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O OUTONO PENSA QUE ÉS FOLHA


I

Tua silhueta descalça
na beira mais diáfana
do rio da vida,
transluze pelas ruas
uma eterna ternura
e uma imanente doçura,
ilimitada, infinita.

Amor e tempo se unem
quando vais sorrindo.

E a transcendência
de minha alma ensolarada
fica enredada
na paz de tua luz.

E me vou por teu corpo
sem saber os caminhos.

Sem saber meu destino.

E as neves do tempo
suavemente caem
sobre tua nudez.

E penso em ti
sob o sol da tarde,
e meus olhos se saturam
de uma felicidade
ardente e seca
e um caloroso desejo
se apodera de mim.

E és meramente ausência:
és um salar
ressequido e chamejante.

E o frio de março
me faz perguntar:

Por que vives?
Por que não és nada?
Por que não te extingues?
Por que não te apagas?

Por que não escureces?
Por que não te desvaneces?
Por que não és nevoeiro?
Por que não te acabas?
Por que não és bruma?

Por que apareceste
um dia frente a mim?

Por que não és fogo
que se consome ao existir?



II

Como é bela a vida,
quando caem as folhas.

Como é agradável
pensar que és folha,
quando caem as folhas.

Como é bom
ir fazendo-te
uma cama em minha alma,
e acolher-te
igual como o chão
alberga as folhas.



III

É outono,
o sei.

Se desfolha tua vida
em minha vida...

E viras folha
e te cais toda,
amarela e murcha,
sem nenhuma beleza.

Somente te morres
e só porque é outono.

O outono te mata.
O outono te apaga.

O inexorável outono.

E não quero que morras
como morrem as folhas.

Mas te vais morrendo,
e não posso fazer nada.

E meu amor se desfolha.

E te vais ficando
igual à folhagem.

E és uma estatua
nua e gelada
no meio do outono.

E o outono pensa
que és folha.


Conto de Jorge Luis Gutiérrez (Chile)
Conto publicado no Livro
“Fragmentos de Ternura, Filosofia e Desterro”
São Paulo - 2006