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Revista Pandora Brasil - ISSN 2175-3318
Revista de humanidades e de criatividade filosófica e literária


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TERESA DE ÁVILA: A POESIA COMO COLÓQUIO
AMOROSO COM DEUS

Jorge Luis Gutiérrez
Universidade Mackenzie


Mini currículo dos autores 


Já toda me entreguei e dei
e de tal modo hei mudado,
que é meu amado para mim,
e eu sou para meu amado.

Quando o doce caçador
me acertou e deixou rendida,
nos braços do amor
minha alma ficou abatida.

E cobrando nova vida
de tal jeito hei mudado
que é meu amado para mim,
e eu sou para meu amado.

Feriu-me com uma flecha
empeçonhada de amor,
e minha alma ficou feita
uma com seu Criador,

já não quero outro amor
pois a meu Deus tenho-me dado,
e meu amado é para mim,
e eu sou para meu amado.

(Teresa de Ávila)

INTRODUÇÃO [*]

"O ter pais virtuosos e temerosos de Deus ter-me-ia sido suficiente, se eu não fosse tão ruim..." [1] Com estas palavras iniciou Teresa de Cepeda y Ahumada sua biografia, hoje conhecida como "Livro da Vida" [2]. A autora é conhecida como Santa Teresa, Teresa de Jesus ou Teresa de Ávila. Foi canonizada em 1622 e em 1970 foi a primeira mulher a receber o título de doutora da igreja. Por isso, além de santa, também pode ser chamada de Doutora Teresa. [3]

Quando, por ordem das autoridades eclesiais, escreveu o "Livro da Vida" ela tinha 51 anos. Era o ano de 1566. Nessa obra passa revista a sua vida. Lembra seus anos de felicidade na infância até a morte de sua mãe, Dona Beatriz, quando ela só tinha 12 anos [4]; a descoberta do amor e o namoro; a dura e triste adolescência (com solidão e doença) e, principalmente, sua vida junto a Jesus: de quem ela se sentia esposa. Ele —Jesus— sempre esteve a seu lado, não como um pensamento metafísico, mas como uma presença constante. Aparecendo inumeráveis vezes ante os olhos extasiados e humanos de Teresa, consolando-a em seus momentos de angustia (que foram muitos), ajudando-a com as suas "sensualidades" [5], fortalecendo-a em seus trabalhos, dando-lhe seus mimos e carinhos [6] e provocando nela êxtases espirituais, bebedeiras divinas, embriaguez celestial, e uma serie de sintomas físicos (ela se sentia invadida por uma unção muito suave, que chegava até a medula de seus ossos) que a deixava abobada e presa de um santo desatino, tão fora de si que ela era incapaz de saber de si própria e de entender o que se passava. [7] Tudo isto, e muito mais, tornariam a Doutora Teresa uma das mulheres mais célebres — e controvertidas — da historia da Espanha. Freqüentemente ela é chamada de mística e considerada uma das grandes escritoras de língua castelhana.

À sua reconhecida inteligência deve ser acrescentado que na adolescência era uma moça muito bonita [8]. Teresa também era poetiza (hoje se conhecem uns 28 poemas dela), reformadora eclesial (reformou a Ordem do Carmelo), comentadora das Escrituras (como por exemplo suas Meditações sobre o "Cântico dos Cânticos" [9]) e uma boa leitora, que desde criança era viciada em leitura e freqüentadora assídua da biblioteca de seu pai, Don Alonso. Assim, leu obras clássicas como as "Confissões" de Agostinho de Hipona (que seria uma de referência para toda sua vida), e outros bons autores como, por exemplo, Francisco de Osuna. Na biblioteca de Don Alonso era possível encontrar livros de Sêneca, Virgílio e Boêcio. Isto deu a Teresa a oportunidade de entrar desde cedo em contato com grandes obras da historia do pensamento.

Um dado anedótico é que na infância ela brincava com seu irmão Rodrigo de ir a terra de mouros. Uma vez foram encontrados, por seu tio Dom Francisco Alves de Cepeda, quando iam saindo da cidade pela ponte de Adaja, prontos para a empreender sua cruzada. Também brincavam de construir mosteiros amontoando pedras, que sempre terminavam derrubados devido à imperícia da pequena arquiteta. Depois, na sua adolescência, ela se tornou adicta à leitura dos livros de historias de cavalaria, as mesmas que enlouqueceram a Don Quixote de la Mancha — seu compatriota virtual—, e ela mesma escreveu um livro sobre essas histórias.


UM POUCO SOBRE A VIDA DE SANTA TERESA

Teresa nasceu na cidade espanhola de Ávila em 28 de março de 1515. Estudou no convento das agostinhas e com 19 anos entro na ordem do Carmelo da Antiga Observação no convento da Encarnação de Ávila.

De criança manifestou uma grande facilidade para escrever e para a leitura, assim lia várias horas por dia. Por volta dos 12 anos começou a ler livros de cabalaria, que era considerado, na época, um costume não apropriado para uma moça, porém foram em vão os esforços para afasta-la de suas leitura.

Em 1528 morre sua mãe, o que trouxe-lhe uma profunda tristeza sobre sua vida, ao ponto que, quando compreendeu o que tinha perdido, suplicou à Virgem que ela morresse ao invés de sua mãe.

Esta também foi a época do amor e do namoro e de cultivar —como ela mesma afirma - seus encantos femininos. Gostava de se arrumar —ficava muito tempo nisso - e sair com seus primos. Os pais não gostavam desta situação. Porém Teresa sempre conseguia burlar a vigilância, com ajuda das empregadas e uma prima. Gostava de um primo e com ele teve um namoro: cada vez que seus pais a repreendiam ela afirmava que era com intenção de casar.

Com a mãe morta, e tendo su irmã (que tomava conta dela) se casado, seu pai a leva para um convento.

Rapidamente Teresa fica doente no convento. No "Livro da Vida" descreve com detalhes os longos anos de doença. Uma vez foi dada por morta e velada como tal. Até colocaram cera em seus olhos, de acordo com as costumes funerários da época. Porém, graças a seu pai que não deixou que a sepultassem porque queria estar mais um tempo com o corpo de sua filha, ela continuo vivendo, apesar de seu estado de morte que durou quatro dias. Durante este período todos pensaram que ela estava morta. Até abriram uma sepultura no convento e a envolveram com vestes fúnebres. Quando acordou ficou delirando e por quatro anos não conseguiu caminhar bem. Teresa estava com vinte e quatro anos.

Em 1555 Teresa teve o que tem sido chamado por seus biógrafos de profundo acordar. Um ano depois Teresa tem seu desposorio místico com Deus. Este momento tem sido chamado de sua segunda conversão. A partir desse momento ela pode ser muito mais humana. Era o dia de Pentecostes de 1556.

Em setembro de 1560 funda com um grupo de freiras, um monastério de tipo eremita. Os anos 1562 a 1567, são anos de paz para Teresa. Pode-se dedicar com certo sossego a seu trabalho de escrever: conclui o Livro da Vida, e escreve uma de suas obras mais famosa, Caminhos da Perfeição. É neste período que ela escreve as Meditações sobre Cantares,

Em 1567 recebe uma autorização para continuar fundando novos conventos. Seguem-se anos de trabalho, escrevendo e fundando conventos. E em 18 de novembro de 1572 — quando tinha 57 anos — novamente se casa com Deus, em matrimonio espiritual. Quem lhe dá a comunhão é seu amigo Frei Juan de La Cruz.

Surgem problemas com os membros da hierarquia eclesial e de sua ordem. Porém, nada disto impede seu trabalho de escritora. Assim, em 1574 começou a escrever o livro "Fundações". Neste mesmo ano encontra o Padre Gracian — com quem também manterá uma longa amizade, com várias viagens e múltiplos encontros. O padre Gracian era trinta anos mais novo que ela.

Neste ano também fica doente. A febre é alta. Continua trabalhando, fundado conventos e lidando com os múltiplos problemas da ordem. Como se tudo isto fosse pouco ainda lhe aguardava uma nova preocupação: é acusada ante a Inquisição. Vem então os interrogatórios e investigações por parte dos inquisidores. Ela se retira a um convento: é seu cárcere. O padre Gracian é destituído de seu labor de visitador. E ainda tem um acidente no qual se quebra o braço. É desta época sua frase: sinto raiva conta mim mesma.

Novamente seguem-se anos de trabalho e doença. Em 1979 volta a visitar os conventos. Volta a ficar doente: esta vez de muita gravidade. Porém se recupera e volta a caminhar. Em Valladolid volta a adoecer. Agora não se recupera tão fácil. É necessário leva-la a Granada. Frei Juan se oferece para leva-la, porém quem a leva é o Padre Gracian. A doença piora. Desmaia com freqüência. A viajem é dura e difícil, faltam muitas coisas. A superiora de Medina, brava com ela, não lhe quis dar provisões para a viagem. Sua enfermeira só tem figos secos para lhe dar de comer.

Chega a Granada grave. Quase não consegue caminhar. Passa muito tempo deitada. Esta situação dura por oito dias. Em 29 de setembro deitou-se por volta das seis da tarde. Por dois dias segue muito doente. O dia primeiro de outubro recebe a comunhão, e se deita com ajuda dos outros. Nunca mais se levantará. Recebe a extrema-unção. Fica sempre com um crucifixo entre os braços: o abraçando. O dia quatro ficou nessa posição o dia todo, orando com o rosto sereno. Às nove da noite morria nos braços de Ana de São Bartolomé. Era o quatro de outubro de 1582. Hoje, pela correção do calendário, 15 de outubro.

No dia 24 de abril de 1614, Paulo V a proclama beata. Em 16 de novembro de 1617 as Cortes espanholas a declaram patrona de Espanha, Urbano VIII ratificou isto em 1627, embora o tenha anulado em favor de Santiago. Em 12 de março de 1622 Gregório XV a canoniza, junto com Isidro, Ignácio, Francisco Javier e Felipe Neri. Em 18 de setembro de 1965 Paulo VI a declara patrona dos escritores católicos de Espanha, até que em 27 de setembro de 1970, o mesmo Papa, a proclama Doutora da Igreja Católica, sendo a primeira mulher a receber esse título.


O COMENTÁRIO AO "CÂNTICO DOS CÂNTICOS"

Teresa não pôs título à obra que trata dos "Cânticos dos Cânticos". Mas, ela foi desde cedo conhecido como "Cantares". Quando a autora se refere a esta obra o faz com o nome de "Mis meditaciones". Por esse motivo algumas edições modernas a tem titulada "Meditaciones sobre Cantares".

Foi publicado pela primeira vez em 1611, em Bruxelas, sob o título "Conceptos del amor de Dios escritos por la Beata Madre Teresa de Jesús sobre algunas palabras de los Cantares de Salomón". Por isso o livro também tem sido publicado sob titulo de "Conceptos del Amor de Dios".

A data em que as Meditações foram escritas é desconhecida. Os biógrafos de Teresa afirmam que o mais provável é que foi entre 1566 e 1567, em San José de Ávila.

Em 1580, Teresa recebeu a ordem de queimar o livro. Ela obedeceu, mas foram salvas algumas cópias que circulavam pelos conventos. Quem deu a ordem de queimar o livro foi o padre Diego de Yanguas, confessor de Teresa. O motivo foi que lhe pareceu "coisa nova e perigosa que mulher escrevesse sobre o Cântico dos Cânticos" [10]. As idéias do confessor estavam em oposição com as palavras que Teresa tinha colocado em seu livro sobre os motivos que a tinham levado a escrever: "não haveremos de ficar as mulheres tão fora de gozar das riquezas do Senhor" [11].

O relato da queima de seu livro esteve presente no processo de santificação de Teresa. No seu depoimento María de San José afirmou que o padre Diego de Yanguas diz a ela que Teresa havia escrito um livro sobre o "Cântico dos Cânticos", e entendia ele que não era justo que mulher escrevesse sobre as Escrituras. A respeito disso informou que Teresa foi rápida em obedecer e que imediatamente queimou sua obra [12]. Porém, como afirmamos nos parágrafos anteriores, hoje sabemos que foram salvas algumas copias desse livro.

Nesta obra estão contidas algumas meditações de Teresa sobre alguns versículos do "Cântico dos Cânticos": principalmente sobre 1:1; 1:2; 2:3; 2:4 e 2:6, e de uma maneira secundária sobre os textos de 1:15; 2:3-4; 4:7; 6:2; 6:9 e 8:5. Na própria seleção está presente a teologia e intenção de Teresa. Ela escolheu textos de grande erotismo.

O fato de Teresa se interessar pelo Cântico dos Cânticos reafirma a constatação de que a maioria dos místicos, entre eles Orígenes, Bernardo de Claraval, Juan de La Cruz e a própria Teresa, foram grandes leitores, estudiosos e comentadores dos Cânticos. Sentiram um imenso fascínio por esse livro.

Um dos problemas que Teresa encontrou na leitura do Cântico dos Cânticos foi o pouco conhecimento que ela tinha do latim, língua na qual se encontrava o texto bíblico. Mas essa dificuldade não a deteve. Escreveu no prólogo que mesmo sem entender tudo, esses textos tocaram sua alma muito mais que outras que podia entender em sua totalidade. O mais provável, de acordo com suas palavras, é que ela conheceu oralmente (por sermões ou por ter escutado a leitura deles) os textos sobre os quais medita. Mas também é possível que ela conhecesse o texto bíblico parcialmente através da leitura de outras obras, que continham partes dos "Cânticos", traduzidas ao espanhol.

Porém, a língua não foi o único problema. Pois ainda que alguém lhe traduzisse o texto ao espanhol, ela também não entendia o que o texto queria dizer, em seu conteúdo [13]. Por esse motivo, como afirma no prólogo, as Meditações foram um esforço seu para explicar o texto para as outras irmãs - freiras de sua ordem - que também não entendiam o texto do Cântico dos Cânticos. Pensava que seu livro seria uma consolação para suas irmãs freiras. Para ela a clareza que começou a obter sobre o Cântico dos Cânticos, que a encoraja a escrever, é um presente de Deus. Por isso escrever lhe é um imperativo: Deus lhe estava dando a entender muitas coisas e era necessário, então, colocá-las por escrito, pois se só ficassem em sua memória podiam ser esquecidas. Para ela escrever é um exercício de ousadia, pois - como ela afirma - pensou muito antes de ousar colocar suas meditações por escrito.

A obra está dividida em sete capítulos, e na sua totalidade dá aproximadamente 30 páginas.

Sobre o comentário de Teresa ao Cântico dos Cânticos escrevi um artigo anteriormente, com o título de "A Filosofia Mística de Teresa de Ávila". Por isso, recomendo a leitura desse artigo, para quem quiser aprofundar no tema. (ver artigo) [14]


TERESA, POETA MÍSTICA

O historiador da filosofia Mario Méndez Bejarano em sua “Historia de la filosofía en España hasta el siglo XX”, cuja primeira edição é de 1927, afirma que a primeira reivindicação da personalidade filosófica espanhola deve-se aos místicos e que no misticismo o espírito conhece a Deus por contato essencial e por intuição. E acrescenta que o místico ama, contempla e não reflete; não pensa em sua salvação por interesse, senão na fusão com o amado; não se preocupa da conduta e se entrega por inteiro até o sacrifício da personalidade. Para Méndez o misticismo espanhol está saturado de sentimentalismo e exige um recolhimento interior que se sente na alma como se esta tivesse outros sentidos que substituem aos externos. Méndez acrescenta que a essência da Mística em Filosofia reside no conhecimento por meio da intuição e em Teologia pela união íntima com Deus, à qual se ascende por três vias: purgativa ou ascética (depuração prévia), iluminativa e sintética.

Assim, uma das características principais do misticismo é a contemplação. Sobre isto Méndez afirma:

Nesse mundo subjetivo que a contemplação lhes cria, os místicos desfrutam de uma liberdade que a realidade exterior lhes nega, e desde suas luminosas cumes sentam princípios que não tivessem ousado expor na planície social, porque tanto mais atrevido se mostra o sentimento quanto mais coibido geme o pensamento pela tirania exterior.

E se referindo concretamente à Espanha Méndez diz:

Em Espanha, a poética dos trovadores presta adequada forma ao delírio amoroso e imprime seu selo nas produções de nossos místicos, bastantes propensos ao conceitualismo, bem provam da fonte bíblica, como Laredo, San Juan da Cruz e Jacinto Verdaguer; bem da doutrina neoplatónica, como Frei Luis de León e Luis de Ribera, bem como Santa Teresa e Sor Gregoria, comecem pelo misticismo bíblico e adotem depois singularíssimas formas.


A POESIA DE TERESA DE ÁVILA

Parece haver certo consenso entre os estudiosos da obra de Teresa de Ávila que sua linguagem não é muito requintada ou elegante nem em verso nem em prosa.

Méndez Bejarano lembra as opiniões sobre este tema de alguns estudiosos: Ticknor tachou a linguagem de Teresa de "declamatório e difuso"; Harpas critica Teresa por sua linguagem é "algo incorreto e algo tanto descuidada a estrutura das cláusulas".

Teresa não se sentia poeta, nem achava que escrevia com o intelecto ou, para usar a palavra que ela usa, com o “entendimento” . Ela percebia que escrevia com o sentimento, com a alma e com o corpo. Sobre isto se costuma citar o texto de Teresa no qual ela diz que conhece uma pessoa que não sendo poeta, podia escrever versos (coplas) com muito sentimento e expressar bem seu penar. É claro que essa pessoa é ela, Teresa (Conferir: Libro de La Vida, 16,3) [15]. Sua inspiração poética vinha do amor que Teresa sentia por Deus. Era embriaguez e êxtases. Transe e ímpeto. Ela tinha um dom natural para a poesia, ou melhor dito, para o poético.

Por isso na sua poesia não mostra muita preocupação com aspetos formais ou acadêmicos. Isto vale também para a prosa. Seus textos são espontâneos, singelos, simples.

Marcelino Menéndez y Pelayo (1856-1912) em seu conhecido e citado artigo “De la poesía mística” [16], escreveu que todos os místicos espanhóis são poetas, mesmo escrevendo em prosa. E que em Santa Teresa esta característica é mais forte que em outros.

Mas, também Menéndez e Pelayo afirmava que o texto de Teresa "dificilmente poderia ser chamada de prosa literária". Assim, Pelayo fala que não é na linguagem formal que deve ser procurado o mérito de Teresa, mas na sinceridade de seus sentimentos e na índole de seu especial misticismo. Mas, frente a isso podemos afirmar que Teresa é um bom exemplo de como uma pessoa mesmo que não tenha um bom domínio da linguagem formal pode chegar a ser uma boa escritora, tanto em poesia como em prosa.

"Na sinceridade de seus sentimentos e na índole de seu especial misticismo deve ser procurado o mérito da santa doutora", afirma Pelayo.

Os estrofes que servem de cabeçalho aos poemas de Teresa, que se repetem durante o poema, são os de melhor qualidade poetica. Especialmente porque ficam em nossa memória e os podemos repetir sempre. Por isso são também as partes mais famosas. O grande exemplo disto é "Vivo sin vivir en mi".

«Vivo sin vivir en mí,
Y tan alta vida espero,
Que muero porque no muero». [17]

(«Vivo sem viver em mim,
E tão alta vida espero,
Que morro porque não morro»)

Sobre estes versos o Padre Yepes declarou, como lembra Menéndez y Pelayo, que foram escritos com o fogo do amor de Deus.

Hoje, após consultar a edição facsimil das Poesías de Santa Teresa do Padre Yepes, (Madrid, M. Rivadeneyra, 1861), podemos acrescentar que o Padre Yepes afirmou também que foram escritos com seus “infortunios e sentimentos”. Sobre eles a própria Teresa conta no “Libro de las Relaciones” como nasceram. Ela diz que foi em Salamanca, quando escutou uma noviçia cantar um hino alusivo ao amor divino. Teresa diz que não pode conter a vontade de escrever e saindo do lugar os escreveu.

Outros exemplos dos "cabeçalhos" das poesias de Teresa são os seguintes:



Si el padecer con amor
puede dar tan gran deleite,
¡Qué gozo no dará el verte!

(Se o padecer com amor
pode dar tão grande deleite,
Que gozo não dará o ver-te!)

____________________________

Vuestra soy,
para Vos nací,
¿qué mandáis hacer de mí?

(Sua sou,
para Você nasci,
que mandais fazer de mim?)

____________________________

Ya toda me entregué y di,
y de tal suerte he trocado
que mi Amado es para mí
y yo soy para mi Amado.

(Já toda me entreguei e dei,
e de tal sorte é trocado
que meu Amado é para mim
e eu sou para meu Amado.)

___________________________

Pues el amor
nos ha dado Dios,
ya no hay que temer,
muramos los dos.

(Pois o amor
nos deu Deus
já não há que temer,
morramos os dois.)

___________________________

Si el amor que me tenéis,
Dios mío, es como el que os tengo,
Decidme: ¿en qué me detengo?
O Vos, ¿en qué os detenéis?
-Alma, ¿qué quieres de mí?
-Dios mío, no más que verte.
-Y ¿qué temes más de ti?
-Lo que más temo es perderte.

Un alma en Dios escondida
¿qué tiene que desear,
sino amar y más amar,
y en amor toda escondida
tornarte de nuevo a amar?

Un amor que ocupe os pido,
Dios mío, mi alma os tenga,
para hacer un dulce nido
adonde más la convenga.

Deus meu, se o amor que me tendes
É como o amor que vos tenho,
Dizei: por que me detenho?
Ou Vós, por que vos detendes?
— Alma, que queres de mim?
— Deus meu, não mais do que ver-vos,
— E, que temes mais de ti?
—O que mais temo é perder-vos.

Um alma em Deus escondida,
que tem que desejar,
senão amar e mais amar,
e em amor toda escondida
tornar-te de novo a amar?

Um amor que ocupe vos peço,
Deus meu, minha alma vos tenha,
para fazer um doce ninho
onde mais a ela convenha.



Na edição das Poesias de Teresa de Ávila (1861) estas estrofes correspondem ao primeiro poema. Não leva título. Somente “Poema 1”, seguido de “UNOS VERSOS DE LA MADRE TERESA DE JESÚS NACIDOS DEL FUEGO DEL AMOR DE DIOS QUE EN SÍ TENIA”.

Neste poema Santa Teresa incorpora alguns versos do comendador Escrivá y del médico Francisco de Villalobos:

«Venga ya la dulce muerte
Con quien libertad se alcanza»

(«Venha já a doce morte
Com quem liberdade se atinge»,

Que Santa Teresa transforma em:

«Venga ya la dulce muerte,
Venga el morir tan ligero,
Que muero porque no muero».

(“Venha já a doce morte,
Venha o morrer apressado,
que morro porque não morro”)

Este poema, na edição das poesias anteriormente citada, tem uma nota de rodapé que remete à edição da Vida de Santa Teresa, do Padre Yepes, de 1776. Nessa nota informa-se que no primeiro ano de permanência de Santa Teresa nas fundações de Salamanca, no dia da Páscoa, entoaram um cântico que dizia:

Véante mis ojos,
Dulce Jesús bueno,
Véante mis ojos,
y muera yo luego.

(Olhem-te meus olhos,
doce Jesus bom;
Olhem-te meus olhos,
morra-me eu depois.)


Na nota se informa que Santa Teresa ao escutar a letra do cântico ficou fora tão fora de si, desacordada, e que a tiveram que levar, como morta para seu quarto e ali deitá-la. Esse estado, de andar fora de si, durou até o dia seguinte. Foi nesse estado que Santa Teresa escreveu o poema “Vivo sem viver em mim...

Hoje não há manuscritos dos poemas de Teresa de Ávila. E a compilação de seus escritos poéticos tem sido um trabalho difícil. As dificuldades são explicadas nos prólogos das diferentes edições. Como por exemplo a de 1861.

O texto que serve de base para as edições das poesias de Teresa, como para quase toda a obra de Santa Teresa, é o Manuscrito 1400 da Biblioteca Nacional de Madrid. Esse texto é uma cópia realizada per Frei Andrés de La Encarnación no século XVIII.


"NADA TE TURBE, NADA TE ESPANTE"

Teresa igualmente aos outros místicos espanhóis, escreveu parte de seu pensamento em poesia. Esta poesia carece de beleza formal, porém está cheia de um ímpeto amoroso que ninguém na Espanha conseguiu igualar.

Os motivos que a levam a escrever são motivos religiosos. Canções de natal, canções para as diferentes datas do ano litúrgico, "villancicos". Muitas vezes ela escreveu para animar suas irmãs freiras, ou para alegrá-las.

A alegria, embora sempre sob um fundo de tristeza, era uma de suas características, e possivelmente, muitas de suas poesias, que eram letras de canções, tinham por finalidade passar para as outras freiras essa alegria. Lamentavelmente quase toda sua obra poética hoje está perdida. A última antologia obra que recolhe os poemas de Santa Teresa é de Angel Custodio Vega, La poesía de santa Teresa, Madrid, BAC minor, 1972.

Nada te turbe,
Nada te espante,
Todo se pasa,
Dios no se muda,
La paciencia
Todo lo alcanza;
Quien a Dios tiene
Nada le falta:
Sólo Dios basta.

Nada te perturbe
Nada te espante
Tudo passa,
Deus não se muda.
A paciência
Tudo consegue
Quem tem a Deus,
Nada lhe falta.
Só Deus basta.




E para finalizar a tradução do poema "VÉANTE MIS OJOS" de Santa Teresa, um dos mais famosos dela:


VÉANTE MIS OJOS

Véante mis ojos,
dulce Jesús bueno;
véante mis ojos,
muérame yo luego.

Vea quién quisiere
rosas y jazmines,
que si yo te viere,
veré mil jardines,
flor de serafines;
Jesús Nazareno,
véante mis ojos,
muérame yo luego.

No quiero contento,
mi Jesús ausente,
que todo es tormento
a quien esto siente;
sólo me sustente
su amor y deseo;

Véante mis ojos,
dulce Jesús bueno;
véante mis ojos,
muérame yo luego.

OLHEM-TE MEUS OLHOS

Olhem-te meus olhos,
doce Jesus bom;
Olhem-te meus olhos,
morra-me eu depois.

Olhe quem quiser
rosas e jasmins,
que se eu te vir,
verei mil jardins,
flor de serafins;
Jesus Nazareno,
Olhem-te meus olhos,
morra-me eu depois.

Não quero alegrias,
meu Jesus ausente,
que tudo é tormento
a quem isto sente;
só me sustente
seu amor e desejo;

Olhem-te meus olhos,
doce Jesus bom;
Olhem-te meus olhos,
morra-me eu depois.




Para escutar o poema "Vivo sin vivir en mí..." com música
"Vivo sin vivir en mí..." (em espanhol)
http://www.youtube.com/watch?v=9LO47l6DdTo



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NOTAS

[*] Alguns aspectos deste artigo foram publicados em: Gutierrez., Jorge Luis. El amor es una saeta enviada por la bondad Las meditaciones de Teresa de Ávila sobre el amor de Dios en el Cantar de los Cantares. Revista Ribla Nº 39, Ecuador-Costa Rica. 2001. (Ver artigo) E também em : A filosofia Mística de Teresa de Ávila. Revista Caminhando, 8. UMESP. São Bernardo do Campo. (Ver artigo)



[1] "El tener padres virtuosos y temeroso de Dios me bastara, si yo no fuera tan ruin".

[2] Santa Teresa de Jesús. Libro de la Vida. In: Obras Completas de Santa Teresa, Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos, 1979.

[3] Mario Méndez Bejarano (1857-1931). Historia de la filosofía en España hasta el siglo XX, [1927] Biblioteca Filosofía en español, Oviedo 2000.

[4] Doze anos é a idade que coloca em seu livro. Pelo calculo do ano de seu nascimento e o ano que morreu sua mãe, finais de 1528 ou começo de 1529, ela estava com 13 ou 14 anos. Dona Beatríz, sua mãe, tinha casado com Don Alonso com 14 ou 15 anos, assim morreu com 34 ou 35 anos.

[5] Sensualidades, mais uma palavra usada repetida vezes por Teresa.

[6] A palavra espanhola regalos (que estamos traduzindo por mimos ou carinhos) é uma palavra muito usada por Teresa e de difícil tradução, pois no léxico teresiano esta apalavra tem um significado muito particular, especialmente quando ela a usa se referindo às aparições de Jesus.

[7] Todas estas palavras são da própria Teresa. "Borrachez divina"; "embriaguez celestial"; "como si le echasen en los tuétanos una unción suavísima"; "queda como cosa espantada y embobada y con un santo desatino"

[8] Com o passar dos anos a doença foi deixando as marcas em seu corpo. Sobre os relatos de testemunhas e biógrafos sobre os rasgos físicos de Teresa, conferir: María de San José, Libro de recreaciones VIII. Burgos, 1913, especialmente as páginas 96-97.

[9] Esta obra se encontra em português nas Obras Completas de Teresa de Jesus (Ed. Loyola, 1995), sob o título: Conceitos do Amor de Deus. Todas as citações em português foram tiradas desta edição. O original espanhol pode ser encontrado em: Santa Teresa de Jesús, Obras Completas, Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos, 1979. Também no site: http://www.montecarmelo.com/fondos/steresa. Para um estudo sobre esta obra: Gutierrez., Jorge Luis. O Amor é uma seta enviada pela vontade, as meditações de Teresa de Ávila sobre o amor de Deus no Cântico dos Cânticos. Revista Ribla Nº 39, 2001.
Também em: Gutierrez., Jorge Luis. El amor es una saeta enviada por la bondad Las meditaciones de Teresa de Ávila sobre el amor de Dios en el Cantar de los Cantares. Revista Ribla Nº 39, Ecuador-Costa Rica. 2001. (Ver artigo)

[10] “Cosa nueva y peligrosa que mujer escribiese sobre los Cântico dos Cânticos.” Prólogo do Padre Gracián à primeira edição das Meditaciones sobre Cantares, Bruxelas, 1611.

[11] M.C. 1.8: “No hemos de quedar las mujeres tan fuera de gozar de las riquezas del Señor.”

[12] “El Padre fray Diego de Yanguas dijo a esta testigo que la dicha Madre había escrito un libro sobre los Cântico dos Cânticos,y él pareciendole que no era justo que mujer escribiese sobre la Escritura se lo dijo, y ella fue tan pronta en la obediencia y parecer de su confesor, que lo quemó al punto.”

[13] Teresa escreveu no prólogo das Meditaciones sobre Cantares: “de algunos años acá, dado un regalo grande cada vez que oigo o leo algunas palabras de los Cântico dos Cânticos de Salomón, en tanto extremo que sin entender la claridad del latín en romance, me recogía más y movía mi alma que los libros muy devotos que entiendo; y esto es casi ordinario, y aunque me declaraban el romance, tampoco le entendía más... que sin entenderlo mi... apartar alma de sí.”

[14] A filosofia Mística de Teresa de Ávila. Revista Caminhando, 8. São Bernardo do Campo. (ver artigo)

Esse artigo finalizava com uma nota de caráter pessoal, que reproduzo a continuação:

Terminarei este artigo com uma nota de caráter pessoal. No mês de junho de 2002, estando realizando algumas atividades na Universidade de Salamanca na Espanha, um domingo peguei o ônibus até Alva de Tormes: uma pequena cidade sossegada e tranqüila a beira do rio Tormes. Visitei a Igreja de Santa Teresa, onde está seu corpo e suas relíquias; visitei o convento das carmelitas do lado da Igreja (seu quarto ainda esta preservado), visitei também a Igreja de São João da Cruz e uma antiga igreja do período gótico, visitei os sítios turísticos da Cidade, e subi a velha torre do Castilho do Duque de Alba, caminhei pelas Ruas dessa cidade tão cheia de história, onde está o túmulo de Teresa. Era um dia de sol e céu azul. Era noite quando voltei para Salamanca. De longe podiam ser vistas as construções de pedra, iluminadas. Eu tentava relacionar todo o que eu tinha lido sobre Teresa com esse mundo que eu estava vendo quase quinhentos anos mais tarde.
De Salamanca foi para Valladolid e após alguns dias voltei para Madrid. Na volta passei pela cidade de Ávila, lugar onde nasceu Teresa. Ávila é uma ci- dade que ainda conserva boa parte dos antigos muros de pedra e tem na parte alta uma grande catedral. Embora a minha viagem tinha outras finalidades, visitar estes lugares foi uma experiência esplêndida que ficará por muito tempo na minha memória e nos meus álbuns de fotografia.

[15] Libro de la vida, 16,3: “Oh válame Dios!, cuál está un alma cuando está ansí, toda ella querría fuese lenguas para alabar al Señor. Dice mil desatinos santos, atinando siempre a contentar a quien la tiene ansí. Yo sé persona, que con no ser poeta, le acaecía hacer de presto coplas muy sentidas declarando su pena bien; no hechas de su entendimiento, sino que para gozar más la gloria, que tan sabrosa pena le daba, se quejaba della a su Dios. Todo su cuerpo, y alma querría se despedazase para mostrar el gozo, que con esta pena siente.” Link na internet para esta obra

[16] Disponivel na Internet na Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes
http://www.cervantesvirtual.com/FichaObra.html?Ref=27369&portal=266

[17] Há na internet, em vários sites e blog, uma tradução deste poema. É difícil saber quem foi tradutor. Em diferentes sites aparecem algumas pessoas como autor e não como tradutor, sem fazer menção a Santa Teresa. Está é a tradução:

VIVO SEM VIVER EM MIM

Vivo sem viver em mim,
E tão alta vida espero,
Que morro porque não morro.

Vivo já fora de mim,
Desde que morro d’Amor
Porque vivo no Senhor
Que me escolheu para Si;
Quando o coração Lhe dei
Com terno amor lhe gravei:
Que morro porque não morro.

Esta divina prisão
Do grande amor em que vivo,
Fez a Deus ser meu cativo,
e livre o meu coração;
E causa em mim tal paixão
Ser eu de Deus a prisão,
Que morro porque não morro.

Ai que longa é esta vida!
Que duros estes desterros!
Este cárcere, estes ferros

Onde a alma está metida.
Só de esperar a saída
Me causa dor tão sentida,
Que morro porque não morro.

Ai, que vida tão amarga
Por não gozar o Senhor!
Pois sendo doce o amor,
Não o é, a espera larga;
Tira-me, ó Deus, este fardo
Tão pesado e tão amargo,
Que morro porque não morro.

Só com esta confiança
Vivo porque hei-de morrer.
Porque morrendo, o viver
Me assegura a esperança;
Morte do viver s’alcança;
Vem depressa em meu socorro,
Que morro porque não morro.

Olha que o amor é forte;
Vida, não sejas molesta,
Olha que apenas te resta
Para ganhar-te o perder-te;
Vem depressa doce morte
Acolhe-me em teu socorro
Que morro porque não morro.

Do Alto, aquela vida
Que é a vida prometida,
Até que seja perdida
Não se tem, estando viva;
Morte não sejas esquiva;
Vem depressa em meu socorro,
Que morro porque não morro.

Vida, que posso eu dar
A meu Deus que vive em mim
Se não é perdeste enfim
Para melhor O gozar?
Morrendo O quero alcançar,
Pois nele está meu socorro
Que morro porque não morro.







Revista Pandora Brasil ISSN 2175-3318




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