OTIMISTA TRISTE
Camus fala da condição humana em cinco artigos

JOSÉ CASTELLO
ISTO É/1355-20/9/95

Aos 21 anos, o escritor francês nascido na Argélia, Albert Camus (1913-1960), perpetrou uma frase que se tomaria uma espécie de senha para todos aqueles que desejam ler sua obra. "Não desejo mais ser feliz, e sim apenas estar consciente", determinou ele. Albert Camus escreve, desde cedo, para pensar. E, para pensar, precisa das viagens - e do vazio que nelas estufa a alma do viajante. "Todo país onde não me entedio é um país que nada me ensina", escreve em Com a morte na alma, um dos cinco ensaios de O Avesso e o Direito (Record, 11O págs, R$ 12,90). O livro é, na verdade, a coleção de impressões dispersas de uma viagem que o escritor fez em 1937 pela Europa. Mais particularmente à Praga de Franz Kafka, outro que, como Camus, viveu de rosto fincado no absurdo. Só o tédio aniquila os pensamentos prontos, as certezas pesadas e inúteis, os comodismos intelectuais. Só ele - e a angústia que gera - pode transformar o pensamento em uma cadeia de perguntas. Camus escrevia para se perguntar e para desafiar os outros com suas questões inquietantes. Nos ensaios de O Avesso e o Direito, a memória se mistura para sempre com a reflexão. Lembrar é inventar, Camus nos indica. Lembrança e invenção formam o avesso e o direito do homem. Um homem sem memória é um homem sem passado. Mas um homem que não sabe fantasiar é um homem sem futuro. Daí a trança, suave, com que o escritor liga as duas faces do humano.

Nestes ensaios, já aparecem os primeiros traços do escritor polêmico, que se filiou ao Partido Comunista para logo após romper com ele, aproximou-se de Jean-Paul Sartre para depois negá-lo e que, intelectual intransigente, terminou se tomando um best-seller francês com o romance O Estrangeiro. Todo o Camus, de alguma forma, está presente em O Avesso e o Direito. O título da coletânea traz embutida a idéia de completude. A precariedade da condição humana, sua dubiedade, sua tessitura delicada são os temas centrais de Albert Camus. Não há nenhum impulso mórbido nesta escolha. Ao contrair tuberculose com 17 anos, o jovem Camus se defrontou com a transitoriedade, a fragilidade radical e o tédio inerentes à condição do doente. A situação o fez valorizar cada milímetro de vida. É preciso chegar à fronteira extrema para começar a viver. Chegar à borda do humano para, só então, olhar para trás e conferir o devido valor à humanidade, Camus foi um otimista triste. Ele é mais atual do que se pode julgar.

Fonte: Camus, Albert. Estado de Sitio; O estrangeiro.
São Paulo: em Abril as Cultural. ca 1979