as minhas Críticas, e logo ao relatar isto, reparei que ele começou a anotar algo e aparentar uma feição de preocupação.
Ele então passou a questionar o porquê da minha visita. Algo que eu lhe respondi com a maior prontidão: - Estou em um tempo que não pertence a mim, aparentemente vim para o futuro! Dr. F. começou a franzir suas sobrancelhas e tornou a anotar algo. Após terminar sua anotação, ele me questiona se eu estava tomando alguns medicamentos, eu então comentei sobre as minhas práticas habituais e os meus cuidados em nome da longevidade que pretendo para minha vida. Relatei a minha lista de medicamentos. Outra vez, Dr. F. anota algo em seu papel ...
Estava começando a me sentir desconfortável com a situação. Dr.F. pedira para que eu me sentasse de costas para ele e relatasse sobre desde quando eu estava me sentindo desta forma. Disse que eu estava tirando um cochilo para minha habitual caminhada pré-estipulada em seu horário e quando acordei deparei-me com esta realidade.
Ele então me pergunta sobre quantas vezes eu fizera aquela minha caminhada tão pessoal, disse que fiz desde que me conheço enquanto filósofo. Mais outra vez as anotações ... E quase que de imediato ao terminar de anotar algo, ele me perguntou: “E seu nome é Immanuel Kant, está correto?” Afirmei-lhe que estava correto.
Percebi que ele suspirou, colocou a mão em um pequeno botão perto de sua mesa e comentou algumas palavras com este aparelho. E então, dirigiu-se a mim: “Meu caro Immanuel Kant, acho que o senhor de fato está cindido de sua realidade. Como é possível alguém andar religiosamente sob os mesmos passos, todos os dias, ao mesmo horário, buscando racionalizar tudo e todas as coisas à sua volta? A sua vida é tão rígida e regrada como você me diz?”
Respondi como defini o imperativo categórico em minha obra, e o fiz pela minha concordância com o dever. Pois assim consigo me definir em minha plenitude racional.
Ele balançou a cabeça e ainda aparentando preocupação, disse-me então: “Kant, penso que o senhor está passando por um surto psicótico, porém não se preocupe que irei lhe prescrever alguns remédios que irão tratar disto.”
Agora eu estava apreensivo. Então, retruquei-lhe: “Surto psicótico, Eu? Immanuel Kant? Impossível! Minhas ordenações e organizações são lógicas, minhas práticas são a ordenação em consonância ao dever, a boa vontade encontra sua plenitude em meus gestos através da possibilidade racional dando conta de minha disposição moral! O senhor que não me diga que não estou na plenitude de minha razão!” Finalizei minha fala vi Dr.F. levantando-se e aproximando-se de mim. As palavras que seguiram foram: “suas regras e suas organizações parecem ser ao meu ver uma defesa de busca do seu verdadeiro eu”.
Neste instante eu assumo que fiquei preocupado de estar falando com um louco. Este Dr.F. quis me dizer que as ordenações e organizações racionais estavam retirando a possibilidade do meu contato comigo mesmo, com o meu “eu”. Que absurdo! Só pude fazer uma coisa, levantei-me e tomei meus passos em caminho à porta.
Dr.F. então, disse: “O que é ser humano para você Immanuel Kant, mais me aparenta uma máquina ... E você leva sua vida desta maneira. Isto faz sentido para você?” Após ouvir isto, parei e coloquei-me a problematizar filosoficamente os sentidos possíveis para aquela conjectura sobre o homem e quando menos percebi já estava novamente sentado e novamente pensando.
O doutor então diz: “Não quero que você pense sobre esta questão, quero que me traduza o que você sente sobre sua humanidade.” E quando me deparei com este entrave, ele disse que o meu horário havia terminado e que nossa sessão teria que continuar em outro horário que devia ser agendado com a sua assistente, após este choque achei por bem tentar marcar a próxima sessão.
E logo quando fechei a porta daquele consultório. Eu Acordei! As coisas haviam voltado ao seu lugar e tudo voltara a fazer sentido. Ainda transpirando demais após este nefasto cochilo minha plena razão indicou que aquilo tudo havia sido apenas uma quimera aérea, um fruto dialético da exacerbação racional que simplesmente não cabe para nenhum ser humano. Tudo não passara de um sonho. E de fato, quem poderia achar qualquer sentido nisto – um sonho!
Peguei minhas roupas, comedidamente sorri à situação e segui para o meu passeio.
O que poderíamos concluir desta conjectura é que apenas Immanuel Kant conseguiria ser Immanuel Kant, fruto de seu tempo e de seu próprio pensar. E ainda bem, que sua relevância se faz presente nos nossos dias através de sua filosofia e não pelas suas práticas de vivência.