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RIMA DE INVERNO


A densidade do real
se objetibiza em tua carne
e a realidade de tua existência
se condensa nesta rima,
e a materialidade do inverno
desprende pedaços
de um amor ardente e presente
que se basta a se mesmo:
silencioso e ufano.

E frente a vivacidade de teu rosto
a escuridão diminui
e a tristeza é minguante,
decrescente,
descendente,
agonizante.

E pondero que
com tua reminiscência
o pessimismo
vai a se enferrujar
neste inverno,
vai se encher de mofo,
vai se corroer
e carcomer-se.
vai ficar cheio de traças,
estragar-se,
inutilizar-se,
vai roer-se,
vai gastar-se,
vai socavar-se,
vai riscar-se.

Pois, frente
a nudez de tua pele
e ao doce auge de tua voz;
a desolação é
nada mais que
um resumo
deprimente e pálido.

E o Inverno deixa de
ser uma obra sombria:
de cores desoladas,
de desventurado frio,
de murcho acontecer.

E sento que te amo
e sento meu desejo
e desejo amar-te
e amo desejar-te.
E defino que a alusão
ao desamor
é velha e corroída,
gasta pelo vento,
carcomida pelo tempo,
coberta de mofo.
Completamente
desamparada
e solitária.

E me chega neste inverno
a alegria de tua luminosidade,
a festa de tua imanência,
o regozijo de tua permanência
e a exaltação de tua verdade:
tua fisionomia aninha
radiante e risonha
no ventre
de um inverno
tenaz e pálido.

E me vou venturoso
por este clima macilento,
sob a chuva lânguida,
com meu amor por ti
esplendoroso,
forte, animado,
vigoroso e fresco:
que vive para nascer
e nasce para viver.

E volto a recrear-te,
inventar-te e pensar-te
com os sabores do inverno
e te amo com todas as geadas
e toda a neve
e tudo o cinza da tarde;
e sou feliz porque sei que existes
e te amo intensamente
e volto a amar-te
espaçosamente,
vivamente,
vitalmente,
e no inverno sento
que te amo,
—só que te amo—
que te amo.
e o inverno se apazigua
com só nomear-te,
com só sentir
a alegria infinita
de poder amar-te.

E te convido a invernar
junto ao fogo
da minha alma,
onde poderás
aconchegar-te,
agasalhar-te,
e abrigar-te
com toda a ternura
e todo o calor
dos cobertores de meu leito.

Pois hoje que a bondade
tomou minha vida
e a gratidão
cresce em meu jardim,
reconheço nas nuvens
meu destino primeiro
e diviso em ti
um itinerário sem fim.

E agora,
quando o solstício
chegou tranqüilamente
e a chuva cai
e me sento feliz,
eu tão só te vejo
nos diáfanos tons
deste raiar
presente e cálido.

E não se que fazer
ante a magna aurora.
E repito teu nome
sem nada dizer.

És só silêncio,
silêncio infinito,
plácido silêncio,
que envolve meu ser.

Rima minha terrena,
canto meu profano,
fragmento de minha vida,
ternura de meu ser,
banquete inesgotável,
desejo perdurável,
que te vais aproximando,
até o ponto mais perto
do que já não é possível voltar.

E eu vou pelo inverno
e és só inverno...
neste doce inverno.


Poema de Jorge Luis Gutiérrez (Chile)
Poema publicado no Livro
“Fragmentos de Ternura, Filosofia e Desterro”
São Paulo - 2006