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ANÁLISE DO SENTIMENTO DE ANGÚSTIA DO II CAPÍTULO DO LIVRO SENTIMENTO TRÁGICO DA VIDA NOS HOMENS E NOS POVOS DE MIGUEL DE UNAMUNO

Luciana Rodrigues da Silva

É aluna do Curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia São Bento (São Paulo). Nascida em 11 de agosto de 1984, em Brasília de Minas-Minas Gerais. Há dois anos pertence a Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo-Scalabrinianas.



“Nem o anseio de imortalidade humana encontra confirmação racional, nem a razão nos proporciona estímulo, consolo de vida e verdadeira finalidade a esta”.(Unamuno)

Introdução

Este trabalho tem com fins aprofundar o II capítulo “O ponto de partida”, do livro O sentimento trágico da vida nos homens e nos povos do filósofo espanhol, Miguel de Unamuno. Este ensaio filosófico que aborda o sentido da existência humana, ou mais precisamente, a angústia que todos os seres humanos, uns mais outros menos, sentem perante a própria vida ou do fato da morte, aliviada ou não pela adoção de uma religião.


O sentimento de angustia e a fome de imortalidade

“E só bebendo até o cálice da dor espiritual pode-se chegar degustar o mel da borra da taça da vida. A Angustia nos leva ao consolo” (Miguel de Unamuno. O sentimento trágico da vida. P.55).

Veremos neste estudo intitulado o ponto de partida, como Unamuno expõe a angustia humana de desejar a imortalidade da vida presente mesmo sabendo que não pode desejá-la, e a angustia de se acreditando na imortalidade da alma, como fazer para alcançar esta imortalidade, e se mesmo não crendo na imortalidade da alma, o espírito se inquieta e angustia, pois não quer deixar de ser no tempo.

O sentimento de angustia é um fenômeno psíquico dominante na vida dos seres humanos e que acompanha destes tempos imemoráveis e desenvoltos como nuances peculiares em cada época.[1]

Platão a quem Unamuno no princípio do capítulo terceiro, chama de divino, diz sobre a imortalidade da alma só poderá se fazer mitologein, ou seja, discurso em forma de mito; mito não com o sentido vazio sem razão, mas um discurso da especulação filosófica.

O sentimento de angustia já se manifestava entre os gregos, em sua crença no sofrimento diante do destino, sobretudo do destino trágico. Édipo Rei, de Sófocles, do século 5º antes de Cristo é o ideal do antigo homem grego que procurava incansável as respostas das perguntas que lhe atormentavam a alma, por mais calamitosas que elas lhe resultassem. Sua maior qualidade tornou-se também seu maior defeito: seu espírito investigativo que o leva ao esclarecimento de todos os mistérios. Mas o que deveria ser bom, o conhecimento total das respostas, torna-se maligno. A verdade revelada é em tão alto grau terrível que mata sua mãe-esposa Jocasta; faz com que o protagonista fure os próprios olhos, cegando também seu orgulho humano; e, por fim, amaldiçoa o destino futuro de seus filhos.


Imortalidade e religião

Neste capítulo há uma analise antropológica que Unamuno faz do paralelismo religião e imortalidade. Nos primórdios da humanidade o homem não conseguiu imaginar nada além daquilo que estava em seu campo de visão; demorou milênios até que o ser humano passe a refletir sobre a morte e a pós-morte. Foi com o início do culto às divindades em outro lugar que não o seu habitat. É preciso, portanto, não só cultuar esses deuses, mas é preciso cultuar aqueles que vão morar com estes deuses, estes desfrutam de sua eternidade, surge o culto aos antepassados. É preciso dá-lhes suntuosas moradas e não mais abandoná-los ao relento ou em simples buracos; é preciso oferecer-lhes oferendas em forma de alimentos. Não é o culto aos mortos é um culto à eternidade, independente se na crença religiosa aquele que morreu voltará ou não a uma existência terrena. Para Unamuno é o culto à morte, ou melhor, dizendo é o culto aos antepassados que inicia a religião.

O que é ser imortal, e o porquê dessa fome de imortalidade? O que leva o homem a esse desejo? Como ser imortal? São essas as perguntas que Unamuno coloca no percurso de sua obra.

“O universo é filho do destino de conservação, me é estreito, como uma jaula pequena para mim e contra cujas barras minha alma bate em seus vôos; falta-me no ar o que respirar. Mais que, cada vez mais, quero ser eu e, sem deixar de sê-lo, ser ademais os outros, adentrar a totalidade das coisas visíveis e invisíveis estender-me ao ilimitado do espaço e prolongar-me ao inacabável do tempo”. [2]

Este desejo de Unamuno que podemos considerar uma bela e precisa definição do desejo de ser imortal, eu quero ser sempre, ser outro ser sem deixar de ser eu mesmo; quero me libertar da prisão da imanência, pois é na transcendência que serei absoluto, estarei livre das angustias das contingências temporais.

No início do capítulo II, Unamuno recorre ao mito da criação no livro do Gênesis: quando a serpente fala a mulher, porque não comeis o fruto da árvore que está no meio do jardim, a resposta dela é: se comermos do fruto da árvore morreremos, ao o que a serpente contra-argumenta, não, não morrereis se comerdes deste fruto, se o comerdes sereis deuses. Analisando esta citação vemos que: a mulher sabe que como criatura criada por Deus a sua imagem e semelhança, desfruta de sua graça absoluta, ou seja: uma eternidade desprovida de angustias com o futuro contingente; ela sabe se comer do fruto desta árvore perderá esta benevolência, morrerá, não será mais eterna. E a serpente ataca novamente, não morrereis, mas, serão deuses, o sereis eternos e sereis vós os vossos deuses, tereis a liberdade de escolher entre o bem e o mal. E aqui podemos trazer presente a citação de Sartre “O homem é um ser condenado a ser livre” .

Uma das respostas que melhor define as tensões da vida cristã é a daquele pai cujo filho era possuído por um espírito maligno, que o impedia de falar, atirava-o ao chão e o oprimia a ponto de levá-lo a ranger os dentes, espumar a boca e enrijecer todo o corpo. O episódio está narrado no Novo Testamento.

“O pai havia solicitado aos discípulos de Jesus, que expulsassem o espírito do filho, mas eles não conseguiram. O Mestre, ouvindo o relato deste pai aflito, pede para que tragam o menino até ele. Quando chegaram perto de Jesus, o espírito maligno provocou uma convulsão no garoto e o jogou ao chão. O pai, vendo aquela cena, completou seu relato dizendo que aquilo acontecia desde a infância do filho, e que muitas vezes este espírito tentou inclusive matá-lo. Diante do quadro dramático, o pai fez seu apelo a Cristo: “Se podes fazer alguma coisa, tem compaixão de nós e ajuda-nos”. “Se podes?”, reagiu Jesus à pergunta, fazendo uma séria afirmação: “Tudo é possível àquele que crê”. Diante da afirmação de Jesus, o pai do garoto dá então, a seguinte resposta: “Creio, ajuda-me a vencer a minha incredulidade”. [3]

Esta resposta corajosa daquele homem revela uma tensão constante da experiência da fé. A vida da fé envolve tensões e angústias. Miguel de Unamuno disse: “Aqueles que acreditam que crêem em Deus, mas sem paixão em seus corações, sem angústia mental, sem incertezas, sem dúvidas, e às vezes até mesmo sem desespero, crêem apenas na idéia de Deus, mas não no próprio Deus” .

Diz Unamuno: não quero morrer, não quero querer morrer, quero viver sempre, sempre viver e por isso me tortura o problema da duração da minha alma. Como não querer morrer? Heidegger diz que: o homem é um ser para a morte; somos os únicos que temos a certeza do fim de nossa existência mortal, queremos ser imortais, sabemos, porém, que é impossível sê-lo através de uma existência imanente.


Fé e razão

No pensamento de Kierkergaard Abraão é o exemplo vivo do herói absoluto. Sem saber porque, Abraão oferece a Deus o sacrifício de seu filho Isaac. Mas, este absurdo é revelador de Deus. Com efeito, no momento exato em que se daria o sacrifício, um anjo aparece a Isaac sustentando a sua ação. Deus reconheceu a fidelidade e o amor de Abraão para com Ele, pois, na sua prova, seria capaz de sacrificar o seu filho bem amado Isaac.

“A fé é um milagre, entretanto ninguém está excluído dela, pois é na paixão que toda existência humana acha a sua unidade, e a fé é uma paixão” .[4]

É preciso lembrar, portanto, que a revelação de Deus não vem tranqüilizar ou consolar o homem. Ela instaura o sentimento da angústia existencial. O homem existente se prova na inquietação e na angústia existencial. O homem existente se prova na inquietação e na angústia como no exemplo de Abraão. Por isso é que Kierkegaard define esta angústia como “síncope da liberdade”. Assim, liberdade e angústia se unem na existência. O homem é livre, em sua vida, para optar e escolher. No entanto, não há opção sem angústia. Ao escolher deixo de lado outras coisas sem ter certeza de que a escolha foi a melhor ou será bem sucedida. Quando escolho sou eu quem escolho, pois toda opção é feita em função de uma opção interior, pela qual eu jugo que irei me realizar. No entanto, a escolha é um “salto no escuro”. Não posso ter certeza à priori de que a escolha é boa. Mas, esta escolha não é feita arbitrariamente. Ela deve ser motivada pela busca da verdade.

Mas o que é essa verdade? Para kierkegaard, não se trata de uma verdade abstrata ou formal. É uma verdade vital, verdade para mim, verdade pela qual eu quero viver e morrer. Neste sentido é que se diz que a verdade é vivida antes de ser objeto do juízo lógico. Esta verdade é expressão do modo de existir autêntico que só a vida cristã, diz Kierkegaard, é capaz de compreender, com tudo o que ela implica de angústia e dilaceração.

A porta de acesso à condição humana é a experiência da angústia, nisto concordam todos os existencialistas. O que é? Sob o ponto de vista subjetivo, a angustia é uma experiência extremamente intensa com um anota emocional absolutamente peculiar. Nela misturam-se admiração espanto, terror, exaltação, náusea e sublimidade. O caso de Abraão, por exemplo, demonstra espanto e sublimidade.

Analisando uma outra obra de Miguel de Unamuno, São Manuel Bueno, Mártir, adentramos nesta inequívoca fonte de angustia existencial, o que fazer para ser lembrado? Dom Manuel o protagonista desta novela, em sua descrença na imortalidade da alma não o provou da imortalidade, se sua alma não será eterna, será a sua lembrança. Sem saber ou intencionalmente.

“Um santo exercício tinha sido introduzido por ele no culto popular; reunia o povo na igreja, homens e mulheres, velhos e crianças, umas mil pessoas, e todas, em uníssono, rezávamos o Credo Creio em Deus Pai, Todo-poderoso, Criador do céu e da terra...”E daí até o fim. (...) Ao chegar no “creio na ressurreição da carne e na vida eterna”, a voz dele ia sumindo, ia mergulhando na voz do povo, como num lago, até calar-se”. [6]

Dom Manuel esconde sua falta de fé. E o faz em nome do seu amor àquelas pessoas que nele crêem e que crêem em Deus, na Virgem Maria etc. Não quer envolver em sua angústia pessoas simples cujo sentido para a vida está em esperar a recompensa do Céu. Unamuno constrói um personagem que mente ou engana os outros por considerar um dever de consciência mantê-los fiéis à Igreja, às suas devoções, à sua esperança na vida eterna. Dom Manuel acredita que o povo precisa do fervor religioso para vencer o tédio da vida. Cultivou sua eternidade a cada momento de sua vida, em cada atividade sua, na assistência aos doentes, aos pobres, etc. Não desejava a imortalidade, não desejava desejá-la, mas a teve. Terá a imortalidade dos santos, daqueles que serão lembrados, sempre todos os anos em suas festas, sempre todos os dias por seus devotos.


Conclusão

Em síntese, a angústia é desespero. E o homem só sai do desespero quando se orientado para si próprio, querendo ser ele próprio, o eu mergulha, através se sua própria transparência, até o poder que o criou Deus não pode numa realidade transcendente, mas em mim. Somos mais íntimos de Deus do que de nós mesmos.

“Esse sentimento – observe-se bem, porque nisso reside todo o seu caráter trágico e o sentimento trágico da vida – é um sentimento de fome de Deus, de carência de Deus. Crer em Deus é, em primeira instância, querer que haja Deus, não poder viver sem Ele. Enquanto peregrinei pelos campos da razão em busca de Deus, não O pude encontrar, porque a idéia de Deus não me enganava, nem pude tomar por Deus uma idéia. [...] Mas ao ir afundando no ceticismo racional, de um lado, e no desespero sentimental, de outro, abrasou-me a fome de Deus e a sufocação do espírito me fez sentir, com sua falta, sua realidade. Quis que houvesse Deus, que existisse Deus. E Deus não existe, mas antes sobre-existe, e está sustentando nossa existência existindo-nos”.




Referências bibliográficas

UNAMUNO, Miguel de. Do Sentimento Trágico da Vida nos homens e nos Povos . Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

UNAMUNO, Miguel de. São Manuel Bueno, Mártir . Tradução de Sérgio Faraco. São Paulo: L & PM Editores, 1999.

Bíblia de Jerusalém . São Paulo: Paulus, 2002




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NOTAS

[1] Os livros sagrados das várias religiões sempre se referem a angustia do homem, advinha, quase sempre, do temor que o homem tem do Criador, ou por seu próprio sentimento de culpa. (Gn 4, 9-16)
[2]UNAMUNO, Miguel. Do sentimento trágico da vida nos homens e nos Povos. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Edição Martins Fontes, 1996, p. 38.
[3]Bíblia Sagrada. Brasília. Edições: Pastoral, Paulus. 1991. Marcos 9: 14-29.
[4]KIERKEGAARD, Soren. Temor e Tremor. Prefácio e tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo Ed. Exposição do Livro, 1964, p.47.
[5]Ibidem, p.61.
[6]UNAMUNO, Miguel. São Manuel Bueno, Mártir. Porto Alegre: Ed: L&PM Pocket, 1999, p.16.




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