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ALBERT CAMUS EM PORTUGUÊS PÁGINA DE DIVULGAÇÃO E ESTUDO DA OBRA DO ESCRITOR E FILÓSOFO ARGELINO ALBERT CAMUS

UMA ÉTICA DA REVOLTA

José Geraldo Couto

FOLHA DE SÃO PAULO

13 de dezembro de 1998

Quando Albert Camus publicou "O Homem Revoltado", em 1951, Francis Jeanson e Jean Paul Sartre desancaram o livro e seu autor nas páginas da revista francesa "Temps Modernes".

Os supostos "defeitos" do texto camusiano apontados por Jeanson (subjetivismo, maleabilidade do pensamento) e Sartre (incompetência filosófica, erudição duvidosa) são justamente os pontos de que parte Manuel da Costa Pinto para mostrar a filiação dos escritos não-ficcionais de Camus à linhagem do ensaísmo francês, de raiz montaigniana.

Mais que isso: "Albert Camus - Um Elogio do Ensaio" mostra como a natureza lábil e movediça do ensaio adequa-se à perfeição à disposição intelectual e ética de Camus, para quem a condição trágica do homem provém, por um lado, da contradição entre seu desejo de clareza e a opacidade do mundo e, por outro, do conflito entre sua vontade de permanecer e a consciência de sua finitude.

"Só sei que nada sei" era, segundo dizem, o moto de Sócrates. Se fosse possível reduzir a uma frase o pensamento de Camus, talvez ela fosse: "Só sei que não é possível saber". Pascal, três séculos antes, teria dito mais ou menos a mesma coisa, mas acrescentando: "E por isso creio cegamente".

Já Camus, se fosse acrescentar algo, provavelmente diria: "É por isso me volto". Da gênese do sentimento do absurdo à configuração de uma ética da revolta, o pensamento de Camus, como nos mostra Costa Pinto, é de uma coerência ímpar, que se manifesta tanto em suas obras de ficção como nos ensaios "filosóficos" e nos textos de crítica literária. Vista em conjunto, a obra de Camus é um pensamento em contínua construção, em que ficção e ensaio dialogam e se iluminam reciprocamente.

Os próprios romances camusianos são qualificados por Costa Pinto de "ficção "moraliste'", pelo "controle do escritor sobre o sentido de suas representações", visando à expressão de uma "certa concepção do homem". Mas estamos colocando o carro na frente dos bois. Antes de debruçar-se sobre a obra de Camus, o livro de Manuel da Costa Pinto trata de desenhar a gênese e os traços definidores do ensaísmo francês, distinguindo-o, por exemplo, do "familiar essay" inglês e da "prosa doutrinal" portuguesa.

Analisando a literatura de autores como Montaigne, Pascal, La Rochefoucault e Chamfort, Costa Pinto busca a estratégia de enunciação que os aproxima, para além da diversidade dos temas e estilos. O que há em comum entre esses autores tão diversos é, primeiro, uma postura essencialmente antidogmática, um ceticismo diante da possibilidade de "penetrarmos a identidade das coisas", um afastamento dos grandes sistemas explicativos da natureza e da vida.

Mas há também uma proximidade quanto à forma literária, argutamente sintetizada por Manuel da Costa Pinto: "Subjetividade como horizonte de representação, pensamento por imagens e, como consequência, oscilação constante entre reflexão e escrita ficcional".

Abandonada a pretensão a uma ontologia, o ensaísmo limita-se a uma observação da experiência humana fortemente marcada pelo ponto de vista do observador. Recorrendo à narratividade e à construção de imagens, recusando os conceitos abstratos, o ensaio se configura como um gênero em que "a produção de sentido e de referentes é homóloga ao processo de criação literária".

Não por acaso, o ensaio clássico francês, que tem origem em Montaigne, surgiu no ocaso do Renascimento e floresceu no século 17, numa espécie de interregno entre o domínio da escolástica medieval e o império da razão iluminista. Em outras palavras: no hiato entre as certezas da fé e as certezas da ciência.

Em lugar dos sistemas fechados de explicação do mundo, o ensaísmo introduz o pensamento em movimento, e sua própria forma literária reflete essa percepção do fragmentário e do transitório. É por essa vereda que Camus se aventura, na contracorrente das filosofias totalizantes, antecipando a operação de desmonte dos grandes edifícios teóricos que caracterizaria a melhor produção intelectual da segunda metade do século.

Escrito com elegância, clareza e um mal escondido talento iterário, "Albert Camus - Um Elogio do Ensaio", que surgiu da tese de mestrado em teoria literária de seu jovem autor, é um trabalho pleno de lucidez e paixão sobre uma das obras mais lúcidas e apaixonadas de nosso tempo.


A OBRA
Albert Camus - Um Elogio do Ensaio
Manuel da Costa Pinto
Ateliê. Editorial
199 págs.

Fonte: Camus, Albert. Estado de Sitio; O estrangeiro.
São Paulo: em Abril as Cultural. ca 1979









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