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Revista Pandora Brasil - ISSN 2175-3318
Revista de humanidades e de criatividade filosófica e literária


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OS SURDOS E SUA RELAÇÃO COM A FAMÍLIA: FATOR DE INCLUSÃO/EXCLUSÃO E APRENDIZAGEM

Agnes Luiza Fracasso da Cruz
Aluna Universidade Mackenzie


Mini currículo dos autores 


Resumo

O presente artigo propõe analisar a concepção acerca da qual famílias ouvintes possuem sobre a surdez de seus filhos, relacionando-a com a linguagem utilizada por essa família com a criança. Por meio do estudo de parâmetros teóricos que permeiam as culturas surdas e a cultura surda escolar, pretende-se traçar um paralelo com as questões socioculturais, buscando apontar características essenciais da constituição do surdo. A análise do estudo evidencia que a família ouvinte pode encontrar-se em duas posições, dependendo da concepção que apresentam sobre surdez, utilizando, desse modo, a língua de sinais ou a língua oral. A criança cuja família concebe a surdez como doença, tentará a comunicação pela via oral; já a família que vê a surdez como diferença cultural, faz o uso de sinais para essa interação entre surdos e ouvintes. Mais enfaticamente, esse artigo visa contribuir para transformação e quebra de paradigmas estereotipados da sociedade em relação ao surdo, para que ele possa interagir com sua família ouvinte da melhor maneira possível, usufruindo das relações que homens estabelecem no convívio social (BLANCK, 1996) e assim possa ser valorizado como qualquer outro ser humano. Dessa forma, espera-se que com a leitura deste artigo, os leitores cheguem a um novo olhar e uma nova forma de se voltar à realidade surda no âmbito familiar.

Palavra-chave:
família de surdos; LIBRAS; cultura familiar.


“O Surdo não é mudo, não é deficiente, não é alienado mental e também não é uma cópia mal feita do ouvinte. Ele é Surdo, humano, autor e ator de inúmeros personagens...”
(Maria Cecília de Moura)


A criança surda que nasce em uma família de ouvintes, segundo Sacks (1998) e outros autores perfazem 95 % dos surdos, depara-se com conflitos pelas expectativas de seus pais, pelo desejo quase predominante de que seus filhos sejam ouvintes. Diversos estudos apontam que, para que o processo de socialização da criança surda com sua família ouvinte ocorra de maneira satisfatória, faz-se necessário que esta família reconheça sua especificidade. Para que isso ocorra, seus pais precisam estar informados a fim de buscarem soluções e recursos para essa adaptação.

A reação de uma família ouvinte em relação ao diagnóstico de uma criança surda é complexa e variável. Em geral, todo ser que almeja ser mãe e pai, espera que seu filho nasça semelhante a eles. Para os pais, olhar para seu filho sem um dos sentidos sensoriais (audição), não é simples e aceitável de maneira natural. Não é fácil que estes aceitem a diferença em seu lar, adaptando-se aos novos costumes e necessidades. Podemos compreender estas tendências sob o conceito de ideologia, que conforme a concepção de Aranha consiste em um:

Conjunto de representações e idéias, bem como normas de conduta por meio das quais o homem é levado a pensar, sentir, e agir de uma determinada maneira [...]. Essa consciência da realidade é na verdade uma falsa consciência, na medida que camufla a divisão existente dentro da sociedade, apresentando-a como uma e harmônica, como se todos partilhassem dos mesmos objetivos e ideais. (ARANHA, 1998, p.26)

Os pais, ao estarem diante de tal situação, são fortemente influenciados por informações médicas recebidas no diagnóstico da perda da audição. O percurso subseqüente será gerenciador de idéias em busca de soluções para a deficiência do filho surdo, fazendo com que, na maioria das vezes, os pais, por mecanismos que visem “resgatar” seu filho da deficiência, acreditando que estudos científicos, médicos e especialistas, que vêem a surdez como doença a ser curada ou, ao menos, abrandada, facilitarão a comunicação com seus filhos, e possibilitarão recursos comunicativos mais eficazes. Muitos recorrem a implantes cocleares ou aparelhos auditivos, confiantes que seus filhos poderão escutar, cometendo equívoco nas escolhas para o futuro destes.

Segundo Gesser (2009) e outros autores, há diferentes graus de surdez: 1) deficiência auditiva leve; 2) deficiência auditiva moderada; 3) deficiência auditiva severa; e, por fim, 4) deficiência auditiva profunda. Mas quando se fala em aparelhos auditivos, deve ficar claro que estes não possibilitam ao surdo restabelecer som, pois o aparelho contribui para amplificar o som que já ouvem ou ouvem mal, o que, em alguns casos, pode ao invés de ajudar o surdo, atrapalhá-lo e causar desconforto. A autora ainda nos traz informações sobre o implante coclear, ao qual alguns pais recorrem, acreditando que seus filhos poderiam ouvir com exatidão os sons. Nem sempre isso ocorre, e as contra-indicações desta intervenção cirúrgica e, na maioria dos casos, não são de fato explicadas. É necessário que os pais, ao escolherem determinados meios na tentativa para que seus filhos ouçam, pesquisem e se informem a respeito das vantagens e desvantagens desse tipo de procedimento. Conforme a autora Gesser (2006, p.82), “há um desejo de tornar os surdos ouvintes, e esse desejo passa pelo discurso da cura, que prega a recuperação da audição e o desenvolvimento de uma língua (neste caso, a língua oral)”.

Em algumas famílias, no início da aceitação da surdez de seus filhos, há resistências, não querendo enfrentar e utilizar recursos que são oferecidos para a inserção do surdo na sociedade. Por outro lado, pela falta de conhecimento da surdez, famílias recorrem ao primeiro método que lhes apresentam, pois acreditam que seus filhos surdos poderão ouvir e ser como ouvintes.

Diversos pesquisadores como Sacks (1998), Skliar (1998), De Paula (2009), Gesser (2009), entre outros, que estudam a surdez, apontam de forma predominante que é necessário que os surdos tenham acesso a instituições que lhes possibilitem contato com outros surdos e com sua língua materna, neste caso a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), para que estes se desenvolvam e conheçam a si mesmos. As comunidades surdas precisam compartilhar informações, na mesma língua, hábitos similares, costumes, modos e valores culturais, pautados na percepção visual, mantendo processo de comunicação efetiva e eficiente, para que estejam de fato incluídas na sociedade. Isso permitirá a construção de uma identidade positiva, o que possibilita participar na sociedade como cidadãos autônomos. Afirmamos, desse modo, que vivemos em uma sociedade intolerante, que não aceita diferenças:

Os amigos do surdo não o aceitam, porque ele é diferente. A sociedade não o aceita, porque ele é incompleto. Os familiares não o aceitam, porque ele é defeituoso. A escola não o aceita porque ele é deficiente. O surdo não se aceita, porque os outros não o aceitam. (BERNARDINO, 2001, p. 40).

Vários surdos acabam isolando-se em suas casas por sentirem vergonha, ou optam por passar maior tempo na escola, por terem com quem conversar (amigos surdos), pois, em muitos casos, familiares não dominam o uso da língua de sinais e acabam muitas vezes esquecendo-se de conversar e se comunicar com seus filhos. A família, ao escolher colocar seu filho em instituições que possuem metodologia de ensino específico, onde a Língua Brasileira de Sinais é trabalhada como primeira língua e a Língua Portuguesa como segunda língua numa perspectiva de Bilingüismo, muitas vezes sente-se preocupada, demonstrando, em grande parte, receio em relação a este processo. Esta resistência pode ser rompida por meio de conversas, debates, reuniões e trocas de experiências entre familiares e até consultando surdos adultos. Assim, em muitos casos, estas famílias acabam posteriormente aceitando e utilizando esta língua em seu cotidiano. Muitos passam a utilizá-la por acreditarem de fato que a LIBRAS deve ser a primeira língua de seus filhos, outros pelo simples fato de obterem resultados ao se comunicarem com seus filhos e não porque acreditem na LIBRAS. Ainda assim, observa-se que a aceitação do outro e suas diferenças como uma singularidade humana é uma necessidade às famílias e na própria sociedade:

[...] a alteridade do outro permanece como que reabsorvida em nossa identidade que a reforça ainda mais; torna-a, se possível mais arrogante, mais segura e satisfeita de si mesmo. A partir desse ponto de vista, o louco confirma nossa razão; a criança a nossa maturidade; o selvagem a nossa civilização; o marginal a nossa integridade; o estrangeiro o nosso país; o deficiente a nossa normalidade e vice-versa. (SKLIAR, 2000, p. 05).

Atualmente vemos um grande número de crianças surdas, filhas de pais ouvintes, chegando à idade escolar desconhecendo sua língua materna (LIBRAS), pois a língua utilizada pelas famílias, português oralizado, é apresentado-lhes de primeiro momento, não atribuindo significado algum. Mesmo assim, segundo a autora Bernardino (2001), a criança surda não tendo a mesma língua que seus pais, desenvolve língua visual - gestual.

Cabe aos pais com auxílio de profissionais especializados, escolherem a melhor maneira de inserir seu filho na sociedade, pois é preciso que seja conhecedor do processo de ensino do seu filho e o processo de integração deste na sociedade. Enfatizamos que não existe “conserto” para a surdez, ela deve ser aceita e liberta de preconceitos, ela não impossibilita o sujeito de ser absolutamente capaz de desenvolver habilidades, ser produtivo e competente. Como afirma Bakhtin (1979, p. 378): “tudo o que me diz respeito, a começar pelo meu nome, e que penetra em minha consciência, vem-me do mundo exterior, da boca dos outros (da mãe, etc.), e me é dado com a entonação, com o tom emotivo dos valores dele.”

Autores e pesquisadores como Sacks (1990), Sanchez (1996), Skliar (1997a), pensam que os familiares precisam fazer uso da língua de sinais, mas que não devem interromper a comunicação oral, principalmente nos anos iniciais da criança, pois mesmo que a criança não escute, ela esta aprendendo sobre a linguagem. Os pais de uma criança surda precisam participar da vida dela, trocar experiência e aceitar sua diferença.

De acordo com Bernardino (2001), há certos comportamentos questionáveis e até vistos como falta de educação dos surdos, deve-se, em muitas das vezes, à incompreensão das regras da sociedade, pelo que as mesmas lhes devem ser transmitidas com clareza, mostrando a objetos, trabalhando com gêneros, portadores de leitura e escrita, meios visuais, para que ele a compreenda e inclua-se socialmente, participando e obtendo entendimento.

A surdez em si não influencia o desenvolvimento sócio-emocional da criança, tudo dependerá das pessoas que participam do seu dia-a-dia e o que fazem para que esta criança progrida em linguagem, sociabilidade e comunicação. Stumpf, em sua recente defesa de tese, enfatiza essa afirmação:

Para a criança surda, aprender a escrever seu nome em escrita de língua de sinais tem um significado importante para sua auto-estima e possibilita sentir-se um sujeito surdo com identidade surda. Ele sente que não está só. Ele pertence a um grupo e tem um nome próprio dentro desse grupo que é uma marca de pertencimento. Uma criança surda que vive em uma família de ouvintes sente felicidade por estar adequada e incluída no grupo surdo. Aprender a escrever seu nome surdo garante motivação e interesse, pois o significado dessa aprendizagem é carregado de emoção que ativa a mente. (2005, p. 106).

As crianças surdas apresentam cultura própria e, muitas vezes, semelhante entre si. Porém, não podemos nos esquecer que cada pessoa é uma, e mesmo compartilhando uma cultura em comum, possuem diferenças.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme o exposto pode-se analisar que, para a criança surda, as decisões da família sobre sua educação e o olhar que possui em relação à criança é um fator decisivo para a aprendizagem e necessidades sociais básicas dela. Estas necessidades deverão fazer com que tal criança se desenvolva e conviva cada vez mais com outras fora do círculo familiar, crianças que, por sua vez, proporcionem convivência em grupos amplos de indivíduos.

Fica evidente que a família possui papel fundamental no processo de socialização da criança surda com o meio, cabendo àquela ter uma posição clara sobre a surdez e suas concepções, precisam ter consciência de que o surdo deve ser aceito em suas diversidades e ser membro da sociedade, participar, vivenciar, estar entre outros surdos, viver normalmente com os ouvintes, interagir e ser aceito, pois, de acordo com Ferdinand Berthier (1845), surdo francês: “o que importa a surdez da orelha, quando a mente ouve? A verdadeira surdez, a incurável surdez, é a da mente”.

Na primeira infância, as interações ocorridas desempenham um papel determinante no desenvolvimento social da criança. O presente artigo ressalta que a voz dos pais pode ser compensada com estímulos tais como: sorrisos, carícias, expressões e etc.. No entanto, somente isto não será suficiente para manter uma relação de comunicação com as crianças, ainda mais quando estas começarem a se desenvolver e crescerem, cabendo aos pais procurarem educação especializada para estas crianças, mediada pelo uso da LIBRAS.

Demarcamos ainda que o trabalho de inserção da criança na sociedade, sendo esta reconhecida em sua diferença, não é papel somente da família, mas também dos profissionais da saúde, educadores, membros da sociedade, cabendo a estes incluí-la de fato na sociedade ouvinte majoritária, lutando contra discriminações e preconceitos, em busca de direitos e reconhecimento.

Concluímos dizendo que crianças surdas possuem linguagem e criam hipóteses sobre diferentes significados que, conforme Rodrigues-Moura (2008), muitas vezes estes acabam sendo desenvolvidos individualmente, correndo o risco de serem até mesmo reprimidos por não conseguirem comunicar seus pensamentos por meio da escrita, do oral, ou mesmo da LIBRAS. Entretanto, quando o surdo possui acesso à educação especializada para atender suas necessidades, no caso escolas, professores habilitados, língua de sinais, educadores que a entendem, ele se desenvolverá normalmente e poderá estar preparado para utilizar o sistema de leitura e escrita, envolver-se e participar em sociedade, agir e ingressar no mundo profissional. Portanto, cabe à família e sociedade como um todo, aceitar o surdo em suas diferenças e particularidades, sua cultura, costumes e necessidades, pois:

Quando aceito a língua de outra pessoa, eu aceitei a pessoa... A língua é parte de nós mesmos... Quando aceito a língua de sinais, eu aceito o surdo, e é importante ter sempre em mente que o surdo tem direito de ser surdo. Nós não devemos mudá-los; devemos ensiná-los, ajudá-los, mas temos que permirtir-lhes ser surdos... (Terje Basilier, psiquiatra norueguês, 1993).


BIBLIOGRÁFIA

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1979.

BERNARDINO, Elidéa. Absurdo ou Lógica? Os surdos e sua produção lingüística. Minas Gerais: Espaço, 2001.

BLANCK, Guillermo. Vygotsky: o homem e sua causa. In: MOLL, L. C. (org.) Vygotsky e a educação: implicações pedagógicas da psicologia sócio-histórica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

DE PAULA, Liana Salmeron Botelho. Cultura escolar, cultura surda e construção de identidades na escola. In: Revista Brasileira de Educação Especial, vol. 15, nº 3. 2009.

GESSER, Audrei. LIBRAS? : Que língua é essas? : Crenças e preconceitos em torno da língua de sinais e da realidade surda. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.

GESSER, Audrei. “Um olho no professor surdo e outro na caneta”; ouvintes aprendendo a língua brasileira de sinais. Tese de doutorado inédita, Campinas: UNICAMP, 2006.

RODRIGUES-MOURA, Débora. O uso da LIBRAS no Ensino de Leitura de Português como segunda língua para Surdos: Um estudo de caso em uma perspectiva bilíngüe. Dissertação de mestrado, São Paulo: PUC, 2008.

SACKS, Oliver. Vendo Vozes: Uma viagem ao mundo dos surdos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

SILVA, Angélica Bronzatto de Paiva; PEREIRA, Maria Cristina da Cunha; ZANOLLI, Maria Lurdes. Mães ouvintes com filhos surdos: concepção de surdez e escolha da modalidade de linguagem. In: Psicologia: Teoria e Pesquisa. Vol. 23, nº3, 2007.

SKLIAR, Carlos. Surdez - Um Olhar Sobre as Diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998. STUMPF, Marianne. Aprendizagem de escrita de língua de sinais pelo sistema signwriting: língua de sinais no papel e no computador. Tese (doutorado). Porto Alegre: UFRGS, CINTED, PGIE, 2005.

WILCOX, S., & WILCOX. P. P. Aprender a ver . Rio de Janeiro: Arara Azul. 2005.






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