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FILOSOFIA DE “CARNE E OSSO” : O SENTIDO DA FILOSOFIA EM MIGUEL DE UNAMUNO NO SENTIMENTO TRÁGICO DA DA VIDA NOS HOMENS E NOS POVOS

Ryan Holke

É aluno do Curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia São Bento (São Paulo).
E-mail: ryanfkm@yahoo.com



Introdução

Na sua obra, Do Sentimento Trágico da Vida nos Homens e nos Povos, Miguel de Unamuno esboça uma filosofia que visa descrever a vida não como deve ser, mas como realmente é no seu sentido trágico. Talvez um dos pontos mais interessantes e originais é sua visão da própria função de filosofia – de onde ela deve partir e onde deve chegar. Unamuno rompe em grande parte com a tradição filosófica, sobretudo, o iluminismo da modernidade ao afirmar que:

“a filosofia é um produto humano de cada filósofo, e cada filósofo é um homem de carne e osso que se dirige a outros homens de carne e osso como ele. Faça o que fizer, filosofa, não apenas com a razão, mas com a vontade, com o sentimento, com a carne e com os ossos, com toda a alma e todo o corpo. Filosofa o homem.” (pág. 28 UNAMUNO)


Dessa forma, não é o “eu” que filosofa, mas é o homem que filosofa. Porém, cabe perguntar- para que filosofar?

“Costuma filosofar ou para resignar-se à vida, ou para encontrar nela alguma finalidade, ou para divertir-se e esquecer suas penas, ou por esporte e jogo.” (pág. 29 UNAMUNO)


Além disso, Unamuno reconhece que se filosofa para saber como se deve agir, ou melhor, para justificar o modo que já age. Em síntese, poderia se dizer que se filosofa para encontrar alguma finalidade da vida e a partir desta finalidade ou sentido profundo, encontrar uma conduta adequada. Neste trabalho, investigaremos a visão de Unamuno sobre a filosofia, seu próprio ponto de partida e sua resolução do problema prática da ação moral.


Por que Filosofar? Para quê Filosofar?

Em primeiro lugar, para responder à pergunta – “por quê filosofar?”, Unamuno pergunta antes, “por quê conhecer?”. Buscará a resposta fazendo uma leitura antropológica da gênese do conhecimento. O conhecimento surge num primeiro momento para suprir as exigências vitais, a saber, comer, beber, e se proteger do frio. Nas palavras de Unamuno, - “Conhecimento se nos apresenta ligado á necessidade de viver e de conseguir apoio para obtê-lo”(pág. 22 UNAMUNO). Assim, o conhecimento se expande em função das necessidades secundÁrias oriundas das primeiras, e assim, numa cadeia cada vez maior. Portanto, as necessidades da vida forçam a ciência a pôr-se a serviço delas. Podemos nesta visão afirmar com Unamuno que o conhecimento está em função da vida e que tudo que está ligado ao conhecimento, a começar pelos próprios órgãos sensitivos, estão também em função da vida. Além do mais, temos tão-somente aquilo que é necessário para nossa vida, fruto da ação do nosso instinto de conservação que ao longo do processo evolutivo foi nos moldando nos seres que agora somos. Nas palavras do autor:

o homem, em seu estado de indivíduo isolado, não vê, não ouve, não toca, não prova, nem cheira mais do que necessita para viver e conservar-se (...) é o instinto de conservação que nos faz a realidade e a verdade do mundo perceptível, pois é esse instinto que extrai e separa para nós, do campo insondável e ilimitado do possível, o que para nós existe. (pág. 24 UNAMUNO).

Ora, Unamuno afirma que além do mundo perceptível, também temos percepção de um outro mundo, o mundo ideal que não é produto do instinto de conservação, mas do instinto de perpetuação.

Há um mundo, o mundo sensível, que é filho da fome, e há outro mundo, o ideal, que é filho do amor. Assim como há sentidos a serviço do conhecimento do mundo sensível, também há sentidos a serviço do conhecimento do mundo sensível, também há sentidos a serviço do mundo ideal, hoje em sua maior parte adormecido. (pág 26 UNAMUNO)


O principal sentido do mundo ideal (análogo aos cinco sensitivos) é o que o autor chama de “sentido social” o que é por sua vez, “filho do amor, pai da linguagem, da razão e do mundo ideal que surge dele; não é outra coisa senão o que chamamos de imaginação” (pág 27 UNAMUNO). Através da imaginação, submetido justamente ao instinto de perpetuação, se chega à noção de imortalidade da alma e de Deus (aquele que faz com que tal anseio possa ser possível).

Sendo assim que o anseio para conhecer à imortalidade da alma e da existência de Deus brota do instinto de perpetuação, agora podemos perguntar: Para que filosofar?

Unamuno aceita a definição aristotélica de filosofia, a saber, buscar os primeiros princípios e os fins últimos das coisas. Porém, para que investigar tal coisa? Na realidade, “o filósofo filosofa para algo mais que filosofar”.(pág 29 UNAMUNO) A verdadeira questão não é por que, mas para que – não é uma questão de causa, mas de finalidade. Temos anseio de encontrar respostas às perguntas fundamentais.

“De onde venho e de onde vem o mundo em que vivo e do qual vivo? Aonde vou e aonde vai tudo o que me rodeia? Que significa isso?”. [Porém] Só nos interessa saber o porquê em vista do para quê: só queremos saber de onde viemos para melhor averiguar para onde vamos.” (pág. 31 UNAMUNO)


O “para que” da filosofia pode ser sintetizado em duas preocupações fundamentais: primeiro, encontrar a finalidade da vida; segundo,tendo encontrado o primeiro, saber como se deve levá-la.

O Ponto de Partida

Todo filósofo, ao começar erguer seu edifício teórico, busca um ponto fundamental sob o qual todo o resto possa ser fundamentado – um ponto de partida. Descartes busca começar a partir do “ego cogito”, o Husserl parte do fato que a mente possui a faculdade de poder conhecer as essências, o Kant parte da existência dos juízos sintéticos a priori e assim por diante. O que o Unamuno vai criticar em todos eles é que ao buscar um ponto de partida teórico, eles descuidam do ponto de partida prático, real, ou seja, aquilo que os levou a refletir em primeiro lugar. Afinal, como em Descartes, o ego não é real, pois não é o “eu” Descartes, o homem de carne e osso que pretendia “ganhar o céu”.(cf pág 34 UNAMUNO) Enfim, os filósofos tendem a negar ou esquecer o para que eles começaram a filosofar.

O que poderá então servir de base, um ponto de partida real? Unamuno recorda constantemente o princípio da Ética de Espinosa. - todo ser se esforça em se preservar indefinidamente em seu próprio ser. (pág. 22 UNAMUNO) Isto constitui para o autor, a ânsia de imortalidade que todo homem tem, e isso deve servir como o verdadeiro ponto de partida. Por conseqüência, põe-se uma pergunta fundamental: Morrerei definitivamente ou não? A esta questão, existe apenas três possibilidades:

“Sei que morro de todo, donde o desespero irremediável; sei que não morro de todo, donde a resignação; não posso saber nenhuma coisa nem outra donde uma resignação desesperada ou desespero resignado, e a luta.” (pág. 32 UNAMUNO)


Unamuno opta pela terceira opção, o que faz com que tenha que assumir um estado de “desespero resignado”. Ora, lembrando que a filosofia tem um fim prático, cabe agora perguntar – mas que tipo de ação é possível a partir de tal posição?


A Resolução do Problema Prático

Antes de tudo, Unamuno afirma categoricamente que tal tarefa, de construir uma moral a partir da incerteza é possível, e mais ainda, necessário.

“É o próprio conflito, é a própria incerteza apaixonada que unifica minha ação, me faz viver e agir...A incerteza, dúvida, perpetuo combate contra o mistério do nosso destino final, o desespero e a falta de um fundamento dogmático sólido e estável podem ser base da moral. (pág. 250 UNAMUNO)


A moral que resulte dessa incerteza pode ser exprimido em duas máximas, a saber,

“[primeiro] age de maneira que mereças, a teu próprio juízo e a juízo dos demais, a eternidade; que te faças insubstituível, que não mereças morrer. Ou talvez assim: [segundo] age como se fosses morrer amanhã, mas para sobreviver e eternizar-te.” (pág 252 Unamuno)

Em suma, a finalidade da vida e a conduta moral acabam sendo idênticos; a finalidade é eternizar-se, e a forma que deve viver é viver de modo que possa eternizar-se. Ora, o que o autor traz de radicalmente diferente da tradição filosófica é que isso não é uma certeza. Com efeito, em nenhum lugar Unamuno afirma que tal “eternizar-se” seja possível. Antes, é uma aposta, talvez a única resposta viável à questão fundamental da morte.

É possível que o rompimento mais forte que o Unamuno realiza está na substituição de um ponto de partida teórico por um ponto de partida prática, real. Ao realizar a mesma, o papel da razão se torna secundário e é o sentimento que se torna a base fundamental. Toda a tradição filosófica busca segurança e validade no raciocínio correto, e por conseqüente, empreende a busca vigorosa para um ponto de partida teórica inabalável, algo “apodítico”, que não possa ser duvidado. Unamuno rejeita essa forma de fazer filosofia, pois afinal, o homem não é só razão, e nas suas próprias palavras, “filosofa o homem” (pág. 28 UNAMUNO). A razão por si, acaba sendo inadequado para uma vida completa, e, sobretudo para uma existência que busca se eternizar. Unamuno formula sua pergunto ao modo socrático: pode a virtude ser ensinado? No fundo, não pode, pois a virtude não parte da razão, mas sim, do sentimento.

“Talvez a razão nos ensine certas virtudes burguesas, mas não faz heróis, nem santos, porque santo é o que faz o bem, não pelo próprio bem, mas por Deus, pela eternização.” (pág 280 UNAMUNO)


É justamente nesta oposição do racional e do sentimental que o Unamuno encontra o que ele chama de “o sentimento trágico da vida”. Embora antes dissera que o conhecimento está em função da vida na sua gênese, aquele não se confunde com essa. Ele afirma:

“Viver é uma coisa e conhecer outra: e, como veremos, talvez haja entre ambas tal oposição, que não possamos dizer que tudo o que é vital é anti-racional, e não só irracional, e tudo o que é racional, antivital. Esta é o sentimento trágico da vida.” (UNAMUNO 33)


A Lição de Don Quixote de la Mancha.

Unamuno reconhece que sua grande inspiração é o Dom Quixote, que encarna de forma plena o sentimento trágico da vida. O que podemos perceber em Unamuno é que o anseio para “continuar existindo tal como é’’(o princípio de Espinosa), a ânsia da imortalidade, não é apenas um anseio de perpetuar uma mediocridade existencial, mas é um sonho de glória. Assim diante do mundo que diz que tudo perece, Unamuno exorta que sejamos como Quixote, sonhadores, aspiradores à glória. Talvez seja por isso que a razão é tão antivital; é a razão que nos diz que na verdade, não são gigantes, mas sim moinhos de vento. É a razão que nos condena ao mundo sensível, que nos faz desistir do sonho irracional de eternizar-se. Se sucumbirmos à razão, saímos da dinâmica de luta, do sentimento trágico da vida. Afinal, que garante categoricamente uma coisa ou outro? Para Unamuno, não existe tal garantia, e portanto, a única forma de vida digna de sê-lo é o sentimento trágico da vida – o estado de luta.

“Por que Dom Quixote combateu? Por Dulcinéia, pela glória, para viver, para sobreviver. Não foi por Iseu, que é a carne eterna; não por Beatriz que é a teologia; não por Margarida que é o povo; não por Helena, que é a cultura. Combateu por Dulcineia, e teve êxito, pois vive.” ( UNAMUNO. pág 308)





Referências bibliográficas

UNAMUNO, Miguel de. Do Sentimento Trágico da Vida nos Homens e nos Povos. Trad. Eduardo Brandão. Ed. Martins Fontes, São Paulo 1996.






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