"Cor Luz, Cor Pigmento - A Física e as Artes"
Entrevista com Ítalo Francisco Curcio

Edição Nº 90 - Janeiro de 2018


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"Cor Luz, Cor Pigmento - A Física e as Artes" Entrevista com Ítalo Francisco Curcio realizada pela jornalista Simone Alauk¹


  • Quem é Ítalo Francisco Curcio
  • Sobre o livro "Cor Luz, Cor Pigmento - A Física e as Artes"

  • Repórter: Você acaba de publicar um livro. Poderia nos falar em termos gerais do livro e qual é a história desse livro.

    Ítalo: Bem, com relação à história deste livro especificamente, penso que convém destacar um ponto que julgo importante, que é o da minha formação acadêmica.
    Minha primeira graduação foi em Física, Matemática e Química, só depois de dez anos, conclui nova graduação, que foi a de Pedagogia. No entanto, desde 1978, atuo na formação de professores e, por isso, sempre tive muito interesse em trabalhar temas interdisciplinares. Lembro que a Física é uma ciência natural, e é tida como a básica dentre todas as Ciências da Natureza. Deste modo, sinto-me à vontade para falar acerca do conteúdo deste livro, que contempla a interdisciplinaridade entre três ciências naturais: Física, Química e Biologia; com as artes, particularmente, acerca do tema Cor.
    Depois de meu mestrado, em Engenharia de Materiais, procurei um tema interdisciplinar para o meu doutorado e verifiquei que para atingir o meu objetivo, a linha de pesquisa deveria contemplar não somente as ciências naturais, como também as ciências humanas e mais especificamente as Artes que exploram e se utilizam das cores. Com isto, conclui que o Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, era exatamente o que procurava, pois conseguiria desenvolver nele um trabalho que atenderia aos meus anseios. Assim, surgiu o projeto: “Cor Luz, Cor Pigmento, A Física e as Artes”.
    Depois de haver concluído meu doutorado e continuado a pesquisar e publicar artigos ligados ao tema de minha tese, pensei que era chegada a hora de fazer uma publicação ainda maior, que pudesse abordar o assunto com muito mais riqueza e detalhes, diferentemente de um artigo científico, que é geralmente muito conciso, pela especificidade, normalmente exigida. Com tudo isto, nasceu a ideia do livro e hoje é uma realidade. Deu muito trabalho, mas valeu o esforço, estou muito feliz com o resultado.

    Repórter: Você poderia nos contar um pouco mais sobre a sua trajetória acadêmica e a escolha deste tema de pesquisa para a elaboração de seu livro?

    Ítalo: Embora eu já tenha falado um pouco, acerca de minha trajetória acadêmica, na resposta anterior, gosto de repetir uma frase proferida por um de meus professores, quando fiz minha Pós-Graduação em Física Nuclear, na PUC de São Paulo, o Prof. Dr. Marcelo Damy de Souza Santos. Aliás o primeiro físico brasileiro, formado no Brasil. Prof. Damy, como carinhosamente o chamávamos, me disse certa vez: “Tudo o que você aprende, lhe será útil em algum momento”.
    Devido às várias linhas de estudo que segui, e continuo seguindo, que envolvem diferentes áreas do conhecimento, esta frase me persegue até hoje, mesmo depois de quase quarenta anos.
    Como disse antes, formei-me primeiramente em Física, com habilitação em Matemática.
    e Química, depois fiz Pedagogia, para completar uma formação que sempre julguei importante, a de ser um Professor que fosse mais que um mero conhecedor do assunto que lecionava. Depois de concluir o curso de Pedagogia, não só entendi, como assumi o fato de que ser Professor é mais que professar um conhecimento. Ser professor significa: Professar, Ensinar e Educar. Ainda mais, quando atuamos na formação de formadores, como eu, que trabalho com a formação de novos professores, que ensinarão tanto na Educação Básica, quanto na Educação Superior. Por isso, sempre me interessei em estudar diversos temas, transitando entre as Ciências Naturais, as Ciências Humanas, a Filosofia, a Teologia e as Artes. Tenho tido a oportunidade de ser convidado para proferir palestras e conferências, participar de comissões avaliadoras e científicas, como também de publicar artigos em revistas e anais de congressos nacionais e internacionais. Há 40 anos sou professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, e hoje, além da docência, exerço o cargo de Coordenador do Núcleo de Ética e Cidadania.
    Quanto à escolha do tema, posso dizer que foi o coroamento de minha busca, pois meu objetivo era poder trabalhar com diversos conhecimentos que se relacionam entre si, para poder mostrar a importância que as ciências da natureza têm no desenvolvimento de trabalhos ligados a outras áreas. O mundo das cores é fascinante, me motiva muito, por isso, nada melhor que desenvolver uma pesquisa que contemplasse tudo isto. Depois do término do livro, concluí que era mesmo o que eu queria.

    Repórter: Poderia nos explicar como chegou a esta relação da Ciência e da Arte?

    Ítalo: Para responder à esta pergunta, destaco inicialmente que eu entendo o homem como um ser essencialmente interdisciplinar, desde a sua origem na face da Terra.
    Entendo que a Natureza é interdisciplinar e considero que o homem, como seu “mordomo”, como seu cuidador, também surgiu interdisciplinar. Todavia, a partir de estudos cada vez mais restritos a partes específicas da Natureza, da curiosidade e interesse, o conhecimento humano acabou sendo setorizado, porém não interdependente.
    A História é uma das maiores riquezas da humanidade, seu legado é fantástico e é ela quem nos proporciona informações que nos levam a reflexões e conclusões na contemporaneidade, úteis para o prosseguimento e avanço do conhecimento.
    As artes, por exemplo, objeto de estudo durante meu trabalho, que resultou neste livro, evoluíram ao longo da história da humanidade e esta evolução só pode ser explicada pelo fato de dispormos registros, diretos e indiretos. Com isto, estudiosos das diferentes áreas do conhecimento, como físicos, biólogos, químicos, geólogos, historiadores, filósofos, sociólogos, enfim, vários pesquisadores, legam às sucessivas gerações informações que permitem entender por que, para que e como as artes evoluíram. Ora! Depois desta abordagem, fica claro que as Artes e as Ciências têm muito em comum. Assim, como cientista, conclui que as Artes e as Ciências não são apenas inseparáveis, mas, interdisciplinares entre si. Detalhe: Digo Ciências Naturais e também Ciências Humanas.

    Repórter: Após a elaboração de sua tese é possível reconhecer quais seriam os desdobramentos possíveis para uma teoria das cores nos tempos atuais?

    Ítalo: Dentre as diferentes formas de reprodução das cores, que o homem descobriu ao estudar a Natureza, posso dizer que não há limites para sua criatividade. Não consigo ver um fim para a evolução do estudo, produção e aplicação das cores.
    Quem poderia imaginar, há menos de dois séculos, por exemplo, que o homem seria capaz de reproduzir imagens de seu próprio corpo ou de outros componentes da Natureza, com as mesmas cores que ele percebe ao ver o objeto original? E ainda: Com as formas, contornos, sombras, sobreposições, etc.
    Pois bem! Esta reflexão baseia totalmente a teoria das cores, ou teorias, quem sabe.
    Se antes, a teoria das cores se baseava exclusivamente à cor pigmento, com a descoberta do espectro eletromagnético e o desenvolvimento de um novo modelo para o estudo da luz, a teoria das cores passou a contar com outros fundamentos, agora os da Física. Mas, não se pode esquecer que a percepção das cores, por meio da visão, depende de conhecimentos ligados à Química e à Biologia. Assim, creio que a teoria das cores pode se desdobrar além do que já ocorreu. Mas, não consigo antever.

    Repórter: Qual é a relação que se estabelece entre as cores e as artes?

    Ítalo: Creio que a resposta a esta pergunta pode ser direcionada por diferentes caminhos. Dentre estes posso destacar pelo menos três: a Linguagem, uma vez que as cores podem ser usadas como elementos de informações; a Forma de Obtenção, pois, neste caso, dependendo da arte à qual uma pessoa se refere, tal forma poderá ter um papel decisivo na aplicação ou no uso da cor ou das cores; a Afeição e Mensagem, considerando que, independentemente da Arte referida, o sujeito que a aprecia ou a percebe será mais influenciado ou menos influenciado pela mensagem recebida a partir da obra. Enfim, poderíamos pensar outras relações. De certo, não são poucas o livro traz mais respostas para esta pergunta.

    Repórter: Quais seriam as principais vertentes sobre o conhecimento da Luz em relação à elaboração das Ciências Humanas e Naturais.

    Ítalo: Não sei se entendi bem a pergunta, mas aproveito para falar um pouco das próprias ciências. Por que as ciências são assim classificadas? Eu aceito a tese de que as ciências humanas e as ciências naturais são o resultado daquela setorização do conhecimento, da qual falei anteriormente. Antes disto, porém, deve-se ressaltar que o próprio conceito de ciência sofreu alteração, a partir do desenvolvimento do método experimental, por Galileu Galilei, e do método científico, por Francis Bacon, no século XVI. Considerando, portanto, o conceito atual de ciência e esta setorização do conhecimento, os estudos científicos feitos acerca do comportamento do ser humano passaram a compor o campo das chamadas Ciências Humanas, enquanto que os estudos científicos feitos acerca da Natureza “como um todo”, compuseram ou compõem o campo das chamadas Ciências Naturais. Diante destes conceitos, pode-se perceber que o estudo da Luz pode ser feito tanto sob o ponto de vista das Ciências Humanas, quanto das Naturais. O próprio estudo da percepção das cores pode ser feito sob esta diferenciação. Portanto, pode-se pensar, por exemplo, na vertente da Luz como linguagem, conforto ambiental, ou bem-estar físico, por exemplo, em termos de Ciências Humanas, enquanto se fala em propagação da luz, produção de luz ou tipos de luz, dentre outras possibilidades, quando se fala em termos de Ciências Naturais.

    Repórter: Qual é para você o conceito de Luz, da natureza da luz e da produção das cores? .

    Ítalo: Quando se fala em conceito de determinado assunto, geralmente, é porque o mesmo não permite uma definição. Assim, eu considero que conceito se assimila, enquanto definição se aceita ou se rejeita. Portanto, uma concepção é subjetiva e uma definição é impositiva.
    Como a pergunta se refere ao meu conceito, minha resposta acaba sendo influenciada diretamente pela minha formação acadêmica e pela minha formação cultural, que combinam tanto com as Ciências Naturais, quanto com as Humanas.
    Eu concebo a luz como uma das manifestações proporcionadas pela Natureza, que, por sua vez, nos permite perceber as formas e as cores dos corpos, por meio de nosso sistema visual. A Natureza da Luz, sob o ponto de vista óptico, portanto, no que diz respeito à sua percepção é entendida a partir do modelo aceito atualmente, que se baseia no conceito de Onda Eletromagnética. Na Física, estuda-se o chamado espectro eletromagnético, que compreende o conjunto de todas as ondas eletromagnéticas, numa sequência de sucessivas frequências ou de comprimentos de onda. A interação destas ondas com os diversos componentes da Natureza varia de acordo com sua frequência e com o componente. Existe um pequeno intervalo “dentro” deste espectro, o qual é definido pelas ondas eletromagnéticas que, ao interagirem com o olho humano, fazem com que o sujeito perceba a forma e as cores dos corpos colocados à sua frente. Estes corpos são os emissores da luz que interagirá com o olho e esta emissão pode ser a partir de uma “produção” própria, como por reflexão. Quando a luz emitida por um corpo é produzida por ele mesmo, por exemplo, uma lâmpada, a chama de uma vela, o Sol, etc., este corpo é chamado de Fonte Luminosa Primária. Se a luz emitida pelo corpo foi apenas por reflexão, este corpo é, então, chamado de Fonte Luminosa Secundária.
    Falando de produção de cores, não se pode omitir o fato, bem destacado no livro, de que as cores percebidas pelo olho humano decorrem sempre de cor luz, pois o olho só é sensibilizado por ondas eletromagnéticas, de frequências na faixa chamada Luz. A percepção da cor se dá em decorrência da fisiologia humana, por um complexo efeito que é “decodificado” pelo cérebro, depois de receber a informação enviada a ele, como um pulso elétrico, por meio do sistema nervoso.
    Todavia, a produção de uma cor é concebida tanto como originalmente de natureza eletromagnética, e então a denominamos Cor Luz, quanto a partir de um material que tem a propriedade de emitir as ondas eletromagnéticas com a frequência de uma determinada cor. Neste último caso, este corpo é constituído de um material que contém minúsculas partículas, que possuem esta propriedade. Estas partículas são os denominados pigmentos, por isso, a luz proveniente delas é chamada Cor Pigmento.

    Repórter: Como você vê a física moderna e as problemáticas do abandono da filosofia natural para resolução de novos conceitos? .

    Ítalo: A esse respeito, eu não vejo problemática ou, como dizem algumas pessoas, conflito.
    O ser humano aprendeu a perceber fenômenos e pormenores da Natureza ao longo de sua existência e seus conhecimentos foram passados às sucessivas gerações, quase sempre de forma cumulativa, por isso, o homem contemporâneo possui muito mais conhecimento que o de seus ancestrais. Um pensador argentino, chamado Oscar Oñativia, nos diz que “a percepção não é a priori um sentimento que se encontra na construção elementar de toda a visão do mundo, senão um produto cultural complexo”, por isso, o que ocorreu a partir de um certo instante foi que o ser humano passou a perceber a Natureza de outras formas, no caso, o que chamamos de Ciência.
    Eu creio que a Filosofia Natural não deixou de existir, ela apenas passou a ser menos estudada, menos interessante, quando comparada ao estudo das Ciências.
    Eu penso que este fato ocorreu, pois, as Ciências conseguiram dar respostas mais rápidas e aparentemente mais convincentes às indagações feitas com relação tanto aos chamados fenômenos naturais, quanto aos fenômenos comportamentais, falando-se especificamente do homem.
    A Física, por ser uma ciência, e particularmente a denominada Física Moderna, que compreende o estudo da Física a partir do final do século XIX, com estudos detalhados da constituição da Matéria, passou a ter uma importância maior, sobretudo, frente ao desenvolvimento tecnológico, que já vinha ocorrendo desde a Revolução Industrial, ocorrida entre meados do século XVIII e início do século XIX, na Europa.
    Considerando o caso particular do estudo das cores e de suas aplicações, percebe-se claramente que esta mudança do ser humano, de valorizar menos a Filosofia Natural e aceitar a Física em seu lugar, proporcionou grande avanço nas Artes, com o surgimento da Fotografia, da Cinematografia, das Imagens Digitais, das iluminações ambientais, etc.
    Por isso, não vejo como uma problemática, mas como uma mudança de paradigma.
    Quem nos garante que daqui a algumas gerações o ser humano não encontre ou opte por outra forma de desenvolver seus conhecimentos e abandone a Ciência? Esta indagação fica como uma reflexão.
    Repórter: Nos explica estes conceitos chaves em seu livro: Cor Luz e cor pigmento.

    Ítalo: Creio que já falei a esse respeito em respostas anteriores, mas posso fazê-lo de forma mais sucinta, lembrando que esta denominação não se dá à cor percebida pelo sistema visual do homem, mas a partir de sua origem.
    Chamamos de cor luz a cor obtida a partir da emissão de ondas eletromagnéticas, de frequências na faixa da luz, produzidas por efeitos que ocorrem independentemente da existência de materiais. A cor pigmento é a que é percebida a partir de corpos, cujos materiais que os constituem possuem a propriedade de refletir a luz que sobre eles incide, de acordo com determinada cor. Estes materiais são constituídos de minúsculas partículas que possuem tais propriedades.

    Repórter: E como você vê a relação cor e movimento?

    Ítalo: Podemos falar acerca da relação cor e movimento, de forma abstrata.
    Alguns artistas utilizam combinações de feixes luminosos, cujas fontes se movimentam, em relação ao ambiente, ou corpos multicoloridos, que se movimentam em relação à uma fonte de luz, para obter efeitos visuais abstratos. Digo abstratos, pois as pessoas não teriam a mesma percepção das cores se fonte luminosa e objetos iluminados estivessem parados um em relação ao outro. Embora toda percepção de cor possa ser entendida como uma ilusão de óptica, neste caso particular, tais artistas conseguem proporcionar ilusões diferentes das habituais.

    Repórter: E sobre a relação entre a sensação e as cores, como você vê a uma apropriação Estética?

    Ítalo: Vejamos que esta pergunta tem uma conotação filosófica, que vai além do conceito artístico popular e quem sabe até científico. O que se entende por Estética? A Estética está ligada ao estudo da beleza, ao estudo de fundamentos das Artes.
    Sob este aspecto, portanto, devemos entender a particularidade de cada observador, que percebe as cores e as assimila de acordo com sua sensação particular. Em ambientes onde se tem uma só cor, certo indivíduo pode ter uma sensação diferente de outro, não somente por causa da cor específica, mas, também por sentir a ausência de outras cores, que lhe proporcionariam um efeito mais agradável ou menos agradável. Já, em ambientes multicoloridos, as reações podem ser diferentes entre esses mesmos indivíduos, agora pelo fato de cada um deles manifestar uma sensação decorrente de uma combinação ou não dessas cores, segundo sua percepção.
    Neste caso, falando-se particularmente de Arte, aquele que faz uso da composição de cores deve ter um profundo conhecimento do que é propriamente a Estética e saber conciliar cores que atendam aos objetivos estabelecidos para o seu produto.
    Menciona-se, porém, que a relação entre sensação e cores, e uma apropriação Estética, não se restringe às Artes. Fala-se hoje em terapia clínica, com base no uso da combinação de cores.
    Esta terapia proporciona ao sujeito que dela se utiliza sensações específicas que, segundo especialistas, lhe dão bem-estar emocional. Algumas clínicas que oferecem este tipo de serviço, conhecido por Cromoterapia, aplicam o processo no paciente, inclusive com o objetivo de natureza estética do corpo.

    Repórter: Sobre as cores nos períodos históricos, quais seriam os destaques das especificidades técnicas e do artista?

    Ítalo: Esta pergunta é muito abrangente, pois como já se infere em seu início, as cores nos períodos históricos foram utilizadas por diferentes motivos.
    Como até pouco tempo atrás a reprodução das cores era feita basicamente com o uso de pigmentos, portanto, materiais sólidos, as especificidades técnicas dependiam de diversos fatores, dentre os quais a disponibilidade de materiais encontrados na natureza que pudessem proporcionar as cores desejadas.
    Pode-se ver, por exemplo, em diversas cavernas existentes pelo mundo, pinturas feitas há milhares de anos, com cores específicas, cujo material utilizado era extraído da própria região, não havendo a possibilidade de reproduzir outras cores.
    Mesmo depois de se conseguir reproduzir várias cores, em períodos mais recentes, nem sempre se conseguia reproduzir a cor desejada, pelo fato de não se ter o pigmento necessário.
    Outra especificidade técnica está ligada ao objetivo da pintura.
    Embora muitas vezes pinturas encontradas por arqueólogos e demais exploradores sejam concebidas como Arte, tal conceito também é subjetivo. Existem registros que mostram claramente o uso das cores como linguagem, como formas de deixar mensagens.
    As diferentes religiões, por exemplo, utilizam-se muito da simbologia das cores para a transmissão de suas doutrinas, até hoje.
    Na idade Média, particularmente na Europa, desenvolveu-se a técnica de obtenção de vidros coloridos. Com isto pôde-se construir vitrais que passaram a ser utilizados em residências, templos religiosos, palácios de governos, com combinações de cores pré-concebidas. No caso de templos religiosos, estes vitrais apresentavam motivos doutrinários, em residências, identificações e especificidades da família, nos palácios de governos, fatos históricos. Enfim, os vidros coloridos foram mais uma forma de reprodução de cores.
    Vejamos que com isto volta-se ao conceito de Arte e o artista, em particular, passa a ser o responsável pela obra.
    Com a evolução de outros elementos importantes para a obtenção dos objetos de suporte das cores, como paredes cerâmicas, telas de tecidos, madeira, lâminas metálicas, etc., houve também a evolução das técnicas de pintura e, consequentemente, das técnicas de obtenção de pigmentos, até chegarmos ao século XX. Depois desta época, quando a chamada Cor Luz passou a ser largamente conhecida, passamos a ter a utilização de diversas técnicas de reprodução de cores, que são adequadamente combinadas, de acordo com os interesses e necessidades do usuário, artista ou não.

    Repórter: Sobre a relação desafios e opacidade, como você vê a relação Arte e Ciência para a experiência e a existência humana?

    Ítalo: Sob os conceitos da Óptica e mais especificamente da propagação da luz, entendemos que efetivamente a luz só se propaga livremente no vácuo, ou seja, em regiões onde não existe nada. Mesmo assim, pelos modelos estabelecidos pela Física Moderna, em particular, pela Mecânica Relativística, entende-se que a Luz sofre interferências pela presença de outros campos eletromagnéticos e também por campos gravitacionais. De qualquer modo, sua velocidade não é afetada por estas interferências. Todavia, quando a luz se propaga em meios materiais, sua velocidade de propagação sofre alterações, por isso, costuma-se classificar, grosso modo, os meios materiais, com relação à propagação da luz, como transparentes, translúcidos e opacos.
    Exemplos de meios transparentes são materiais no estado gasoso, líquidos em repouso (sem turbulência), vidros de densidade homogênea, com superfícies lisas, alguns corpos de materiais poliméricos, etc. Meios opacos são aqueles que impedem a “passagem” da luz. Nesse caso, tais meios podem ser corpos que em vez de permitirem, através deles, a propagação da luz, que sobre eles incide, a mesma é refletida. Os meios ou corpos translúcidos, por sua vez, ficam num intermeio, pois permitem a propagação da luz, porém, com alterações, tanto na velocidade de propagação, quanto na direção e sentido.
    No caso particular dos meios ou corpos opacos, temos aí o efeito da reflexão da luz, de acordo com a cor pigmento que eles apresentam. O ser humano somente consegue visualizar corpos que são opacos ou translúcidos, pois esta visualização só é possível porque a luz refletida por eles atinge o sistema visual. Seria muito estranho pensar na possibilidade de termos a Natureza com todos seus componentes transparentes. Neste caso o sistema visual não faria sentido, pois, inclusive ele seria transparente e a luz o “atravessaria”, sem produzir efeito algum. Enfim isto é algo sem nexo.
    Deste modo, concluímos que é a opacidade que nos permite ter os efeitos da visão.
    A Arte, por sua vez, é uma das formas de exploração desta característica da propagação da luz, por isso, os artistas criam e inovam, a partir do estudo e da pesquisa acerca da utilização das cores. E também as ciências, sejam elas as Naturais, quanto as Humanas. Vejo, entre Arte e Ciências um “lindo casamento”. Quanto à existência humana, penso que devemos entendê-la a partir de nossos conhecimentos. Assim, creio que este “casamento” entre Arte e Ciência, pode até não ser o fundamento desta existência, mas, sem Arte e sem Ciência, não conseguiria conceber a existência humana, pelo menos a partir de nossa época.

    Repórter: Qual é o impacto na teoria das cores com o surgimento das imagens digitais?

    Ítalo: Como também comentei em respostas anteriores, entendo que o desenvolvimento das ciências e, neste caso, destaco principalmente as ciências naturais e mais particularmente ainda, a Física, fez com que os diferentes profissionais que se utilizam das cores avançassem em suas investigações. Estas investigações visavam e continuam a visar a reprodução cada vez mais fiel das cores percebidas na Natureza.
    Se até o final do século XIX a reprodução das cores foi com o uso de pigmentos e, com o avanço das tecnologias, conseguiram-se a partir do século XX produzirem-se outros métodos para a obtenção de cores, hoje já se domina muito bem o processo conhecido por Imagem Digital.
    Abro um parêntese nesta minha reflexão, para destacar que a pergunta foi feita corretamente, ou seja, a expressão tecnicamente certa é exatamente “Imagem Digital” e não “Fotografia Digital”, como se ouve com certa frequência no dia-a-dia. Isto, porque, a fotografia é uma forma de reprodução mediante o conhecimento de conceitos físico-químicos, que remete à própria palavra: foto-grafia, portanto, uma figura fixada com o uso da luz. A imagem digital é produzida por um processo eletrônico, que utiliza os conceitos e princípios do Eletromagnetismo. Sua visualização se dá numa tela, que não é resultado de nenhuma fixação ou grafia.
    Quanto à teoria das cores, especificamente, não existe impacto, pois esta teoria não depende necessariamente do modo pelo qual se obtém a cor, mas, da consistência da cor. Eu não sinto impacto pois, quando se fala de Teoria das Cores, estamos a falar da cor obtida, como produto final, de suas utilizações e de suas aplicações. O processo ou os processos utilizados para a obtenção da cor envolvem principalmente teorias físicas e químicas.

    Repórter: Qual é a relação que você vê entre tecnologia e linguagem? E Arte e Óptica?

    Ítalo: Gostei muito desta pergunta porque nos permitirá refletir um pouco sobre os significados originais das palavras tecnologia e arte.
    A palavra tecnologia, tem origem grega, τεχνη (tekné) + λογια (logia), que pode ser traduzida pontualmente como “estudo da arte”. A arte, neste caso, é o trabalho desenvolvido pelo artesão. Com sua evolução, esta palavra tem hoje um significado muito mais abrangente.
    Portanto, responderei à esta pergunta, baseado no conceito contemporâneo da palavra tecnologia, e não no original grego.
    Outro conceito muito complexo é o de linguagem.
    Esta palavra também evoluiu muito desde o início de seu uso, até a atualidade. Pode-se entender hoje, que linguagem é toda forma de comunicação que utiliza quaisquer signos convenientes e não somente as palavras pronunciadas oralmente, com o uso da lingua, como órgão do corpo humano. Portanto, podemos citar diversas linguagens utilizadas pelo homem há muito tempo, como o Vocabulário referente a certo idioma, a Escrita, a Grafia, a Música, a Matemática, Lingua de sinais usadas para pessoas surdas e as Cores, dentre outras.
    A partir do momento em que o homem percebe que pode melhorar seu conforto com o uso da tecnologia, ele busca uma forma para lograr êxito.
    No caso das diferentes linguagens, é isto que ocorre: a tecnologia passa a ser utilizada para auxiliar a transmissão destas linguagens.
    Porém, vejamos que algo curioso ocorre nesse contexto: é o fato de que para o desenvolvimento da tecnologia, podem ser utilizadas diversas linguagens. Com isto, passamos a ter um círculo vicioso, ou seja, a tecnologia auxilia na linguagem e a linguagem auxilia na tecnologia. Assim, vejo hoje uma indissociabilidade entre elas.
    Quando se pergunta a relação entre Arte e Óptica, num primeiro momento poder-se-ia pensar apenas na relação entre Arte e Côr, por ser a côr estudada em Óptica. Mas, eu vou mais longe. A relação entre Arte e Óptica não está apenas na utilização das cores mas em outros conceitos também, pois uma das formas, senão a mais comum, de se estudar, apreciar e avaliar Arte é por meio do sistema visual, embora não seja a única.
    Diante disto, sendo o sistema visual sensibilizado pela luz, a relação entre Arte é Óptica é algo intrínseco. Vejamos que além das cores, a Arte faz uso dos conceitos de escuro, claro, sombra, penumbra, etc.

    Repórter: Podemos discorrer um pouco mais sobre a concepção das cores presente na simbologia cultural da humanidade?

    Ítalo: Claro!
    Esta pergunta remete a outras, feitas anteriormente, incluindo esta última, acerca da linguagem.
    Como disse antes, as cores utilizadas ao longo da história da humanidade nem sempre apresentaram significado. Em muitos casos a cor utilizada acontecia simplesmente pelo fato de não se ter possibilidade de utilizar outra, e por diferentes razões.
    As cores passaram a ser utilizadas como simbologia e como linguagem, depois que o homem teve a possibilidade de reproduzir várias cores.
    O livro fala muito sobre isto.
    Até hoje as cores são muito utilizadas para simbolizar um pensamento, um conceito filosófico, uma mensagem religiosa, uma ideologia político-social, etc. Esta simbologia que se apropriou das cores disponíveis na Natureza decorreu de valores étnicos e consequentemente culturais.
    Além das cores, citamos o conceito de claro e escuro, ou branco e preto, que não são considerados cores.
    Deste modo, dependendo da cultura ou mesmo de segmentos de uma mesma cultura, as cores são largamente utilizadas como símbolos e também como linguagem.
    Vejamos por exemplo, o caso da simbologia religiosa do cristianismo tradicional. Neste caso, existem cores específicas para distintas mensagens ao longo do calendário litúrgico.
    Isto não ocorre apenas com o cristianismo, mas também com o judaísmo, islamismo e outras religiões.
    Em nossa sociedade possuímos diversos símbolos, com base em cores, como o semáforo, no trânsito de veículos e de pessoas; uniformes profissionais, utilizados segundo uma hierarquia ou funções específicas; bandeiras e flâmulas para identificarem uma nação, uma ideologia ou um partido político; como também de determinada instituição.
    Como vemos, poderíamos passar muito tempo falando apenas sobre o assunto desta pergunta.

    Repórter: Qual seria a evolução do pensamento científico e da arte em paralelo a evolução das cores?

    Ítalo: Começarei a responder esta pergunta, de trás para frente, começarei falando da evolução das cores, pois esta colocação é perigosa, pode nos trair nos comentários.
    Eu penso que as cores em si não evoluíram, pois elas sempre existiram, desde que surgiu o Universo, ou mais especificamente a Luz. O que ocorreu, foi uma evolução das formas de reprodução e obtenção das cores, por parte do homem. Então, eu digo que, a partir da evolução do pensamento científico, com a descoberta ou identificação de fenômenos naturais, foi possível evoluir também nas formas de reprodução das cores. Citamos, por exemplo, a importante contribuição da evolução da Química, na obtenção de novos pigmentos para a produção de tintas.
    Destacamos também a identificação do Espectro de Cores, por Isaac Newton, quando conseguiu “decompor” a luz branca, que passou a chamar-se policromática, ao permitir que um feixe luminoso passasse por um prisma de vidro. A partir deste experimento, muita coisa mudou, com relação à reprodução das cores.
    Paralelamente, uma das áreas das ações humanas que muito se beneficiou foi a Arte em geral, pois, com a evolução científica, tanto no campo Natural, quanto Humanístico, permitiu-se mais criatividade e inovação.

    Repórter: Qual é a influência dos adventos tecnológicos no processo da linguagem das cores?

    Ítalo: A partir da Revolução Industrial, que mencionei anteriormente, ocorrida aproximadamente dois séculos depois da chamada Revolução Científica, do século XVI, houve grande avanço tecnológico, sobretudo na Europa e América do Norte. Hoje, este avanço já está internacionalizado, sendo quase impossível distingui-lo nas diferentes nações, a menos daquelas consideradas ainda muito atrasadas no contexto econômico-social.
    Com isto, todas as áreas do conhecimento acabaram sendo afetadas com esta evolução das diferentes tecnologias, e com o conhecimento das cores não foi diferente, pois, além da ampliação na variedade de formas de reprodução, as novas tecnologias participaram e participam diretamente na difusão de linguagens que fazem uso das cores.

    Repórter: Podemos chegar a uma concepção das cores?

    Ítalo: Como também falei um pouco no início de nossa entrevista, embora não seja comum descrever certo conceito, pois os conceitos se assimilam, posso dizer de forma abrangente que as cores são percepções da quase totalidade dos seres humanos e de grande parte dos animais, ocorridas por meio do sistema visual, que permitem distinguir um meio material de outro. Porém, devemos lembrar que esta distinção não ocorre somente com as cores, por isso, destaquei que esta percepção deve ser pelo sistema visual. Os outros sentidos nos permitem distinções pelo tato, pelo olfato, pelo paladar e também pelo som. Continuo a defender a tese de que conceito não se explica!

    Repórter: O senhor é professor da Universidade Mackenzie. Que disciplina leciona?

    Ítalo: Sou professor do Mackenzie há 40 anos e, devido à minha formação, já fui professor de Física e de Matemática, por mais de vinte anos, ensinando diversos assuntos ligados a estas disciplinas. Paralelamente, ensinava também conteúdos de Pedagogia e de Filosofia, especialmente, Metodologia do Trabalho Científico, Didática, Filosofia da Educação e Filosofia da Ciência. Hoje continuo meu trabalho com conteúdos pedagógicos, como formador de professores, e também com o ensino de Ética e Cidadania e Introdução à Cosmovisão Reformada. Atuo como pesquisador dentro destas áreas e, na área administrativa, sou Coordenador do Núcleo de Ética e Cidadania e Cultura da Universidade.

    Repórter: Agora só as palavras de despedida. E caso tenha algum comentário que gostaria de fazer.

    Ítalo: Primeiramente agradeço a você, Simone, que mui gentilmente me convidou para esta entrevista, pelo seu carinho, e pela diversidade e alto nível das perguntas.
    Agradeço também à toda a equipe responsável pela criação e edição da Revista Pandora, que me deu a honra e o privilégio de participar desta edição. Espero não ter excedido os limites da edição, com minhas respostas, às vezes longas, e espero também que o conteúdo aqui deixado seja de muito proveito para os leitores, estudantes, pesquisadores e demais interessados.
    Grande abraço a você em especial e a toda a equipe que mencionei.





    ¹ A Entrevistadora:

    Simone Matos Alauk possui graduação em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Pós Graduação em Estética da Imagem em Movimento. Tem experiência na área de Comunicação, Estética e Cinema. Graduanda em Filosofia pela Universidade Mackenzie.





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    Fundada em 2017
    ISSN 2175-3318