EU SEI QUE JÁ VI, EM ALGUM ANCESTRAL PERGAMINHO,
ESSA TRISTEZA AZULADA QUE HOJE,
VOCÊ TINHA RABISCADA NO ROSTO
(Jorge Luis Gutiérrez)
Eu sei que já vi,
em algum ancestral pergaminho,
essa tristeza azulada que hoje
você tinha rabiscada no rosto.
Eu sei que já me deparei
com essa caligrafia nebulosa.
No lembrar de seu beijo
na solidão de alguma chuva.
Ou na espera,
com vestimentas molhadas
e sapatos úmidos,
de algum aeroporto.
Ou na linha cansada de ser linha,
que anseia geometricamente
ser um triângulo idílico.
Ou no sensual dilema
que diz “nunca” na fria manhã,
e logo diz “sempre” poeticamente
ao ascender-se a primeira estrela.
Ou nas madressilvas
da poesia de Bécquer,
(que abrem suas flores à tarde
como lágrimas do dia,
coalhadas de orvalhos).
Ou em suas obscuras andorinhas
que aprendem nossos nomes,
e nunca voltam.
Ou no poema que escrevi,
no qual você é uma andorinha
que pretende ficar,
para fluir, amar
e ser amada no inverno...
Ou num livro de odes,
escrito em seu olhar
numa língua que não leio.
Conheço essa tristeza
com sabor a farinha e sal.
Ela tinha algo do tempero
do tempo que transcorre.
Dos sabores que lembram o amor,
e das ausências que difamam os sabores.
Nas ressonâncias cromáticas,
das borboletas no jardim das janelas.
E uns sinos que lambiscam
nalgum lugar da reminiscência.
Eu sei que você também
pode ouvir esses sopros
que surgem do passado:
e foi isso o que vi hoje
na melancolia poetizada
de sua fisionomia.
No azul de seu plano de fundo
haviam equações amorosas,
que ambicionavam resolver-se
ou simplesmente dissolver-se.
Pensei numa fotografia
preto e branco,
desbotada e admirada,
que eu tirei de você
muito antes de conhecer você.
Mas, que estranhamente,
era a imagem que vi hoje
na plangente lividez
de sua saudade.
Eu sei que já contemplei
essa foto em alguma moldura,
mas não consigo lembrar
donde... quando...
Quiçá foi no solilóquio das entrelinhas
de um abecedário cuneiforme...
naquele entardecer
em que tive a visão de nós
num retrato envelhecido.
você e eu:
duas paralelas
que se amam
e sonharam um outono
se encontrar no infinito...
Revista Pandora Brasil
INUNDADA DE LUZ, poemas de amor e filosofia episódica
Jorge Luis Gutiérrez
©
Poema publicado no livro de Jorge Luis Gutiérrez
"Inundada de luz, poemas de amor e filosofia episódica"
São Paulo, Editora Baraúna, 2010.
Todos os direitos reservados.