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AS TRÊS TENDAS

Jose Carlos Simonetti

Ao chegar na Escola Nossa Senhora do Retiro, que fica no Vilarejo, vale do Amanhã, no país Mirante do Sul, me admirei com a paisagem local. A escola fica entre duas montanhas, que lembra a figura de um abraço; um jardim bem cuidado de diversas espécies de flores. Ao fundo uma cachoeira e um rio de água potável que passa ao lado da escola. Sentei para admirar tudo isso. Foi quando avistei uma tenda branca e um senhor que vinha em minha direção. Ao se aproximar, observei que carregava alguns livros. Cumprimentei-o, bom dia meu senhor! Ele respondeu com um sorriso na face. Bom dia! Muito prazer, Solar. E perguntou: Qual sua graça? Respondi: José. Em seguida perguntei: vai ter uma festa nessa tenda? O senhor Solar disse: não, estamos nos preparando para realizar a grande aula. Continuou ele. Essa aula é realizada de quatro em quatro anos. Aqui vale uma observação sobre essa aula. É que, a última vez que ela foi organizada faz doze anos, quando se iniciou a guerra.

O que estava em disputa, era quem iria dominar o comércio da rosa no mundo. Os povos da Margarida central e os da Euroubo, que possuía um poder bélico fortíssimo, não mediam esforços para obter o controle total desse comércio. Mas existiam os povos do Oriente Alto que tinham um exército de homens valentes, que resistiam a qualquer preço, mesmo se tivessem que pagar com a própria vida.

O senhor Solar preferiu não realizar a aula até que essa barbárie chegasse ao fim. Foi então, que na primavera, esses povos entraram em acordo para que fosse realizada a grande aula. Ficou definido entre eles que durante o período da primavera não haveria combate. Assim, as crianças poderiam se dirigir para os aeroportos de suas regiões, aguardando o horário do embarque.

O avião partiu de Mirante do Sul com destino à Areia Quente, uma cidade que fica localizada na região do Oriente Alto, por sinal tem umas das nascentes de água mais pura do planeta, que é ótima para o cultivo da rosa, e que por vez era a região do conflito. O avião pousou no aeroporto na hora marcada, ou seja, as 03h15, todas as crianças do Oriente Alto embarcaram. Esse vôo passou por todos os continentes, sua finalidade era buscar todas as crianças para participar da aula na Escola Nossa Senhora do Retiro.

Logo após o avião decolar, o senhor Solar me disse: vamos descansar que amanhã teremos um longo dia pela frente. Ele me acompanhou até os aposentos, que ficavam uns quinhentos metros de onde estávamos. Ao chegarmos, encontramos outros professores que também participariam da aula. Era aquela tenda que avistei ao chegar na escola. Pois se tratava de uma tenda comunitária, para abrigar todos que participariam da aula, o espaço servia também para acomodar as crianças que estavam chegando. Nesse momento, eu olhei para o lado norte e avistei outra tenda. Perguntei: o que é ali? Ele respondeu com um sorriso no rosto, amanhã você saberá. Então, fomos descansar.

No dia seguinte, ao me levantar fui à procura do senhor Solar, e o encontrei em baixo de uma árvore de sândalo. Ele encontrava-se tão sereno que parecia não estar nesse mundo. O sorriso era algo marcante em sua face, achei melhor não dizer nada e comecei a voltar para o alojamento. Foi então, que ele moveu apenas os olhos e me disse: as crianças logo estarão chegando, temos que nos preparar para recebê-las! Eu perguntei: as crianças vão ficar todas juntas? E o que fica naquela outra tenda? Ele me respondeu: sim, as crianças permanecerão todas juntas. Vamos até a tenda para que eu te apresente algumas pessoas.

Ao chegar lá, para minha surpresa, havia muitos idosos. Então, perguntei: o que eles fazem aqui? O senhor Solar me respondeu: vão participar da aula. Eu, na minha ignorância, pensei: o que esses idosos poderiam contribuir para essa aula... Não precisei transformar esse pensamento em palavras, quando o senhor Solar olhou nos meus olhos e disse, com muita sutileza: alguns desses senhores foram professores, outros foram alunos e outras contribuíram de alguma forma no passado, no presente e no futuro para a realização da nossa aula. Percebi que o senhor Solar é um homem de caráter e tem um grande respeito por aqueles que, no passado contribuíram para uma educação melhor e ainda fazem parte desse processo educacional.

O senhor Solar me disse: vamos recepcionar as crianças, porque um dos ônibus já vai chegar. Depois voltamos aqui com as crianças. Então, seguimos para frente da escola, onde já se encontravam outros professores e outras pessoas que contribuiriam com a aula. Entre essas pessoas, havia um padre, um artesão, um ferreiro, uma lavadeira, uma cozinheira, uma faxineira, alguns agricultores e pescadores.

Quando o primeiro ônibus chegou foi uma alegria só, quase todos que se encontravam ali se emocionaram. Um dos professores falou: Você sabe o que significa doze anos sem realizar esta aula? Por causa de uma guerra absurda? Não tive palavras, só imaginei a situação... Pensei: realmente é de emocionar qualquer um! E as lágrimas escorriam em meu rosto. E as primeiras crianças que chegaram eram do continente Africano. Depois de meia hora, o segundo ônibus chegou, era o ônibus do continente Asiático.

Passaram-se duas horas, e o terceiro ônibus estava lá com crianças da Europa e da Oceania. No final da tarde chegaram as crianças da América. Parecia um sonho, dentro da mesma tenda, todas as crianças reunidas. As crianças tomaram banho, se alimentaram e foram dormir, porque no dia seguinte seria dado início “a grande aula”. A noite estava agradável, e eu resolvi sair para caminhar um pouco, mas minha curiosidade foi maior, fui até a tenda, onde se encontravam aqueles senhores que eu havia conhecido naquela tarde. Foi quando me aproximei e vi um casal do lado de fora. Cumprimentei-os, eles responderam com uma voz macia e envolvente: esta passeando meu jovem? Sim, o clima está bom para um passeio, respondi. Eles continuaram a conversa.

Dei uma olhada para dentro da tenda, observei que as pessoas já estavam dormindo. Somente aquele casal estava acordado. Percebi que conversava sobre educação, para ser mais especifico, o casal, na sua conversa demonstrava preocupação com a atual situação do ensino no mundo. E se mostrava apreensivo como as crianças estavam sendo educadas. Foi aí que me lembrei do filósofo Epícuro, que disse: “eduquem suas crianças, para que mais tarde não tenham que educar seus homens”.

Ele tinha toda a razão, pensei. Ao mesmo tempo os dois senhores também tinham razão para se preocuparem com o ensino que estava sendo dado às crianças.

Em suas abordagens, a educação não tinha o papel de formar um adolescente consciente de sua cidadania, no mundo em que vive. Ou seja, a educação estava centrada unicamente em formar adolescentes preocupados tão somente com o mercado de trabalho.

“Essa educação” desperta nesses jovens, somente o espírito competitivo, fazendo com que veja no outro, seu inimigo dentro da sociedade, pois a educação, segundo eles, deveria ter um papel realmente transformador. Ou seja, despertar uma consciência mais solidária, mais igualitária, onde possamos olhar para o outro e reconhecer a si próprio, e não apenas cidadãos competitivos, porque se o papel educacional for de “educar” essas crianças, para mais tarde se tornarem cidadãos, não seria uma boa educação.

Então, continuei a caminhar. Encontrei com o senhor Solar, nos cumprimentamos e ele disse: já viu a terceira tenda? Respondi: não! Essa é para qual finalidade? Perguntei. Ele respondeu: onde será realizada a aula. Aí fomos dormir.

No dia seguinte, acordei um pouco mais cedo, caminhei para o local da aula, só que nesse trajeto avistei um lago, mudei meu percurso, fui em direção a esse lago, ao chegar lá, vi um senhor ajoelhado com os braços estendidos para frente, e a cabeça entre os braços, em cima de um pedaço de madeira sobre a água. Admirei-o, e segui para aula. Quando cheguei à tenda destinada à aula, o senhor Solar e os demais professores, bem como algumas crianças já se encontravam lá, sentadas em almofadas, outras crianças chegavam com seu preceptor, às oito horas, todas as crianças já haviam chegado. A primeira atividade era seguinte: todas as crianças e professores deveriam se abraçar. Eu me senti muito bem com esse exercício, nesse dia teve aula de pintura e de música, e os professores saíram com as crianças para caminhar.

No outro dia, as atividades estavam concentradas em jogos; passaram-se duas semanas, nas quais foram desenvolvidas diversas atividades educativas. Na terceira semana fui apresentado ao professor Pedro. Para minha surpresa, era o senhor que eu tinha visto no lago. Eu ia acompanhá-lo nas aulas. Nesse momento, o senhor Solar se aproximou e disse: Pedro, tudo certo com vocês aí? Ele respondeu apenas com simples olhar tranqüilo, e me disse: vamos para nossas atividades! E assim nós caminhamos para a tenda.

Ao chegar lá, o professor Pedro me falou que existem alguns valores básicos que não têm nada a ver com cor da pele, a língua que você fala, seu QI, ou a quantidade de dinheiro que você possui. É por isso que realizamos esta aula para começar transformar e mudar os hábitos educacionais. Portanto, nada melhor que iniciarmos com as crianças de diversas culturas para construirmos esses valores, que realmente dão sentido a vida neste universo. Continuou ele: eu acredito que o objetivo da nossa vida seja a busca da felicidade. Quer se acredite nessa religião ou naquela, todos nós buscamos algo melhor na vida. Assim, penso que a educação das crianças é um caminho frutífero para a felicidade e um mundo em paz.

Aqui existem pessoas de culturas, etnias e religiões diferentes, bem como níveis sócio-econômicos diferentes. Assim, não podemos dizer o que é certo e o que é errado para pessoas que têm vida diferente uma das outras. E as crianças gostam de saber que estão sendo cuidadas. Concordei com isso. Ele disse: Observe aquele menino ali. Olhei, em direção do pequeno Tristan, era uma criança muito malcriada e desorganizada. Perguntei: como o senhor percebeu tal comportamento dessa criança em relação entre tantas? Apenas sorriu.

Eu já estava ficando acostumado com os sorrisos como forma de respostas. Eu continuei a observar o pequeno Tristan, notei que era um líder entre os alunos, foi quando o professor Pedro se aproximou de Tristan, e a avisou que na tarde de sexta-feira, eles iriam até o lago para uma atividade coletiva. Tristam em tom muito atrevido disse que não ia participar de atividade nenhuma, porque tinha que ver o jogo de basquete pela liga recreativa. O professor Pedro não discutiu com o garoto, em vez disso, ele procurou saber do horário do jogo na televisão, e viu que esse era às 13horas.

Sabendo disso, o professor resolveu também assistir à partida. Quando Tristan viu o professor no espaço reservado para vídeo e televisão, ficou impressionado e perguntou: o que o senhor esta fazendo aqui? Disse-lhe que fora torcer junto com ele, mas Tristan não conseguiu acreditar e não entendeu a presença do professor ali junto dele. O fato de o professor ir assistir ao jogo foi importantíssimo para esse aluno, pois com essa atitude, o professor valorizou o sentimento do aluno, estimulando-o nas atividades escolares. Na tarde de sexta-feira, o garoto chegou à beira do lago calmo e sereno. Durante as atividades se mostrou respeitoso com os outros e esforçado nas atividades.

Durante meu período nessa escola, apareceram várias situações adversas, pelo fato de estarem reunidos, em um só lugar, seres humanos diferentes em relação aos costumes e cultura. Mas, tanto o professor Solar, quanto o professor Pedro e as demais pessoas, que de alguma maneira estavam envolvidas nesse processo educacional, me mostraram que é simples lidar com a educação. Ou seja, Eles tinham como princípio a importância do outro em suas relações educacionais e no cotidiano. O outro era tão importante quanto a si próprio. Esse momento era algo belo, se tentarmos transformar em palavras, será algo impossível! Somente vivendo para saber o que era realmente esse instante. Eu vou tentar descrever esse sentimento. Talvez fosse isso. Eu tenho bons motivos para esquecer, o outro não. Eu tenho o direito de me enganar, o outro não. Eu tenho mil desculpas para ser egoísta, o outro não. Então vamos nos lembrar, que para o outro, nós somos outro. Uma vez que demonstramos isso, toda a experiência fica muito mais fácil, produtiva e significativa na educação para a paz.





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