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Palavras da Profª Drª Egisvanda Sandes no lançamento do livro de Jorge Luis Gutiérrez: Fragmentos de Ternura, Filosofia e Desterro

UMESPS, São Bernardo do Campo, 5 de Maio de 2006


Quero começar falando de Santo Agostinho, que, como ta!, se destaca entre os Padres; e, como Tomás de Aquino, se destaca entre os Escolásticos. Como Tomás de Aquino, se inspira na filosofia de Aristóteles e é considerado o maior vulto da filosofia metafísica cristã. Como Agostinho, inspira-se em Platão, ou melhor, no neoplatonismo. Ou seja, vê a filosofia tanto do ponto de vista da razão, como também da emoção, nos mostrando que estas duas partes são necessárias para que um ser humano seja completo.

E assim que vejo este escritor, Jorge Luis Sutiérrez: de um lado, um grande filósofo e, de outro, um grande poeta, cheio de ternura e desterro. Como filósofo, e também pesquisador, podemos encontrar em sua obra discussões sobre temas, como a eternidade, sobre a qual falavam os sumérios, o tempo, o ser ou não ser, os pré-socráticos, entre outros. Como poeta, na minha visão de linguista e apaixonada por muitas coisas do ser humano, o tema mais importante e no qual há muito mais emoção, é o amor.

Como dizia o próprio Santo Agostinho, "no essencial, a fidelidade; no resto, a liberdade; em tudo, o amor", ou ainda, "o meu amor é meu peso e para qualquer parte que eu vá, é ele quem me leva". Expressado dessa forma, vejo o amor muito mais presente em toda a obra de Jorge, porque em seus olhos o amor brilha e, com ele, outros sentimentos aparecem.

Os fragmentos, como ele mesmo diz, são "frações de vida", de uma vida que está preenchida por estes três elementos: a filosofia deste professor, mestre, doutor e pós-doutor, que mal nos deixa argumentar por tanto que sabe; o amor, com todos os versos de ternura; e a saudade de uma terra que lhe permite entrar em contato com elementos tão sublimes, inclusive, alguns com os quais tive o prazer de também entrar em contato, como as magníficas paisagens do Chile em épocas de outono1, ver as ruas cobertas pelas folhas, "marchitas hojas y doradas", assim como a suave brisa tanto na cidade, quanto nas montanhas, tanto do mar quanto da terra. "A primeira folha de outono", por exemplo, é um conto que nos mostra um pouco desses sentimentos de nostalgia, assim como o poema, para mim um dos mais belos, "o outono pensa que és folha", nos faz sentir um pouco desse doce fragmento de ternura e desterro. Também se nos mostra a presença do deserto e do oceano, do mesmo oceano, que determinou vários pontos sublimes da poesia do grande Pablo Neruda; oceano que às vezes traz uma calmaria e uma serenidade e, também, uma violência e uma força, tão representativo do ser humano com seus sentimentos. Com relação ao deserto, também vemos representadas a inquietude, a espera e a tranquilidade de um ser que nem sempre é tão quieto, tão paciente e tão tranquilo assim, como é Jorge. O conto "metro, estação "deserto"" é um grande exemplo.

Ainda, La Serena, cidade de tanto tempo de vida do nosso poeta, o inverno, o vale e tantas outras paisagens também estão bem presentes em seus contos e poemas, como em todas suas f rações de vida. Dessa forma, conclui-se que a natureza, em sua obra, não se limita apenas a representar, mas se configura como extensão do universo humano, Enfim, só lhe restava falar de amor... que é o ponto chave de sua obra, porque todos os pontos anteriores, ou seja, a filosofia, as paisagens e tantas outras coisas o determinam1, o desejo de ter o outro ser da forma mais pura, sublime, eterna e completa possível. "Poema de amor à maneira pré-socrática", por exemplo, demonstra que o amor são os quatro elementos (terra, água, fogo e ar), é o poema dos adjetivos, que indicam persistência e durabilidade, que transforma o ser amado em algo que se confunde com o ser que ama, pois já não se sabe se esse ser é o outro ou se o outro é esse ser, de tão fundidos que se encontram.

Como já dizia Camões, que lhes é tão familiar, o amor "é o fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer... é um estar preso por vontade", que nos faz servir a quem é o vencedor, ou seja, o ser amado, que em uma fusão com quem ama, é capaz de transformar "o amador na cousa amada", inclusive por "virtude do muito imaginar", pois em si tem "a parte desejada". O conto "ôiovanna e os poemas sumérios" fala sobre a eternidade do amor, sobre a necessidade de que seja eterno... algo que sentimos tanta falta nesses nossos dias em que todos os sentimentos são tão "efémeros". Outro, divino poema, entre tantos, ''suavemente teus beijos", descreve a doce sensação que pode causar uma das maiores formas práticas de se expressar o amor e o princípio de todos os outros contos e poemas que expressam o "querer". Enfim, são fragmentos de ternura, filosofia e desterro. Uma obra que não está vazia de conhecimento dos antigos e sábios pensadores e muito menos do sublime sentimento que, como diz Santo Agostinho, "para qualquer parte que eu vá, é ele quem me leva", o amor com toda a expressão de sua ternura.

Uma obra que, analisada desde o ponto de vista técnico, é uma grande referência, por ser uma edição bilíngue e por trazer elementos tanto da cultura chilena, quanto de uma visão exterior desta cultura e que, desde o ponto de vista teórico, é rica em "Fragmentos de ternura, filosofia e desterro".

Uma dúvida, entretanto, persegue o leitor em uma leitura cuidadosa e crítica da obra: se a pretexto do amor Jorge nos remete à filosofia, convidando-nos a uma reflexão sobre ela, ou se, ao contrário, Jorge, a pretexto da filosofia, nos convida a pensar o amor...






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