“Não basta pensar,
é preciso sentir nosso destino”
"A filosofia é uma reação ao mistério da realidade,
concretamente ao da vida humana
e seu destino"
"O mais trágico problema da filosofia
é o de conciliar as necessidades intelectuais
com as necessidades afetivas e volitivas.
Pois aí fracassa toda filosofia que pretende desfazer
a eterna e trágica contradição,
base da nossa existência"
(Unamuno)
Introdução
Augusto, personagem central do romance Névoa[1] de Miguel de Unamuno, exclama várias vezes no capítulo XXXI desse Romance: Eu quero viver, viver, viver...! Esse clamor por vida é, possivelmente, a frase que sintetiza de um modo mais claro o pensamento religioso de Unamuno: querer viver, e, se possível, viver para sempre. Unamuno chama a este sentimento de “fome de imortalidade” , “sede de eternidade” ou, simplesmente, “não querer morrer” . Unamuno afirma que este sentimento é o mais profundo e constante nos seres humanos.
O presente artigo abordará o pensamento de Miguel de Unamuno sobre este tema. Pensamento que sempre esteve em vivaz diálogo com o teologia cristã.
Quem foi Miguel de Unamuno?
Miguel de Unamuno y Jugo[2] nasceu em Bilbao, em Euskadia (País Vasco), em 29 de setembro de 1864. Estudou no Instituto Vizcaino de Bilbao, e ingressou na Universidade de Madri em 1880 onde se doutorou em 1884 em filosofia e letras. Tornando-se, em 1890, catedrático de língua e literatura grega da Universidade de Salamanca, da qual foi nomeado reitor em 1900 e demitido em 1914. Em 1920 foi nomeado decano da Universidade e em 1921 obtém a vice-reitoria. Em 1924 é destituído da cátedra, do decanato, e da vice-reitoria e foi enviado para o exílio na ilha de Fuenteventura. Logo e indultado e se exila voluntariamente em Paris. Em 1931 volta para a Espanha e é reconduzido ao cargo de reitor da Universidade. Aposenta-se em 1934, mas continua com o cargo de reitor, agora nomeado “Reitor Vitalício” . Em 1936 é novamente destituído da Reitoria da Universidade, e é reconduzido no mesmo ano. Finalmente Franco o destituí por última vez e o condena ao arresto domiciliar. Morre em Salamanca em dezembro desse mesmo ano (1936).
Unamuno é considerado hoje um dos pensadores espanhóis de maior relevância da história da Espanha. Como filosofo é o principal representante do existencialismo filosófico e literário espanhol. Unamuno tem uma importante obra como poeta, romancista, autor teatral, ensaísta, crítico literário e filósofo. Entre suas obras de maior importância podem ser consideradas as seguintes: Ao redor do casticismo (1895), Vida de Dom Quixote e Sancho (1905), Do sentimento trágico da vida (1913) e A agonia do cristianismo (1925), Paz na Guerra (1897), Névoa (1914), A tia Tula (1921), São Manuel Bueno, mártir[3] (1933), O Cristo de Velázquez (1920). Unamuno pertenceu geração de 98, que foi um importante movimento cultural da Espanha.
O alicerce sobre o qual Unamuno constrói seu pensamento é a afirmação de que não há filosofia sem um ser humano que filosofe. Para Miguel de Unamuno a filosofia é um produto humano de cada filósofo, e cada filósofo é um homem de carne e osso que se dirige a outros homens de carne e ossos como ele. Por este motivo Unamuno afirma que faça o que fizer, o filosofo filosofa, não apenas com a razão, mas com a vontade, com o sentimento, com a carne e com os ossos, com toda a alma e todo o corpo. Assim, Unamuno conclui que quem Filosofa é o homem.
Unamuno chama este homem que filosofa de “homem concreto de carne e osso” e afirma que ele é o sujeito e, ao mesmo tempo, o supremo objeto de toda filosofia.
Unamuno evoca o velho adágio latino Primimum vivere, deinde philosophari, (primeiro viver, depois filosofar) para lembrar a seus leitores que o filósofo antes de ser filósofo é homem e necessita viver para poder filosofar. E que também filosofa para viver. Por isso Unamuno afirma que no ponto de partida, no verdadeiro ponto de partida, o prático, não o teórico, de toda filosofia, há um para quê. Unamuno está convencido que o filósofo filosofa para algo mais que filosofar.
E é entre a vida e o pensamento, entre a existência e a filosofia, no humano que oscila entre a racionalidade e a irracionalidade, que Unamuno localiza a “fome de imortalidade”, a sede de eternidade e o desejo de querer viver sempre. Em outras palavras: a procura pela certeza da imortalidade.
A fome de imortalidade
Para Unamuno a fome de imortalidade nasce da constatação de que não podemos conceber-nos como não existindo. E a partir disso surge o anseio humano pela imortalidade, pela eternidade, que não é outra coisa que o amor entre os homens, pois quem ama a outrem é porque quer se eternizar nele. Para unamuno o que não é eterno também não é real. Frente à vaidade do mundo ele contrapõe o amor. Assim a vaidade e o amor são duas notas radicais e profundas da verdadeira poesia. Unamuno acrescenta que uma não pode soar sem que a outra ressoe ao mesmo tempo. Por isto, segundo Unamuno, o amor é causado pelo sentimento da vaidade do mundo passageiro. Sendo no amor o único lugar em que se pode vencer o vão e o transitório. O amor é o único que preenche e eterniza a vida. O amor é o único que pode lutar contra o destino. O único que pode vencer o destino. E uma vez vencido o destino, afirma Unamuno, abrem-se as portas da liberdade.
A sede de eternidade se revolta contra o sentimento de que tudo passa e nada fica. A sede de eternidade, para Unamuno, é querer ser, ser sempre, ser sem fim. É sede de ser, de ser mais. É fome de Deus, sede de amor eternizante, sede de amor eterno, sede de ser sempre, sede de ser Deus. E unamuno cita as escrituras “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens”.
A fome de imortalidade, para Unamuno, nasce do o amor à vida, da ânsia suprema de vida, de mais vida, de prolongar e perpetuar a vida. Unamuno afirma que nosso anseio de sermos imortais não é racional. Por este motivo as razões nada podem contra ele porque as razões não são nada mais que razões, e não é delas que se nutre o coração! O coração, afirma Unamuno, se alimenta muito mais do “querer” que da “razão”. Assim Unamuno escreve:
“Não quero morrer, não; não quero, nem quero querê-lo; quero viver sempre, sempre, sempre, e viver eu, este pobre eu que sou e me sinto ser agora e aqui. Por isso, tortura-me o problema da duração de minha alma, da minha própria alma”. [Unamuno, 1996, p. 44]
Frente a este sentimento Unamuno grita:
“Eu sou o centro do meu universo, o centro do universo, e em minhas angústias supremas grito com Michelet: "Meu eu, estão arrebatando meu eu!" De que serve ao homem ganhar o mundo todo, se perde sua alma? (Mat. l6, 26).” [Unamuno, 1996, p. 44 ]
Logo Unamuno se pergunta se esse sentimento é fruto do egoísmo individualista. Responde que não há nada mais universal do que o individual, pois o que é de cada um é de todos. Para ele cada homem vale mais do que a humanidade inteira e não adianta sacrificar cada um a todos, a não ser na medida em que todos se sacrifiquem a cada um. Para Unamuno o egoísmo é o princípio da gravidade psíquica, o postulado necessário. Por isso, comentando o texto do evangelho "Ama a teu próximo como a ti mes¬mo!" , afirma que este texto pressupõe que cada um se ame a si mesmo, pois não foi dito: "Ama-te!" .
Porém, a fome de eternidade se manifesta também no presente (pois só temos o presente), isto é, no tempo presente. Unamuno filosofa e poetiza:
Oh, se alguém pudesse prolongar esse doce momen¬to, dormir nele e nele se eternizar! Agora e aqui, nesta luz discreta e difusa, neste remanso de quietude, quando está aplacada a tormenta do coração e não chegam a mim os ecos do mundo! Dorme o desejo insaciável e nem mesmo sonha; o hábito, o santo habito reina ern minha eternida¬de; morreram com as recordações os desenganos, e com as esperanças, os temores! [Unamuno, 1996. p. 45]
Mas não se trata que a matéria seja eterna. Isto está garantido pois, como afirmam os cientistas, nada se perde, tudo se transforma, muda e se altera. Porém para Unamuno não é suficiente saber que não se aniquila o menor pedacinho de matéria. Não, não se trata da eternidade da materia, diz ele, pois a matéria é eterna. Mas querer-se consolar com a imortalidade da matéria é, para Unamuno, um pobre consolo. Pois ele não está preocupado com a sua matéria, nem com a sua força, pois nem a matéria nem a força são dele enquanto ele mesmo não for dele, isto é, eterno. Unamuno segue aqui o pensamento grego que afirmou sempre a eternidade da matéria, porém não da forma ou nem da alma. Unamuno procura a imortalidade do eu. Por isso se estremece com a idéia de um dia ter que separar-se da sua carne ou de ter que separar-se de todo o sensível e material, de toda substância. Frente a estes estremecimentos, afirma Unamuno, somente fica se agarrar a Deus:
... se a Deus me agarro com todas as minhas forças e todos os meus sentidos, é para que Ele me leve em seus braços além da morte, fitando-me nos olhos com seu céu, quando eles se me apagarem para sempre... E engano-me? Não me falem de engano e deixem-me viver! [Unamuno, 1996. p. 46]
E é nesse desejo de imortalidade que se mistura o orgulho de querer ser imortal com os sonhos (“Eu sonho...? Deixem-me sonhar. Se esse sonho é minha vida, não me despertem” [Unamuno, 1996. p. 47])
E frente a hipotética pergunta que poderia lhe fazer um leitor "quem é você?" – Unamuno diz lembrando as palavras de Obermann: "Para o universo, nada; para mim, tudo!"
Unamuno acredita na origem imortal do anseio de imortalidade, que é a própria substância da sua alma. E não aceita que se lhe pergunte "Para que queres ser imortal?", pois a própria pergunta seria incompreensível, porque seria perguntar a razão da razão, o fim do fim, o princípio do princípio. Coisas das quais nem sequer é possível falar.
Unamuno continua falando sobre a relação fé e razão:
Não me submeto à razão, revolto-me contra ela e aspiro a criar, à força de fé, meu Deus imortalizador e a modificar, com minha vontade, o curso dos astros, porque, se tivéssemos fé como um grão de mostarda, continua Unamuno, diríamos ao monte: “Passa daqui para acolá", ele passaria e nada nos seria impossí¬vel (Mat, 17, 20). [Unamuno, 1996, p. 46]
SOU UM ESPÍRITO EM MOVIMENTO
Mas Unamuno reconhece que a fé, a vida e a razão se necessitam mutuamente. E que o anseio vital não pode adquirir estado lógico, pois não pode formular-se em proposições racionalmente discutíveis, mas se coloca a nós, como a nós se coloca a fome. Por isso Unamuno não quere celebrar a paz entre seu coração e a sua cabeça, entre sua fé e a sua razão; quere que combatam entre si, pois não é necessidade racional, mas angústia vital o que nos leva a crer em Deus.
Minha filosofia faz caco as supostas provas todas da existência de Deus, mostrando-me que Deus é irracional, que o que não se explica sem ele também não com ele se explica, mas depois meu coração me lhe releva e o afirmo. (...) A filosofia é uma matemática, a religião uma intuição. Sobre isto e desenvolvendo este ponto de vista projeto escrever um livro titulado ou bem Ciência e religião ou bem Razão e fé. Nele assentarei a contradição íntima e irredutível como princípio fecundo de vida espiritual. Não quero procurar minha paz interior em harmonias, concordâncias e compromissos que levam à estabilidade inerte, não quero que assinem paz meu coração e minha cabeça senão que lutem entre si, lealmente mas com vigor. (..) Minha vida toda se move por um princípio de íntima contradição. Atrai-me a luta e sento ânsias de quietude e paz; estudo de ciências e caio em poeta; sou cristão anti-pagão de coração e explico clássicos gregos. De aqui que possa dizer que sou um espírito em movimento”.
Assim, fé e razão se enfrentam. Para Unamuno a saída para esse impasse é o ceticismo, pois nada é seguro e tudo está no ar. Vejamos como Unamuno argumenta. Ele diz que a vida, que se defende, procura o ponto fraco da razão, e o encontra no ceticismo, agarra-se a ele e trata de salvar-se assim agarrada. Então, afirma Unamuno, a vida necessita da fraqueza da razão, a sua adversária. Unamuno, cita e faz suas, as palavras de Lamennais:
“Como! iremos submergir, perdida toda esperança e às cegas, nas mudas profundezas de um ceticismo universal? Duvidaremos que pensamos, que sentimos, que somos? A natureza não deixa: somos obrigados a crer até mesmo quando nossa razão não está convencida. A certeza absoluta e a dúvida absoluta nos estão igualmente proibidas. Flutuamos num meio vago entre esses dois extremos, como entre o ser e o nada porque o ceticismo completo seria a extinção da inteligência e a morte total do homem. Mas não lhe é dado aniquilar-se. Há nele algo que resiste invencívelmente à destruição, não sei que fé vital, indomável até para sua própria vontade. Queira-o ou não, tem de se conservar. Sua razão se não ouvisse mais que ela, ensinando-o a duvidar de tudo e de si mesma, reduzi-lo-ia a um estado de inação absoluta; pereceria antes mesmo de ter podido provar a si mesmo que existe. [Unamuno, 1996, p. 114]
Mas não se trata de um ceticismo absoluto, mas de ceticismo vital. Unamuno diz:
Não é a rigor, que a razão nos leve ao ceticismo absoluto, não! A razão não me leva, nem me pode levar a duvidar de que eu exista; ela me leva é ao ceticismo vital, melhor ainda, à negação vital; já não a duvidar, mas a negar que a minha consciência sobreviva à minha morte. O ceticismo vital vem do choque entre a razão e o desejo. E desse choque – afirma Unamuno – desse abraço entre o desespero e o ceticismo, nasce a santa, a doce, a salvadora incerteza, nosso supremo consolo. [Unamuno, 1996, p. 114]
Para Miguel de Unamuno tanto a certeza absoluta que a morte é uma completa, definitiva e irrevogável aniquilação da consciência pessoal, como a certeza absoluta, completa, que nossa consciência pessoal se prolonga além da morte, tornam igualmente vida impossível. Pois, num esconderijo, no mais recôndito do espírito, talvez sem o saber, aquele que crê estar convencido de que, com a morte, acaba para sempre sua consciência pessoal e sua memória, nesse esconderijo resta-lhe uma sombra, uma vaga sombra de incerteza.
Assi, enquanto ele se diz:
“Eia! vamos viver esta vida passageira, que outra não há!”, o silêncio daquele esconderijo lhe diz: “Quem sabe! Talvez creia não ouvir, mas ouve. E também num canto da alma do crente que guarde mais fé na vida futura há uma voz velada, uma voz de incerteza, que cochicha ao ouvido espiritual: “Quem sabe” essas vozes são, talvez, como o zumbido de um mosquito quando o vendaval brama entre as árvores do bosque: não nos damos conta desse zumbido, mas, junto com o fragor da tormenta, ele nos chega ao ouvido. Como poderíamos viver, senão, sem essa incerteza?” [Unamuno, 1996, p. 115]
Então a solução está no “e se houver?” e no “e se não houver?” . Estas duas frases são as bases de nossa vida íntima. Para Unamuno é difícil pensar alguém nunca, nem no mais fugaz pestanejar, nem nas horas de maior solidão e tribulação, se lhes aflorou à consciência esse rumor da incerteza. Unamuno não compreende os homens que dizem que nunca lhes atormentou a perspectiva do além da morte, nem que sua própria aniquilação os inquiete. Viver, conhecer, querer viver e querer conhecer, são os elementos trazidos por Unamuno, para a reflexão filosófica . Vejamos:
“Mas será que podemos conter esse instinto que leva o homem a querer conhecer e, sobretudo, a querer conhecer o que leva a viver, e a viver sempre? A viver sempre, não a conhecer sempre. Porque viver é uma coisa e conhecer outra e, talvez haja entre ambas tal oposição, que não possamos dizer que tudo o que é vital é anti-racional, e não só irracional, e tudo o que é racional, antivital. Esta e a base do sentimento trágico da vida.” [Unamuno, 1996, p. 33]
Poesia, filosofia e eternidade
Parte importante do pensamento de Unamuno foi colocado em forma de poesia. E tempo e eternidade foram temas freqüentes em seus poemas. Assim, podemos concluir com um poema que é bastante representativo do pensamento de Unamuno sobre o tema central deste artigo. Primeiro no original espanhol e logo na tradução para o português.
Con recuerdos de esperanzas
y esperanzas de recuerdos
vamos matando a vida
y dando vida al eterno
descuido que del cuidado
del morir nos olvidemos.
Fue ya otra vez el futuro,
será el pasado de nuevo,
mañana y ayer mejidos
en el hoy se quedan muertos.
Me he despertado soñando,
soñé que estaba despierto,
soñé que el sueño era vida,
soñé que la vida es sueño.
Sentí que estaba pensando,
pensé que sentía, y luego
vi reducirse a cenizas
mis pensamientos de fuego.
Si hay quien no siente la brasa
debajo de estos conceptos,
es que en su vida ha pensado
con su propio sentimiento;
es que en su vida ha sentido
dentro de sí al pensamiento.
Flores da el amor al hombre,
flores entre hojas al viento,
mas también le da diamantes
duros, cortantes y escuetos.
No sólo el vapor calienta;
no llaméis frío a lo seco;
la carne enfría a menudo
y suele quemar los huesos.
E na tradução para português::
Com lembranças de esperanças
e esperanças de lembranças
vamos matando a vida
e dando vida ao eterno
descuido que do cuidado
do morrer nos esqueçamos...
Foi já outra vez o futuro,
será o passado de novo,
amanhã e ontem mexidos
no hoje ficam-se mortos.
Acordei e estava sonhando,
sonhei que estava desperto,
sonhei que o sonho era vida,
sonhei que a vida era sonho.
Senti que estava pensando,
pensei que sentia, e logo
vi reduzir-se a cinzas
meus pensamentos de fogo.
Se há quem não sente a brasa
embaixo destes conceitos,
é que em sua vida pensou
com seu próprio sentimento;
é que em sua vida sentiu
dentro de sim ao pensamento
.
Flores dá o amor ao homem,
flores entre folhas ao vento,
mas também lhe dá diamantes
duros, cortantes e concretos.
Não só o vapor esquenta;
não chameis frio ao seco;
a carne com freqüência esfria
e costuma queimar os ossos.
Conclusão
Para Miguel de Unamuno, filósofo de Salamanca, a filosofia que alguém abraça tem por finalidade extrínseca todo seu destino e toda a sua atitude diante da vida e do universo. Por este motivo o mais trágico problema da filosofia é o de conciliar as necessidades intelectuais com as necessidades afetivas e volitivas, fundamento da eterna e trágica contradição, base da nossa existência, que tem sua maior expressão na fome de imortalidade: o desejo der ser e de ser sempre. Desta fome, deste sentimento, nasce, segundo Unamuno, o sentimento trágico da vida.
A filosofia de Unamuno está marcada fortemente no desejo de vida, de viver, de querer ser eterno. É neste ponto que Unamuno tem pontos de encontro com o cristianismo, já que nas próprias Escrituras, no Evangelho de São João, está escrito uma das mais belas sentenças sobre o eterno: Quem comer a minha carne e beber a minha sangue viverá eternamente. O pão é o corpo e o vinho é o sangue. Assim, pão vinho e eternidade se unem no mais ousado e corajoso de todos os pensamento humanos: o de viver eternamente. E assim o pensamento teológico cristão e o pensamento do filosofo espanhol Miguel de Unamuno confluem e encontram um rio comum no qual navegar.
Mas, Unamuno quer viver eternamente sem passar pela morte. Ele quer ser eterno. Sendo que o cristianismo fala de ressurreição. E aqui encontramos uma importante diferença entre Unamuno e o pensamento cristão. Porém, este é tema de um próximo artigo.
Referências bibliográficas
UNAMUNO, Miguel. Do Sentimento Trágico da Vida, nos homens e nos povos. São Paulo, Martins Fontes, 1996. Em espanhol: UNAMUNO, Miguel de. Del sentimiento trágico de la vida en los hombres y en los pueblo s. Madrid: Alianza Editorial, 1986.
UNAMUNO, Miguel. São Manuel Bueno, Mártir. Porto Alegre: Editora L&PM, coleção L&PM Pocket no 178.
UNAMUNO, Miguel. Nevoa, Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1989.
FRAIJO, Manuel (ORG) Filosofía de la Religión, estudios y textos. Edición a cargo de Manuel Fraijó. Madrid: Editora Trotta.
PIENZO, Giorgio – GIBELLINI, Rosino (org.). Deus na Filosofia do Século XX. São Paulo: Loyola, 1998.
GUTIERREZ, Jorge Luis. Miguel de Unamuno e filosofia da Religião. Revista Caminhando. Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, v. 7 nº 9 , 2002. São Bernardo do Campo, SP: Editeo / Unesp.
ARROYO, Ciriaco Morón. Hacia el sistema de Unamuno, estudio de su pensamiento y creación literaria. Ediciones Cálamo, Palencia, España.
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NOTAS
[*] Texto apresentado no Congresso de Filosofia e Cristianismo (área temática: Filosofia, Cristianismo e Epistemologia) em 2008, na Universidade Mackenzie, com o título "A “fome de imortalidade” no pensamento de Miguel de Unamuno: “Não basta pensar, é preciso sentir nosso destino”
[1]O título em espanhol desta obra é Niebla. Uma tradução deste romance foi publicado pela editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, em 1989.
[2]Os aspectos gerais da vida e da filosofia de Unamuno foram desenvolvidos num artigo da minha autoria anterior. Conferir: GUTIERREZ, Jorge Luis. Miguel de Unamuno e filosofia da Religião. Revista Caminhando. Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, v. 7 nº 9 , 2002. São Bernardo do Campo, SP: Editeo / Unesp.
[3]Esta obra foi publicada no Brasil: UNAMUNO, Miguel. São Manuel Bueno, Mártir. Porto Alegre: Editora L&PM, coleção L&PM Pocket no 178. San Manuel Bueno, mártir), é a historia de um padre que perde a fé e finge conservá-la para não destruir a crença dos fiéis. Hoje esta obra é uma leitura recomendada – ou obrigatória – tanto para pastores e padres, e em geral para todos os que lidam com a vida espiritual das pessoas.
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