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Revista Pandora Brasil - ISSN 2175-3318
Revista de humanidades e de criatividade filosófica e literária


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SOR JUANA INÉS DE LA CRUZ: FILÓSOFA HISPÂNICA
DO SÉCULO DE OURO

Aílton de Souza
Aluno da Universidade Mackenzie


Mini currículo dos autores 


INTRODUÇÃO

A revista Pandora se consolida como instrumento de justiça quando abre espaço para a publicação de algumas poucas páginas da vida daquela que, em seus dias, deu um salto intelectual, consolidando-se como uma das mentes mais aguçadas, portanto, não compreendida naqueles tempos. Pandora se solidifica como instrumento de direito quando nos permite ouvir o som da voz daquela que defendeu, a todo custo, a liberdade de expressão para todos os gêneros. A Filósofa ganha, nessa revista, asas para voar e voando mostrará que é digna do epíteto: Sor Juana Inés de La Cruz: Filósofa hispânica do século de Ouro.


VIDA DE SOR JUANA

Juana Inés de Asbaje e Ramírez, filha de Isabel Ramírez de Santillana e de Pedro Manuel de Asbaje, nasceu em 12 de novembro de 1648/51 em San Miguel Nepantla, estado do México, próximo a Amecameca.

Juana Inés de Absbaje se firmou como Filósofa pelo espírito questionador e inabalável que possuía, pois, vivendo em um momento histórico – a Nova Espanha do século XVII - em que a Igreja não somente era a detentora de todo saber teológico e filosófico, como também instruía, vigiava e denunciava a população, não se deixou abalar pelo patriarcado existente e buscou resposta às suas inquietações.

Em seus dias, a Nova Espanha, preocupada com a pureza de sangue, proibia, por meio de leis, que a população espanhola se misturasse com classes ditas, então, inferiores. Os indígenas, mestiços e escravos vindos da África eram em número muito maior que os espanhóis e, não obstante às determinações de pureza de sangue, a população mestiça aumentava consideravelmente. Diante de tal problema, observa-se que as mulheres de raça branca, ainda que privilegiadas no momento de contrair núpcias, eram igualmente desvalorizadas quando pensavam em uma vida que não fosse dedicada ao casamento. Caso desejassem escapar do matrimonio deveriam, invariavelmente, dedicar-se a vida religiosa e, dessa forma, poderiam ter acesso a algum tipo de conhecimento. Sor Juana Inès de La Cruz não titubeou: fugiu do matrimônio, do “caminho tradicionalmente traçado para a mulher, e principalmente para a mulher do séc. XVII, que a conduziria do altar para o quarto do marido, e daí para a cozinha e a roupa suja das crianças” (BARRETO, 1989, p. 11) e percorreu o caminho assaz difícil: tornou-se religiosa (FRANCO 1994; ALONSO, 1976, p. 15).

Ávida pelo conhecimento e influenciada pelo espírito independente de sua mãe aprendeu a ler e escrever aos três anos – “numa fase de apreensão do mundo em que as demais crianças ainda estão tentando apropriar-se do código oral, ela já deseja[va] decifrar o código escrito” (BARRETO, 1989, p. 11) –, aos seis se delicia com os livros do avô, aos oito escreveu sua primeira poesia, aos quatorze foi dama de honra de Leonor Carreto, esposa do vice rei Antonio Sebastián de Toledo. Nessa ocasião, foi submetida a um exame oral, surpreendendo a todos com sua habilidade intelectual. Ao completar 19 anos, ingressou no convento das Carmelitas descalças e, após três meses, mudou-se para o convento da Ordem de São Jerônimo, onde ficou até o último dia de sua vida. Ali, no convento de Santa Paula, em fevereiro de 1669, fez sua pública profissão de fé, tornando-se Sor Juana Inês de La Cruz. Com esse nome tornou-se a maior figura das letras hispano-americanas do século XVII por escrever poesias amorosas, comédias, peças de teatro e cartas.

Sor Juana Inés de La Cruz, autodidata, penetrou a biblioteca, leu de tudo, estudou todos (não é exagero, nem força de expressão) os expoentes da filosofia, da teologia e da literatura. Analisando-os decifrou o mundo. “Mulher atraente, monja intelectual”, dona de um vasto conhecimento, produziu dezenas de textos de cunho sagrados e profanos. Entre esses muitos escritos, encontramos a Carta Atenagórica na qual Sor Juana Inés de La Cruz, em 1690, criticou um dos sermões do Padre Antonio Vieira – Sermão do Mandato. A opinião da Filósofa gerou uma grande polêmica envolvendo o Arcebispo do México – Francisco de Aguiar –, o bispo de Puebla – Manuel Fernandez de Santa Cruz – e clérigos da região. Tal polêmica fez emergir da mente brilhante da Filósofa hispânica do século de Ouro a carta Respuesta. Nessa, ela não somente nos fornece sua autobiografia, mas também demonstra-nos sua maturidade intelectual:

“Su carta, de prosa suelta y espontánea, nos indica que poseía tal vez, más que refinada sensibilidad poética, más que rigurosa fantasía, vivísima inteligencia, clara y distinta facultad de razonar. (…) su carta revela un deseo tan íntimo de conocimientos, su mentalidad se muestra tan fuerte y tan segura, que no es de ningún modo aventurado suponer que de haberse dedicado a las ciencias su obra habría sido tal vez superior a sus versos” (SALAS, 1988).

A vida de Sor Juana Inés de La Cruz torna-se nebulosa após esse episódio. A “décima musa”, contagiada pela epidemia que atingiu o convento de Santa Paula, rompido seu fio de prata, alcançou o oriente eterno no dia 17 de abril de 1695, imortalizando-se na história da trágica comédia humana.

OBRA

A produção de Sor Junana Inés de La Cruz, produzida no período catalogado pelos estudiosos do barroco, é vastíssima, quase que incontável: Loas; Autos; Villancicos; Teatros religiosos; Teatros Profanos; Prosa e Poesias Líricas: Romances, Endechas, Redondilhas, Décimas, Glosas, Sonetos, Liras, Ovillejos.

A estudiosa Profª. Drª. Linda Egan sobre a importância das obras da Pensadora afirma:

Sor Juana (…) merece su nicho especial en bibliotecas públicas y particulares. Varios logros explican la unicidad de esta colección de estudios sobre Sor Juana Inés de la Cruz y su obra: su enfoque crítico es de coherencia sugerente; abarca diversos valores interdisciplinarios; su documentación ostenta un rigor inusitado; establece un número notable de precedentes; sus discursos son de una legibilidad tan grata como consistente, y, también importante, ésta es una edición de particular inteligencia, por su precisión, elegancia e, inclusive, su humor sutil (EGAN, p. 118).

Quanto à complexidade que envolve a compreensão da extensa produção literária da Filósofa a pesquisadora Profª. Drª. Georgina Sabat de Rivers dá-nos um alerta:

“Más que de su poesía dramática, la fama de la ‘Musa Décima’ mejicana ha dependido siempre de sus versos de tono más íntimo, sobre todo de los amorosos. Pero no es fácil presentar al lector moderno el conjunto de la poesía lirica de Sor Juana: es una mezcla de poemas de alta expresión personal con otros de encargo, una mezcla de saludos amistosos con ejercicios de composición formal. Los temas y las métricas se combinan de muchas maneras diferentes;” (ALONSO, 1976, p. 23).


BREVE COMENTÁRIO DE UMA REDONDILHA: “HOMBRES NECIOS QUE ACUSÁIS”

Sor Juana Inés de La Cruz na poesia “Hombres necios que acusais” demonstra que estava antenada ao mundo de sua época, dá provas que havia decifrado-o. Por meio de seis perguntas, a exemplo da dialética socrática, ela faz emergir a ignorância daqueles que se reconheciam sábios, que arrogavam para si o direito exclusivo da reflexão. Ela inicia o primeiro quarteto qualificando o substantivo “hombres” com o adjetivo “necios”, algo inesperado para uma cultura machista que, a mão de ferro, detinha, exclusivamente, para si o direito de saber. Ela, sem titubear, chama-os de tolos, afirma que há neles falta de sabedoria, para ela está muito claro (conceito cartesiano) que são incultos: “Hombres necios (…)”.

Nos dois primeiros quartetos, ela não somente qualifica-os como também lhes mostra a razão pela qual merecem ser assim chamados. São parvos, porque acusam as mulheres sem razão, sem perceberem que são eles que fazem com que elas hajam da forma como estão agindo. Ela os inquiriu, exigiu resposta, convocou-os a reflexão:

(…) que acusáis
a la mujer sin razón,
sin ver que sois la ocasión
de lo mismo que culpáis:
si con ansia sin igual
solicitáis su desdén,
¿por qué queréis que obren bien
si las incitáis al mal?

Insisto na força semântica e filosófica de três expressões: “sin razón”; “sin ver”; “¿por qué queréis que obren bien / si las incitáis al mal?”. Na primeira, ela afirma não ter motivo forense para a formulação da denúncia, na segunda, diz que eles são cegos, e o faz em uma época em que o pensamento cartesiano está em efervescência, quando se busca a clarividência. Aqueles que governavam o mundo, o faziam as escuras, conduziam-no ao abismo, defraudavam, cometiam injustiça. Na terceira, quer saber o porquê que as mulheres deveriam agir contra o fluxo das circunstâncias históricas.

Os insensatos pedem, concomitantemente, às mulheres que lhes dêem castidade e amor. Combatem sua castidade, vence-a pela força, alcançam seus objetivos e as acusam de levianas. É essa dualidade que marca todo o poema. Destaco três quartetos:

Combatís su resistencia
y luego, con gravedad,
decís que liviandad
lo que hizo la diligencia.

Siempre tan necios andáis
Que, con desigual nivel,
A una culpáis por cruel
y a otra por fácil culpáis.

¿Pues cómo ha de estar templada
la que vuestro amor pretende,
si la que es ingrata, ofende,
y la que es fácil, enfada?

Os homens são loucos, têm medo de suas lambanças, não compreendem suas criações. Nesse poema, bem antes de Feuerbach, Sor Juana Inés de La Cruz afirma que o mundo é produzido pelos próprios homens, e eles não têm consciência disso. Os sujeitos não se reconhecem nos objetos, por si mesmos produzidos. Valendo-se da razão e do sentimento, voltaram-se contra sua condição precária, criaram outra realidade, norteada pela perfeição. Os homens encontraram uma forma de se afastarem de sua situação pérfida. A Filósofa hispânica do século de Ouro, por meio da conscientização, busca a superação:

Parecer quiere el denuedo
de vuestro parecer loco,
al niño que pone el coco
y luego le tiene miedo.

¿Qué humor puede ser más raro
que el que, falto de consejo,
él mismo empaña el espejo,
y siente que no esté claro?

Em fim, encerro esse breve comentário com as sábias palavras de Georgina Sabàt Rivers: “(...) este poemita burlesco (...) ataca radicalmente el doble sistema de honra machista y vergüenza mujeril que tradicionalmente controla los papeles sociales de los dos sexos” (ALONSO, 1976, p. 25). E deixo este conhecido poema de Sor Juana:


HOMBRES NECIOS QUE ACUSÁIS

Hombres necios que acusáis
a la mujer sin razón,
sin ver que sois la ocasión de lo mismo que culpáis:

si con ansia sin igual
solicitáis su desdén,
¿por qué queréis que obren bien
si las incitáis al mal?

Combatís su resistencia
y luego, con gravedad,
decís que liviandad
lo que hizo la diligencia.

Parecer quiere el denuedo
de vuestro parecer loco,
al niño que pone el coco
y luego le tiene miedo.

Queréis, con presunción necia,
hallar a la que buscáis,
para pretendida, Thais,
y en la posesión, Lucrecia.

¿Qué humor puede ser más raro
que el que, falto de consejo,
él mismo empaña el espejo,
y siente que no esté claro?

Con el favor y el desdén
tenéis condición igual,
quejándoos, si os tratan mal,
burlándoos, si os quieren bien.

Opinión, ninguna gana;
pues la que más se recata,
si no os admite, es ingrata,
y si os admite, es liviana.

Siempre tan necios andáis
Que, con desigual nivel,
A una culpáis por cruel
y a otra por fácil culpáis.

¿Pues cómo ha de estar templada
la que vuestro amor pretende,
si la que es ingrata, ofende,
y la que es fácil, enfada?

Mas, entre el enfado y pena
que vuestro gusto refiere,
bien haya la que no os quiere
y quejaos en hora buena.

Dan vuestras amantes penas,
a sus libertades alas,
y después de hacerlas malas
las queréis hallar muy buenas.

¿Cuál mayor culpa ha tenido
en una pasión errada:
la que cae de rogada,
o el que ruega de caído?

¿O cuál es más de culpar,
Aunque cualquiera mal haga:
la que peca por la paga,
o el que paga por pecar?

Pues ¿para qué os espantáis
de la culpa que tenéis?
Queredlas cual las hacéis
o hacedlas cual las buscáis.

Dejad de solicitar,
y después, con más razón,
acusaréis la afición
de la que os fuere a rogar.

Bien con muchas armas fundo
que lidia vuestra arrogancia,
pues en promesa e instancia
juntáis diablo, carne y mundo.

HOMENS NÉSCIOS QUE ACUSAIS

Homens néscios que acusais
a mulher sem razão,
sem ver que sois a causa
do mesmo que culpais:

se com ânsia sem igual
solicitais seu desdém,
por que quereis que procedam bem
se as incitais ao mal?

Combateis sua resistência
e logo, com gravidade,
dizeis que é leviandade
o que fez a diligencia.

Assemelhar-se quer a ousadia
de vosso parecer louco,
ao menino que faz uma mostro
e logo lhe tem medo.

Quereis, com presunção néscia,
encontrar à que procurais,
para prometida, Thais,
e para possuir, Lucrecia.

Que humor pode ser mais estranho
que aquele que, sem conselho,
ele próprio embaça o espelho,
e reclama que não está claro?

Com o favor e o desdém,
estás em igual condição,
queixando-se, se lhes tratam mal,
zombando, se lhes querem bem.

Opinião, nenhuma ganha,
pois a que mais se recata,
se não vos admite, é ingrata,
e se vos admite, é leviana.

Sempre tão néscios andais
que, com desigual cota,
a uma culpais por cruel
e a outra por fácil culpais.

Pois como há de ser moderada
a que vosso amor pretende,
se a que é ingrata, ofende,
e a que é fácil, entedia?

Mas, entre o tédio e a aflição
que vosso gosto insinua,
bem haja a que não vos queira
e lamentai vos em hora idônea.

Dão vossas queridas tristezas,
a suas liberdades asas,
e depois de torná-las más
quereis achá-las virtuosas.

Qual maior culpa tem tido
em uma paixão errada:
a que cai pelos rogos
ou quem roga por caído?

Ou quem tem maior culpa,
independente do mal que faza:
a que peca por salario,
ou quem para pecar paga?

Pois, para que vos espantais
da culpa que tens?
quereis elas como as fazeis
ou fazei elas como as procurais.

Deixe de solicitar,
e depois, com mais razão,
acusareis a afeição
da que vos for a suplicar.

Bem com muitas armas fundo
que luta vossa arrogância,
pois em promessa e instancia
juntais diabo, carne e mundo.


Tradução para o português:
Aílton de Souza
Jorge Luis Gutiérrez




BIBLIOGRAFIA

ALATORRE, Antonio. Para leer la Fama y Obras Póstumas de Sor Juana, en Nueva Revista de Filología Hispánica, t. XXXV. México, El Colegio de México, 1987.

ALONSO, Dámaso. Sor Juana Inés de La Cruz. Obras Selectas. Barcelona: Editorial Noguer, S. A., 1976.

BARRETO, Teresa Cristófani. Sor Juana Inés de La Cruz. Letras sobre o espelho. São Paulo: Iluminuras, 1989.

BEUCHOT, Mauricio. Sor Juana: una filosofía barroca. Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes.mht. capturado em 29 de março de 2010 às 21h.

CANAL, Fredo Arias. Segundo tomo de las obras completas de Sor Juana Inés de la Cruz y La segunda Celestina. México: Frente de afirmación hispanista, A. C., 1995.

COMISIÓN NACIONAL EDITORIAL. Sor Juana Inés de la Cruz. Sonetos e endechas. Barcelona: Editorial Labor, S. A., 1980. (Prefácio de Rosa Chancel, prólogo y notas de Xavier Villaurrutia).

FRANCO, Jean. Las Conspiradoras. La representación de La mujer en México. México: El Colegio de México, 1994.

GALINDO, L. Ortega. Sor Juana Inés de La Cruz. Selección. Madrid: Editora Nacional, 1978.

PAZ, Octávio. Sor Juana Inés de la Cruz o las trampas de la fe. Seix Barral, S. A. noviembre de 1982. Barcelona – 8.

PLANCARTE, Alfonso Méndez. Obras completas de Sor Juana Inés de La Cruz. Vol. I. Lirica Personal. México: Fondo de cultura economica, 1ª reimpresión, 1976.

PLANCARTE, Alfonso Méndez. Obras completas de Sor Juana Inés de La Cruz. Vol. II. Villnacicos y letras sacras. Toluca: Instituto Mexiquense de cultura e Fondo de cultura economica, 3ª reimpresión, 1995.

PLANCARTE, Alfonso Méndez. Obras completas de Sor Juana Inés de La Cruz. Vol. III. Autos y Loas. Toluca: Instituto Mexiquense de cultura e Fondo de cultura economica, 3ª reimpresión, 1995.

SALAS, Francisca Chica. Sor Juana Inés de La Crz. Poesías escogidas. Buenos Aires: Angel Estrada y Cia. S. A., ano: ?, 2ª edición.






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