"Gostos Discutíveis"

Edição Nº 92 - Março de 2018


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Apresentação


Esta edição de número 92 da Revista Pandora Brasil visa tematizar, filosoficamente, sobre a discussão dos gostos. Ao reconhecer a discutibilidade dos gostos, esta publicação nos convida a adentrar em uma multiplicidade reflexões filosóficas em âmbitos diversos desta temática. A ideia principal é discutir o gosto como pressuposto implícito e/ou explícito que está legitimado nas ideias expressas no campo acadêmico e também na vida prática cotidiana. No campo da filosofia, a expressão “gosto não se discute” é um equívoco, e cabe a filosofia investigar os fundamentos que estão por trás desta pseudo “máxima”, cuja intenção revela certa tendência em interromper, bloquear, impedir ou frear uma discussão sobre o gosto, abortando o germe do diálogo já em seu nascedouro.

O fato é que por um bom tempo o sentido da máxima De gustibus et coloribus non est disputandum, ou seja, sobre gostos e cores não se discute foi verdadeira, ou relativamente verdadeira – uma vez que o diálogo não era uma prática massificada –. No entanto, no campo da estética filosófica, foi Hume quem iniciou a desconstrução desta máxima quando ele propõe e defende uma discussão sobre o gosto no seu clássico texto Do padrão do gosto. No campo da literatura, especificamente no livro Dom Quixote de la Marcha, do autor Miguel de Cervantes, uma imagem paradigmática, que é retomada por Hume, expõe os elementos dessa discussão através da postura pragmática e do veredito empírico narrado por Sancho Pança de seus parentes quando foram chamadas para emitir um juízo sobre a qualidade de um barril de vinho.. A narrativa de Sancho funda um verdadeira ramo do saber, a fisiologia do gosto, sem dar a mínima importância às opiniões dos especialista e amantes das provas a priori.

Esta parece ser uma postura sensata quando se trata de escolhas práticas do cotidiano com baixa incidência moral, pois permite a qualquer indivíduo emitir uma opinião sobre o que é mais corriqueiro, sem a necessidade de se acercar da opinião das autoridades em determinados assuntos. O convite é claro e direto: no campo do sensível é preciso fazer escolhas e, em sendo ou não contraditadas, aguardar que o tempo faça justiça, corroborando ou não esta sua decisão.

No campo da moral, os autores ingleses, dentre os quais Hume e Adam Smith são exemplos clássicos: para estes autores a escolha também está ligada à sensibilidade e não a uma determinada metafísica. No entanto, o exercício contínuo das escolhas morais, assim como das escolhas sensuais, seria capaz de mudar a nossa opinião? O gosto, por sua própria lógica, carrega consigo algo de razoável e capaz de orientar as futuras escolhas? Para descobrir essa virtude do gosto, precisamos discutir sobre ele, discutir sobre as nossas escolhas com mais frequência do que fazemos.

Um juízo abalizado e direto sobre o gosto é do o filósofo Nietzsche. No capítulo intitulado “Dos sublimes”, na segunda parte de seu Zaratustra, ele pergunta e responde: “E me dizeis, amigos, que não se discutem gostos e sabores? Mas toda a vida é discussão sobre gostos e sabores!”. Para este autor, não apenas o sensível, mas a vida, de um modo geral, deve ser passível e deve merecer uma discussão. Precisamos nos questionar, pois hoje em dia discutimos mais do que os nossos antepassados sobre gostos e sabores. Discutimos mais sobre a vida? Incluímos a vida no rol das nossas discussões, ou seja, entre nossos gostos e sabores? Se a resposta for não... precisamos colocar a vida como um gosto ou um saber, urgentemente! Se a resposta for sim... precisamos questionar a natureza dessas discursões, suas bases e as conclusões a que chegamos.

Para Nietzsche, o gosto é muito mais do algo ligado ao homem de gênio ou ao esteta ideal. Para ele, o gosto é algo duplo. “Gosto: é peso e balança ao mesmo tempo, e aquele que pesa; e coitado do vivente que quisesse viver sem discussão por peso, balança e quem pesa!”. Gosto é coisa comum e discutível! Não é possível fugir ao embate sobre gostos, cores e sabores. A vida... a vida não é o lugar a partir do qual julgamos e sim ela mesma é um elemento da discussão – não para os metafísicos de plantão – mas para todos os que pensam e escolhem, entre gostos e sabores. Quem está livre de tais escolhas?

O dogmático que pretende afirmar que gosto não se discute é o equivalente direto do defensor da ortodoxia moral e do status quo social. Sem muito meditar sobre o tema, pressupomos que ele se apresenta como alguém que quase não aprendeu a escolher e, por isso mesmo, não aceita colocar em discussão o seu quinhão, arduamente conquistado. Mais uma razão para filosofar, para questionar a ausência de discussão sobre as nossas escolhas e porque esta ausência conduz a não aceitação da escolha dos outros – no campo social, político, sexual, religioso... etc. Se é verdade que gostos e cores se discute, quem escolhe avalia e, através da avaliação, melhora o seu gosto e se coloca em condição de discutir os demais gostos. Ousemos discutir os gostos! O convite está feito!

Um abraço e boa leitura,

- Adenaide Amorim Lima (Mestre em educação)
- Jasson Martins (Mestre em filosofia, professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Uesb
Coordenadores da edição 92 da revista Pandora Brasil
jassonfilos@gmail.com

Arte da capa: Francisco Josimar Ricardo Xavier



Sumário