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AGORA QUE O DESEJO


Agora que o desejo
se aconchegou em minha alma
e o tempo que te envolve,
como um mistério suave,
arrasta-se por onde quer
e tenho meramente
meu vigor e minha ternura:
resolvo singelamente
que saibas que te amo
e tudo o que anseio
é alegrar-me em ti.

Só sento no recôndito
teu existir indelével,
tecendo a rotina
de uma manhã sem sol,
quando um halo cinza declinava
na impávida janela
e as horas se deslizavam
indiferentes e neutras.

E neste ocaso claro
peço tão só ver-te,
sabendo o arriscado
dessa ilusão atroz
e vazia minha alma
de toda esperança
contemplo as montanhas,
gélidas e cruas,
em toda tua verdade.

Nada há em meu desejo
a não ser tua figura,
e nada em tua lembrança
que não me faça feliz.
E serenamente me vou
por ruas luminosas;
e hermenêuticas homilias
sobretudo teu afazer.

Minha fome é ter-te,
sem pensar como e quando.
Podes até dizer-me
que não acontecerá:
que meu desejo é triste
e minha alma lúgubre,
aziaga, lutuosa, infausta...

Mas quero sem mais
que me deixes detalhar-te:
nada neste mundo
te apagará de minha crônica;
nada te fará nada,
nem serás inexistência
e até na própria morte,
estarei morto em ti.

E por enquanto
só quero
tua silhueta descalça,
e tua entrega que
amainaria a tarde cinzenta.
No sigilo de minhas ânsias
desejo
teu corpo plácido,
teu ventre afável,
tua morfologia impetuosa.

E frente à eterna
urgência de estreitar-te
procuro-te sem descanso,
e tudo o que encontro
é o deserto de minha alma,
vital e lasciva,
padecendo tua exigüidade
pelos parques soturnos.

Não voltes teu olhar
para este outonal instante,
não digas o infalível
de um nunca, nunca, nunca;
e que uma lúgubre sede
me envolverá para sempre.

Localiza entre minhas coisas
algo que te agrade,
toma-o somente,
faz-te dona dele.
Não te desperdices por
essas paragens tenebrosos,
não fiques sem mim;
porque tudo o que há entre
nossos destinos
é um pouco de doçura
desdenhada por Deus.

Simplesmente dá-me
tua graça indomável
e um pouco de tudo
o que tu sabes dar
e afunda-te no incerto
de meu desejo mais fundo
e ascende na paz
de um meio-dia de luz.

Porque o que não posso dar-te,
só o nada pode;
E o que eu não te entrego,
é porque não o é.

Por isso nesta vigília
de inquietude e desconsolo,
procuro entre tuas coisas
um pouco de afabilidade e sossego.
E quero insistentemente
teus olhos de fogo
e que não sejas longínqua
sobre este mundo vazio.

Eu tão só requeiro que
a apetência e a vida
sejam uma única essência;
e me deixes amar-te
com todas as cores
e todos os aromas.
E me confies aberta
a porta do jardim:
quero entrar sossegado
sobre teu corpo tórrido
e descansar a teu lado
como sempre o quis.

Eu somente sou algo
que perambula e deseja.
Eu somente sou um ser
que te ama e permanece.
Um homem que existe
e sente tua falta.
Sou vontade e ardor
que não pode relegar-te.
Vida em tua vida
cheia de vida.
Vontades, anseio,
duração e silêncio.

E sobre a terra inerte
abro meu espírito
sozinho e desamparado:
porque se que se quisesses
estarias junto a mim
e me oferecerias teu calor,
num abraço
intenso e fidedigno,
e perdurarias
nos limpos raios
de uma aurora sem sentido.


Poema de Jorge Luis Gutiérrez (Chile)
Poema publicado no Livro
“Fragmentos de Ternura, Filosofia e Desterro”
São Paulo - 2006