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A AULA QUE GOSTARIA DE DAR

Sibeli Nazário Viana Pires

Esta é uma questão complexa em filosofia. Dar uma aula não é só passar conteúdos, é também dar instrumentos para que o educando possa utilizá-los no cotidiano e na sua auto-formação. Mas supondo que, neste momento, eu estivesse preparando uma aula para uma sala de ensino médio e considerando que há uma diversidade de aspectos cognitivos, emotivos, motivações ou desmotivações dentro de uma sala de aula começaria por privilegiar primeiro o amor que tenho pela Filosofia. Neste sentido não posso deixar que aspectos negativos que foram agregados a esta disciplina por ignorância possam continuar entre os alunos. Será preciso criar um momento para que Filosofia possa ficar em paz com estes jovens.

Ao mesmo tempo sei que a Filosofia é movimento constante e por todo o tempo de sua existência ela agradou e desagradou até mesmo àqueles que não a ignoravam e que ao criticarem a Filosofia também filosofavam. Preciso demonstrar aos alunos que opinar não significa filosofar. A Filosofia exige base sólida para o desenvolvimento de argumentos válidos, a crítica exige fundamento e rigor. Acredito que Filosofia tem muito a contribuir na formação desses jovens.

No último seminário interno que participei me identifiquei com a fala da Professora Ângela Zamorra sobre o que é a coruja para a Filosofia: “Assim como a coruja pousa em qualquer lugar em que haja espaço também a Filosofia vem buscar seu lugar. Enquanto os homens dormem, a coruja (e a Filosofia) permanece de olhos abertos”. Isso tem muito significado para a Filosofia que têm como importância o fato de não se deixar enganar pelos modismos e comodismos. A Filosofia sabe se engajar naquilo que acredita e permite questionar a si questionando o mundo e o homem.

Filosofia é compromisso e eu me sinto compromissada com ela. Por isso a aula que gostaria de dar, envolve conhecimento e ações, respeito e tempo adequado. Gostaria que a sala se prontificasse a questionar e também a buscar suas próprias soluções. Não sonho com uma mudança mágica de vida para estes alunos, mas penso que eles podem aprender a fazer suas escolhas, por sua própria vontade com discernimento e entendimento. Escolher envolve abrir mão de muitas outras coisas. Quando escolho entre duas coisas, sei que devo me inteirar daquilo que escolhi e não pensar como poderia ter sido se fizesse outra escolha. Saber escolher é buscar ser feliz com sua escolha.

Lembro-me de uma aula que assisti com a Professora Graciela Deri de Codina, sobre a justificativa de Sartre ao existencialismo para com os críticos ; quando chegamos ao ponto em que Sartre fala sobre escolhas ela fez um comentário muito interessante: “A ética proposta por Sartre implica num mundo de subjetividade, porque as escolhas partem do ‘eu’, e somos livres para fazer ou não estas escolhas. Cada escolha envolve uma pluralidade de possibilidades e quando escolhemos uma, ela só tem valor por ter sido escolhida. As escolhas do eu, se inter-relacionam com outras escolhas, por isso ao escolher para si, escolhe-se para todos e somos inteiramente responsáveis por nossas escolhas. No existencialismo não é preciso acertar o que não é possível é legitimar, ou seja, colocar o peso da responsabilidade em Deus, ou no outro, ou na vida...”.

Isso significa que quando escolhi fazer Filosofia, tive que abrir mão de outras escolhas, não posso ter todas integralmente e ao mesmo tempo. Querer todas implicaria em fragmentar e ter apenas parte delas e nenhuma ao mesmo tempo. Cada vez mais percebo que fiz a escolha certa e que vale o sacrifício de outras que deixei de lado. É esta possibilidade de escolher e sentir-se em paz com as escolhas que desejo passar aos alunos.

Para mim uma sala de aula deve permitir que fluxo de idéias e informações corra de ambos os lados, entre o professor e o aluno. Acredito que podemos aprender sempre, e aprendemos ainda mais ao ensinar. Posso usar como ponto de partida para o ensino de filosofia o que eles gostam; aquilo que faz parte do cotidiano deles, suas preocupações, etc. Quanto ao que eles gostam se for tecnologia, como já ouvi muitos comentários, melhor, eu também adoro e teremos muito que discutir sobre esse assunto no campo da filosofia e da reflexão. Mas também não posso abrir mão dos textos filosóficos então teremos que criar a possibilidade de diálogo, despertando o interesse na medida do possível.

Da minha parte sei que devo levar a eles os conceitos da Filosofia, sua história, os vários movimentos que permearam a Filosofia, permitindo, assim, que mais tarde quando eles se depararem com um texto, ou imagem, não se sintam intimidados, que aprendam interpretar e pesquisar, a ler e colocar suas idéias no papel e na vida.

Mas, confesso uma dificuldade; não consigo me permitir a ter um plano fechado que não permita o movimento. Terei responsabilidade, por amor a Filosofia, de trazer aos alunos o conhecimento necessário, promover o desenvolvimento de um pensamento organizado, relacionando crítica à criatividade, auxiliando esses alunos a construir e formular questões de forma estruturada, provocando a dúvida, provocando-o a conviver com o diferente sem medo. Mas como? Isso com certeza vai variar de mim para eles. Conviver é respeitar as diferenças inclusive no modo de pensar e agir, também no modo de aprender.

Piso sempre num chão real, sem dor, sem sofrimento, sem mágoa para assim poder chegar ao ideal. Isto não é ataraxia porque gosto do enfrentamento e o que me motiva é justamente a diversidade.



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