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Revista Pandora Brasil - ISSN 2175-3318
Revista de humanidades e de criatividade filosófica e literária


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ROSARIO CASTELLANOS, AMORES E DESAMORES DESDE COMITÁN DE CHIAPAS: "POESIA NÃO ÉS TU"

Jorge Luis Gutiérrez
Universidade Mackenzie


Mini currículo dos autores 



Vou dizer-te tudo quando morramos.
Vou-te contar, palavra por palavra,
ao ouvido, chorando.
Não será meu destino o do vento que chega
só e desmemoriado.

(“A promessa”, Rosário Castelhanos)

Te voy a decir todo cuando muramos.
Te voy a contar, palabra por palabra,
al oído, llorando.
No será mi destino el del viento que llega
solo y desmemoriado.

(“La promesa”, Rosario Castellanos)




INTRODUÇÃO

No ano 2005 tive a oportunidade de viajar pelo estado Mexicano de Chiapas. Uma noite, num restaurante da cidade de "San Cristobal de Las Casas" antiga "Ciudad Real" tive contato, pela primeira vez, com a poesia de Rosario Castellanos. Um poema dela estava pendurado numa moldura na parede do restaurante. Quando vi que havia um poema pendurado, levantei-me e fui até ele, sem saber de que poema se tratava, nem quem era o autor. Era uma poesia de uma poetisa que eu nunca tinha escutado falar: Rosario Castellanos. Li o poema e gostei. Quando voltei para a mesa, para minha surpresa, os amigos e amigas que estavam comigo conheciam muito bem essa poetiza. Ela era bastante famosa. Era uma das "glorias literárias" de Chiapas. Continuamos conversando e aos pouco a vida e os livros dessa mulher viraram o tema pelo resto da noite. E as pessoas que estavam na mesa do lado se integraram à conversa. E assim, entre boa comida, boa bebida, amigos e amigas e a "mágica noite" de São Cristobal de Las Casas, foi tendo meus primeiros conhecimentos sobre Rosario Castellanos, mas, quando voltava para o hotel, já me sentia quase que um “especialista” em sua obra.

No dia seguinte fui a uma livraria, no centro de San Cristobal, numa das ruas mais pitorescas do mundo, e comprei alguns livros de Rosário Castellano. Um desses livros era "Poesía não eres tu". Outro era "Mujeres que saben latín". Y antes de sair de San Cristoval de Las Casas, tinha lido esses dois livros. E aqui encerra o primeiro capítulo da minha aproximação á poesia de Rosario Castellanos.

O segundo capítulo começa dois anos depois, quando eu estava mais uma vez no México. Então, um dia, fui convidado para jantar num restaurante perto de Cuernavaca. Era um lugar muito pitoresco e cheio de decorações poéticas (fotos de poetas, poemas nas paredes, livros, objetos...) e com uma pequena livraria especializada em poesia mexicana. E claro, com excelente comida. Nesse lugar encontrei um livro editado pelo Tecnológico de Monterrey, campus Toluca. O Titulo do livro era "Rosario Castellanos, de Comitán a Jerusalén". Era um livro que continha dez artigos sobre Rosario Castellano. Comprei o livro e de volta ao Brasil o li. Os artigos que esse livro contem são os seguintes:

Pasaporte a la poesia de Rosário Castellanos.
Luz Elena Zamudio R.

Ser mujer como otro modo de ser.
Blanca L. A.nsokaga.

De amores y desamores: Cartas a Ricardo de Rosário Castellanos.
Margarita Tapia A.

Ciudad Real; entre la ficción y la realidad.
Luzma Becerra.

Una nación a la humana medida.
Aralia López González.

Con la palabra, la letra y el cuerpo Rosario Castellanos y el periodismo.
Gloria Prado G.

De la literatura al cine: de "El viudo Román" a El secreto de Romelia.
Maricruz Castro Ricalde.

Las grandes calumnias no se hacen sin fundamento. Ironía y extrañamiento
en El eterno femenino de Rosario Castellanos.

Diana Amador.

Entrevista con Dolores Castro.
Merendas Arizpe, Margarita Tapia.A y Elena Zamudio R.


Resta dizer que a mãe da dona do restaurante, onde comprei esse livro, que também estava jantando numa mesa próxima à nossa, tinha escutado uma vez uma palestra de Rosario Castellanos. Quando soube de meu interesse pela poesia de Rosario Castellanos, foi sentar-se conosco por alguns minutos. E aqui encerra o segundo capitulo da minha aproximação à poesia de Rosario Castellanos.

O terceiro capitulo é a escrita deste artigo.

Devo também dizer que um dos artigos do livro que comprei perto de Cuernavaca, como pode ser constatado na lista de artigos do livro que há pouco reproduzi, tinha por título "De amores y desamores: Cartas a Ricardo de Rosario Castellanos". Então fica claro que o titulo deste artigo ("Rosario Castellanos, amores e desamores desde Comitán de Chiapas: "Poesía no eres tu"), é devedor tanto do título do artigo mencionado, como do título do próprio livro. Comitán de Chiapas é a ciudade onde Rosario Castellanos nasceu e viveu até o momento de ir para Ciudad de México.

Feito este esclarecimento passo, então, a falar do tema central deste artigo: a poesia de Rosario Castellano.


ROSARIO CASTELLANO: ALGUNOS DADOS BIOGRAFICOS

Rosario Castellanos nasceu na "Ciudad de México" em 25 de maio de 1925. Nasceu nessa cidade porque sua mãe se encontrava nela para consultar o médico, devido a complicações da gravidez. A família de Rosario Castellanos era de Chiapas, e foi para esse lugar, para a cidade de Comitán, para onde ela foi levada após seu nascimento. Em Comitán ela viveu até os 16 anos. Em 1941 foi a morar na Ciudad de México. A saída de Comitán teve como principal motivo o conflito com os índios pela propriedade das terras de sua família. Conflito no qual o governo de Lazaro Cardenaz apoiava aos índios. Ficou na Ciudad de México até 1971, data em que foi nomeada embaixadora do México em Israel. Morreu em Israel em 7 de Agosto de 1974.

Rosario Castellanos, enquanto estava na Ciudade de México, estudou licenciatura em filosofia, formando-se em 1952. Também fez mestrado em Filosofia na Universidad Nacional Autónoma de México. Posteriormente estudará pós-graduação na Universidad de Madrid (Espanha).

Rosario Castellanos ocupou diversos cargos durante sua vida: Foi promotora de cultura no “Instituto de Ciencias y Artes de Chiapas”, en Tuxtla Gutiérrez. Foi diretora do "Teatro Guiñol" no "Centro Coordinador Tzeltal-Tzotzil", no Instituto Nacional indigenista em San Cristóbal de Las Casas (Chiapas); Foi diretora geral de Informação e Prensa da Universidad Nacional Autónoma de México, (1960-1966) quando era reitor Ignacio Chávez; foi professora na "Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad Nacional Autónoma de México" (1962-1971). E, como afirmamos anteriormente, foi embaixadora do México em Israel de 1971 a 1974.


"POESÍA NO ERES TÚ"

"Poesía no eres tu", que na língua que se fala em São Paulo pode ser traduzida como "poesia não é você" (ou em outro português: "Poesia não és tu") é o titulo do livro de poemas que Rosario Castellanos publicou em 1972. Nessa obra antológica, estava reunida sua produção poética realizada entre os anos 1948 e 1971. O poema com o mesmo título do livro, "Poesía no eres tu", esta incluído nesta obra.

Quando lemos o título do livro de Rosario Castellanos ("Poesía no eres tú"), na hora pensamos no poema de Gustavo Adolfo Bécquer (1836 – 1870), e presumimos que Rosario Castellano está fazendo uma ironia ou uma brincadeira com o poema do poeta romântico espanhol. O poema de Bécquer, para quem não o conhece, é o seguinte:


¿Qué es poesía?, dices mientras clavas
en mi pupila tu pupila azul.
¿Qué es poesía? ¿Y tú me lo preguntas?
Poesía,... eres tú.

(Gustavo Adolfo Bécquer)

Que é poesia?, dizes enquanto fincas
em minha pupila tua pupila azul.
Que é poesia? E tu me perguntas isso?
Poesia,... és tu.

(Gustavo Adolfo Bécquer)




O verso "Poesia,... és tu" foi mudada por Rosario Castellanos para “Poesia,... não és tu”. Foi colocada no negativo. Podemos imaginar que Béquer sorriria ao ver a brincadeira que foi feita com seu poema. E sobre tudo ver sua frase, no negativo, num titulo de um livro. Mas ninguém troca uma frase de um poema tão conhecido impunemente. Assim em outra obra, em “Mujer que sabe latín”, Rosario Castellanos tentará explicar sua frase "anti-bequeriana":

"Há ali um título "Poesia não és você" que merece um parágrafo aparte. Reagir, a estas alturas, contra o romantismo espanhol que tão bem encarnou Bécquer? Somos anacrônicos, mas não tanto. Contradizer, por mais recente, a Rubén Darío quando decide que não se pode ser sem ser romântico? Também não. O que ocorre é que eu tive um trânsito muito lento da mais fechada das subjetividades à perturbadora descoberta da existência do outro e, por último, à ruptura do esquema do casal para integrar-me no social, que é o âmbito no que o poeta se define, compreende-se e se expressa"[1]

Rosario Castellanos afirma, então, que começou na "fechada subjetividade do romantismo" para depois descobrir o outro, porém não o outro do casal, mas o outro social. O outro "humanidade". Isto será dito novamente em outro poema. Precisamente no poema que leva o nome "Poesía no eres tú": "Con el otro, la humanidad, el diálogo, la poesía comienzan". Foi nessa "passagem" que o "poesia é você" se tranformou em "poesia não é você". Vejamos o poema completo:


POESÍA NO ERES TÚ

Poesía no eres tú
Porque si tú existieras
tendría que existir yo también.
Y eso es mentira.

Nada hay más que nosotros:
la pareja,
los sexos conciliados en un hijo,
las dos cabezas juntas, pero no contemplándose
(para no convertir a nadie en un espejo)
sino mirando frente a sí, hacia el otro.

El otro: mediador, juez, equilibrio
entre opuestos, testigo,
nudo en el que se anuda lo que se había roto.

El otro, la mudez que pide voz
al que tiene la voz
y reclama el oído
del que escucha.
El otro. Con el otro
la humanidad, el diálogo, la poesía, comienzan.

POESIA NÃO ÉS TU

Poesia não és tu
Porque se tu existisses
teria que existir eu também.
E isso é mentira.

Nada há mais do que nós:
o casal,
os sexos conciliados num filho,
as duas cabeças juntas, mas não contemplando-se
(para não converter ninguém num espelho)
mas olhando frente a si, para o outro.

O outro: mediador, juiz, equilíbrio
entre opostos, testemunha,
nó em que se ata o que tinha-se rompido.

O outro, a mudez que pede voz
ao que tem a voz
e reclama o ouvido
de quem escuta.
O outro. Com o outro
a humanidade, o diálogo, a poesia, começam.



Alguém já falou (talvez foi eu mesmo) que há pessoas que nascem para escrever poesia e há pessoas que nascem para que escrevam poesia sobre elas. Bécquer, com certeza, nasceu para escrever poesia. E parte importante de sua vida dedicou a essa tarefa e escreveu grandes poemas para as mulheres que amou, mulheres que nasceram não para escrever poesia, mas para ser imortalizada em poemas. Isto incomoda a algumas mulheres. Pensam que poetas como Bécquer reduziram à mulher a um papel passivo de simples musa.

Parece que Rosario Castellanos é uma das que não quer ser motivo de temática poética, mas quer ser sujeito da escritura poética. Ela quer escrever. E embora pareça criticar a Béquer, escreveu mais ou menos sobre as mesmas coisas e sobre os mesmos sentimentos. Ela, igual aos grandes poetas românticos, escreveu poesia ao amor e desamor, tendo aos grandes poetas como modelo. Alguns poemas dela são muito parecidos com os de Neruda. Em sua poesia, como Béquer, ela sempre lamenta o desamor e parece que anseia ser amada. Isto fica claro em seu poema “O Cotidiano”.

LO COTIDIANO

Para el amor no hay cielo, amor,
sólo este día;
este cabello triste que se cae
cuando te estás peinando ante el espejo.
Esos túneles largos
que se atraviesan con jadeo y asfixia;
las paredes sin ojos,
el hueco que resuena
de alguna voz oculta y sin sentido.

Para el amor no hay tregua, amor. La noche
no se vuelve, de pronto, respirable.
Y cuando un astro rompe sus cadenas
y lo ves zigzaguear, loco, y perderse,
no por ello la ley suelta sus garfios.
El encuentro es a oscuras.
En el beso se mezcla
el sabor de las lágrimas.
Y en el abrazo ciñes
el recuerdo de aquella orfandad,
e aquella muerte.

O COTIDIANO

Para o amor não há céu, amor,
só este dia;
este cabelo triste que se cai
quando te estás penteando ante o espelho.
Esses túneis longos
que atravessamos com ofego e asfixia;
as paredes sem olhos,
o oco que ressoa
de alguma voz oculta e sem sentido.

Para o amor não há trégua, amor. A noite
não se volta, de repente, respirável.
E quando um astro rompe suas correntes
e o vês ondular, louco, e perder-se,
não por isso a lei solta seus ganchos.
O encontro é a escuras.
No beijo se mistura
o sabor das lágrimas.
E no abraço cinges
a lembrança daquela orfandade,
daquela morte.




O POEMA NOTURNO

A relação amor e desamor fica muito mais nítida e conflitante em seu poema “Noturno”. E é inevitável notar que este poema leva o mesmo título de outro poema famoso, de autoria do conhecido poeta mexicano Miguel Acuña, que leva por título “Nocturno a Rosario de la Peña ”. Nesse poema Acuña também começa chamando ao ser amado para conversar, que como "o ser amado" do poema de Rosario Castellanos, não corresponde o amor que o poeta lhe brinda. Não pode deixar de ser notado que o poema de Miguel Acuña esta dirigido também a uma (outra) Rosario, com o mesmo nome da nossa poetiza (Rosario Castellanos) que escreveu o segundo poema com o nome “Noturno”. Há duas Rosariso: a Rosario de Acuña, Rosario de la Peña, musa do poema “Nocturno a Rosario”, e a autora do “Nocturno” (Rosario Castellanos), escritora do poema. Na nota de roda pé colocamos um link para o "Nocturno," de Acuña [2]:

O poema de Acuña começa “Pois bem, eu preciso dize-te que te adoro... (¡Pues bien!, yo necesito decirte que te adoro)”. Novamente é evidente o parecido do poema “Nocturno” de Acuña com o poema “Nocturno” de Rosario Castellanos. Em ambos os poemas o amante é chamado ao diálogo, a uma conversa, na primeira linha do poema. Rosario Castellanos conhece muito bem à “Rosario” do Poema de Acuña (Rosario de la Peña), pois além de ser uma mulher muito conhecida na cultura mexicana, é uma das mulheres com a quais fala “Lupita”, na peça de teatro “O eterno feminino”, da qual falaremos um pouco mais adiante neste texto. A Rosario de Acuña foi uma das personagens da peça de teatro “O Eterno feminino” de Rosario Castellano (da qual falaremos de aqui a pouco). Então, é claro que ela a conhecia.

E não só isso, o próprio Manuel Acuña é um das personagens, na parte onde fala Rosario de la Peña na peça (a Rosario do poema de Acuña). Rosario Castellano ridiculariza o poeta na sua peça de teatro. Zomba do fato de que em seu poema para Rosario tenha falado de sua mãe. E até chacoteia com seu suicídio. Na última cena em que aparece Manuel Acuña, o poeta está sozinho no cenário recitando os últimos versos do poema Nocturo a Rosario. E começa a afastar-se. Na indicação entre parêntese, que indica o que acontece fora dos diálogos, lemos “à medida que recita vai sendo consciente de que fez o maior dos ridículos”. E logo se afasta tomando o revolver, que indica que se suicidara. Então, logo de alguns momentos, entra a faxineira ("lavandera") que se queixa que Acuña manchou com sangue a roupa limpa e ela agora a terá que lavar novamente. É um tanto bizarra a ironia de Rosario Castellano nesta peça. Fica a impressão que ela exagerou um pouco no humor sarcástico.

Rosario Castellano estava irmanada com Manuel Acuña pela experiência do amor e o desamor. E os dois utilizaram a poesia para comunicar certo sentimento frente ao amor, sentimento que os unia literariamente, poeticamente. Um sentimento trágico. Ante o qual Rosario Castellano reagiu com deboche e Acuña com o suicídio. Embora, é claro, pode ser discutido, como o fazem vários artigos, as causas do suicídio dele. Ou se se suicidou por Rosario de la Peña ou por outra mulher, ou mesmo se esse suicídio foi por causa do amor.

Quem fala a continuação na peça de "Rosario Castellano" ("O eterno feminino") é Sor Juana Inés de la Cruz. Que em sua boca (Ah, que não pode a ficção literária!!!) Rosario Castellano também colocará palavras de sarcasmo contra o suicídio de Acuña. Ato contínuo, Sor Juana Inés de la Cruz, na peça de Rosario Castellano, está com quinze anos e come um pedaço de queixo enquanto escreve sobre um pergaminho... Porém a fala de Sor Juana Inés é outro assunto.

Rosario Castellano riu de Manuel Acuña, porém ela também escreveu um poema chamado "Nocturno", quase tão triste como o "Nocturno a Rosario" de Acuña. Oferecemos o texto desse poema, do "“Nocturno”" de Rosario Castellanos, e uma tradução para o português.


NOCTURNO

Amigo, conversemos.
Desde hace ¿cuántos años?, desde el día
en que a un tiempo rompimos la tiniebla
y con vagido entramos en el reino del aire;
desde que los mayores nos pusieron
la sal sobre la lengua
y nos soplaron al oído un nombre
(no de amor, de destino),
un nombre que repites todavía
y que repito yo y repetiremos
hasta el fin, hasta el fin, sin entenderlo
hemos estado juntos.

Espalda con espalda. El uno viendo
nacer el sol y el otro
posando su mejilla en el regazo
materno de la noche.

Atados mano contra mano y vueltos
– forcejeando por irnos –
uno hacia el sur, hacia el fragante verde
y el otro a la hosquedad de los desiertos;
desgarrados; sangrando yo
con la herida tuya
y tú quizá doliéndote
de no tener ni siquiera una pequeña brizna
e dolor que no sea también mía,
hemos sido gemelos y enemigos.

Nos partimos el mundo. Para ti
ese fragmento oscuro del espejo
en que sólo se ve la cara de la muerte;
los hierros, las espinas del sacrificio,
el vaso
ritual y el cascabel violento de la danza.

Y para mí la túnica parda de la labor,
la escudilla de barro
torneado con las manos
en que no cabe más que un
sorbo de agua
y el sueño sin ensueños de la sierva.

Pero fuimos desleales al pacto. Tú acechabas
–lobo hambriento – el plantel y los rediles
y aullabas profecías intolerablesv y hacías resucitar maldiciones y textos
rescatados de no sé qué catástrofe.

O incendiabas, de pronto, mi faena
con un enorme resplandor sagrado.

Y yo la hormiga. Yo
cosquilleando en tu brazo,
hasta abatirlo,
cada vez que querías
alzarlo hasta los cielos.

Y yo, Marta, pasando la punta de los dedos
sobre el altar, para encontrar la huella
del polvo mal limpiado.

Y yo, la tos que rompe
la redondez entera de la bóveda
en el instante puro de la consagración.

Y yo en la fiesta. Párpados esquivos,
Trenza apretada, labios sin sonrisa.
De espaldas a la música, con esa cicatriz
que el ceño del deber
me ha marcado en la frente;
pronta a extinguir las lámparas, ansiosa
de despedir la huésped
porque en la soledad yo te escupía a la cara
el nombre de la culpa.

Ah, que duelos a muerte.
Hasta el amanecer luchábamos y el día
nos encontraba aún confundidos en nudo
ciego de odio y de lágrimas.

Como el convaleciente, tambaleándonos,
Nos poníamos de pie, lívidos y desnudos.
Y ni así,
al contemplar nuestras llagas, subió jamás a nuestra boca
una palabra de piedad, un gesto
en que se nos volviera perdón el sufrimiento.

Pero hoy me tiemblan tus rodillas;
late tu pulso enloquecido
entre mis sienes
y siento que el orgullo se nos va deshaciendo
como un sudor que escurre
adentro da médula.

Porque la noche es larga. Nada anuncia su término
y acaso
para nosotros dos ya no hay mañana.

Demos a la fatiga una tregua y hablemos.

Ayúdame a decir esa sílaba única
— tú, yo, ¡pero no dos, nunca más dos! —
cuya mitad posees.

NOTURNO

Amigo, conversemos.
Já faz, quantos anos?, desde o dia
em que a um tempo rompemos a névoa
e com um rugido entramos no reino do ar;
desde que os maiores nos puseram
o sal sobre a língua
e nos sopraram ao ouvido um nome
(não de amor, de destino),
um nome que repetes ainda
e que repito eu e repetiremos
até o fim, até o fim, sem entendê-lo
temos estado juntos.

Costas com costas. Um olhando
nascer o sol e o outrov pousando sua bochecha no colo
materno da noite.

Atados mão com mão e voltados
– forcejando por ir-nos –
um para o sul, para o cheiroso verdev e o outro para a sequidão dos desertos;v dilacerados; sangrando eu
com a ferida tua
e tu talvez doendo-te
de não ter nem sequer um pequeno fio
e dor que não seja também minha,
fomos gêmeos e inimigos.

Repartimo-nos o mundo. Para ti
esse fragmento escuro do espelho
em que só se vê a cara da morte;
os ferros, as espinhas do sacrifício,
o copo
ritual e o chocalho violento da dança.

E para mim a túnica parda do labor,
a sopeira de barro
torneado com as mãos
em que não cabe mais que
um sorvo de água
e o sonho sem ilusões da serva.

Porém fomos desleais ao pacto. Tu espreitavas
– lobo faminto – a lavoura e os apriscos
e uivavas profecias intoleráveis
e fazias ressuscitar maldições e textos
resgatados de não sê que catástrofe.

Ou incendiavas, de repente, minha obra
com um enorme resplendor sagrado.

E eu a formiga. Eu
fazendo cócegas em teu braço,
até abatê-lo,
cada vez que querias
alçá-lo até os céus.

E eu, Marta, passando a ponta dos dedos
sobre o altar, para encontrar a impressão
do pó mal limpo.

E eu, a tosse que arromba
a redondeza completa da abóbada
no instante puro da consagração.

E eu na festa. Pálpebras ariscas,
Trança apertada, lábios sem sorriso.
De costas à música, com essa cicatriz
que o cenho do dever
me marcou na testa;
pronta para extinguir os lampiões, ansiosa
de despedir o hóspede
porque na solidão eu cuspia-te no rosto
o nome da culpa.

Ah, que duelos a morte.
Até o amanhecer lutávamos e o dia
nos encontrava ainda confundidos num nó
cego de ódio e de lágrimas.

Como o convalescente, cambaleando-nos,
Púnhamo-nos de pé, lívidos e nus.
E nem assim,
ao contemplar nossas chagas, subiu jamais à nossa boca
uma palavra de piedade, um gesto
em que se nos voltasse perdão o sofrimento.

Mas hoje me tremem teus joelhos;
bate teu pulso enlouquecido
entre minhas têmporas
e sinto que o nosso orgulho vai-se desfazendo
como um suor que flui
adentro dá medula.

Porque a noite é longa. Nada anuncia seu termo
e talvez
para nós dois já não há amanhã.

Demos à fadiga uma trégua e falemos.

Ajuda-me a dizer essa sílaba única
— tu, eu, mas não dois, nunca mais dois!—
cuja metade possuis.




ROSARIO CASTELLANOS: A FILOSOFIA E O “ETERNO FEMININO

Rosario Castellanos era filósofa. Como afirmamos anteriormente ela estudou licenciatura em Filosofia na “Universidad Nacional Autónoma de México”, lugar onde também obteve seu Mestrado. E estudo pós-graduação na “Universidad de Madrid”. Também foi professora na “Universidad Nacional Autónoma de México” (UNAM) e da Universidade Hebraica de Jerusalém.

Além destas universidades também foi catedrática em várias universidades dos Estados Unidos: Wisconsin, Indiana e Colorado.

Sua dissertação de mestrado foi defendida UNAM em 1950 e o título foi “Sobre Cultura Feminina”. O tema do feminino e o papel da mulher na cultura ocidental serão tema de vários ensaios e livros de Rosario Castellnaos, especialmente em sua obra "Mujeres que saben latín..."

Esta vocação filosófica de Rosario Castellanos a acompanhou a vida toda. Convivendo sempre com outras vocações, principalmente com sua vocação para a literatura, sendo que uma destas vocações era para a poesia. Num texto ela expressa que quando se deu conta que não compreendia a linguajem filosófica, era tarde demais: "Cuando me di cuenta de que el lenguaje filosófico me resultaba inaccesible y que las únicas nociones a mi alcance eran las que se disfrazaban de metáforas era demasiado tarde". Rosario Castellanos, como tantos filósofos, entram na literatura pela porta da filosofia. E será através da literatura que desenvolveram temas filosóficos. E possivelmente foi a "ironia", que foi seu leitmotiv, a ferramenta filosófica, Socrática, que Rosario Castellanos mais utiliza em seus escritos.

"O Eterno feminino" é também é o nome de uma peça de teatro que Rosario Castellanos concluiu quando era embaixadora de México em Tel Aviv, Israel. Esta peça é uma farsa, obra teatral extensa que desenvolve uma situação absurda, em três atos. A protagonista é uma jovem chamada "Lupita".

No primeiro ato Lupita esta na cabeleireira para se arrumar para sua boda, porém dorme, pois no secador tinha sido instalado um dispositivo para que as pessoas ficassem adormecidas enquanto secavam o cabelo. No sono sonha com seu futuro e experimenta sensações e situações típicas da mulher mexicana. Acorda e, no segundo ato, volta a dormir.

Neste segundo ato Lupita, em seu sonho, encontra várias mulheres, com as quais conversa: Eva, Malinche, Sor Juana Inés, Josefa Ortiz de Ramírez, Carlota Amália, Rosario de la Peña e Adelita. E no terceiro ato o secador quebra e por isso Lupita deve experimentar várias perucas, que a convertem em diferentes mulheres, cada vez que ela as coloca em sua cabeça: solteirona, prostituta, amante, profissional e intelectual (esta última é para Rosario Castellanos representante — tipo — das "mulheres que sabem latim..."). A peça termina num caos, onde atores misturados com o público discutem e questionam aos personagens.


PALAVRAS E POEMA FINAL: "AI, QUEM FORA UM LENÇO,
APENAS UM LENÇO BRANCO!"


Espero ter contribuído, com este artigo, e com a tradução dos poemas contidos nele, a tornar um pouco mais conhecida, pelos leitores de fala portuguesa, a Rosario Castellanos, insigne poetiza de Chiapas. E que a leitura de sua poesia — forte, apaixonada e vital — ajude a compreender algo mais do amor e do desamor.

Deixo, para finalizar, este poema de Rosario Castellanos, que leva por tí­tulo "A Despedida".


LA DESPEDIDA

Déjame hablar, mordaza, una palabra
para decir adiós a Io que amo.
Huye la tierra, vuela como pájaro.
Su fuga traza estelas redondas en el aire,
frescas huellas de aromas y señales de trinos.

Todo viaja en el viento, arrebatado.

Ay, quien fuera un pañuelo,
sólo un pañuelo blanco!

A DESPEDIDA

Deixa-me falar, mordaça, uma palavra
para dizer adeus ao que amo.
Foge a terra, voa como pássaro.
Sua fuga traça rastros arredondados no ar,
frescas impressões de aromas e sinais de trinos.

Tudo viaja no vento, arrebatado.

Ai, quem fora um lenço,
apenas um lenço branco!






_______________________________________

NOTAS

[1] "Hay allí un título “Poesía no eres tú” que merece un párrafo aparte. ¿Reaccionar, a estas alturas, contra el romanticismo español que tan bien encarnó Bécquer? Somos anacrónicos, pero no tanto. ¿Contradecir, por más reciente, a Rubén Darío cuando decide que no se puede ser sin ser romántico? Tampoco. Lo que ocurre es que yo tuve un tránsito muy lento de la más cerrada de las subjetividades al turbador descubrimiento de la existencia del otro y, por último, a la ruptura del esquema de la pareja para integrarme en lo social, que es el ámbito en el que el poeta se define, se comprende y se expresa".

[2] Link para o poema "Nocturno a Rosario"




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