Revista Pandora Brasil
Nº 67 - Outubro de 2015
ISSN 2175-3318

“Amor, Memoria e Arte”

A MINHA ARTE E EU

Rose MaCmanara


Tenho 19 anos, mas comecei a desenhar muito cedo. Na verdade, acho que já nasci desenhando... Mas não me lembro! Com seis anos tive minha primeira experiência de achar que poderia me tornar uma artista: ganhei um prêmio no colégio por desenhar um sabiá bandeira. A partir daquilo, o desenho me completou. Eu desenhava em qualquer lugar, no chão, nas paredes da minha casa e da casa da minha avó. Logo acharam que eu tinha que parar de desenhar em paredes e sofás, para desenhar em telas e papéis apropriados para isso. Então foi assim que comecei a fazer aulas de pinturas em óleo e acrílica, apesar de preferir pintar a óleo e desenho com pastel — uma espécie de giz um pouco mais compacto e resistente. Não fiz aulas por muito tempo; somente por três ou quatro anos. Então, tive que interromper as aulas.
Apesar disso, continuo com a minha arte. Quando desenho, é como se estivesse no paraíso; como se flutuasse; como se só existisse eu e a tela, seja ela qual for, porque hoje minha tela é a de um pequeno tablet!




A ARTE COMO EFETIVAÇÃO DA LIBERDADE
André Luiz da Paz e Silva*

O mundo da arte é um vasto oceano da beleza. Nessas águas, encontram-se as mais profundas sensações e sentimentos. Não se trata, portanto, de uma beleza vazia e opaca: a arte não é enfeite, como diria o Prof. Paulo Monteiro de Araújo. Pelo contrário, essa vastidão está repleta de cores, luzes e sombras; palavras, versos e notas; timbres e movimento; dramatização e pensar. Isto posto, a arte não se restringe a somente um tipo de linguagem, como a das cores e imagens, mas de uma multiplicidade e modos de ser de arte. Assim, não podemos pensá-la somente de modo imagético, dado que, se restringíssemos a arte a isso, onde estaria o espaço da poesia enquanto arte, sem poder encantar com cores, sem vida, sem flores, sem campos?

Hegel percebeu este pequeno detalhe, cujo resultado em seu pensamento não poderia ser tomado como insignificante. A arte não pode ser imitação da natureza, dado que a imitação da natureza parte do pressuposto que a arte deve ser fundamentalmente imagética, a fim de reproduzir a natureza. Pelo contrário, a arte pressupõe linguagem, portanto pressupõe racionalidade. Seu desenvolvimento, portanto, está no âmbito racional. Não há uma dissociação entre razão e sensação, mas sim uma confluência que nos permite pensar para além de representações, entrar em seu movimento racional, para podermos experienciar as mais sublimes experiências estéticas. É isso o que possibilita despertar em nós o que temos de mais espiritual.

Em sua filosofia da arte, Hegel demonstra que, durante a história, a arte possuiu um papel metafísico. Este papel consistia em efetivar o desenvolvimento do conceito ideal de belo, cuja existência representa o Espírito Absoluto enquanto arte: expressar a beleza ideal por meio de representações artísticas concretas. Esta beleza, contudo, não é um conceito dado, não é uma concepção universal imutável de beleza. Na mesma medida em que a própria arte concreta é desenvolvida através das representações ao longo do tempo, sujeitas às vicissitudes dos contextos históricos em que estão inseridas, o conceito ideal ele mesmo também se desenvolve ao mesmo tempo ao longo da história, por meio das concretizações finitas na forma de arte, até o momento de autoconsciência da arte.

Esse momento Hegel chama de “fim da arte”: o papel metafísico da arte chegou ao fim. Entretanto, isso não significa que a arte acabou. Eu ousaria dizer que, na verdade, esse é o momento histórico em que a arte, como a conhecemos hoje, efetivamente nasce. A arte moderna, para Hegel, marca o início de um novo momento para a arte. Ela atingiu a plena racionalidade que poderia atingir, de modo que os artistas agora têm plena liberdade de conciliar o conteúdo de suas obras e a forma escolhida para desenvolvê-las, a partir das regras de seu próprio tempo.

Com efeito, essa liberdade possibilita utilizar qualquer tipo de representação para concretizar o ideal de beleza, na medida em que respeita as determinações de seu próprio contexto histórico. Este processo, fundamentalmente racional, pode utilizar-se de qualquer forma para, através da genialidade do artista, conciliar o conteúdo à forma, possibilitando a qualquer um lançar o próprio espírito na experiência estética.

Essa liberdade, em nosso tempo, obedece às determinações da arte contemporânea. Hegel não poderia ter previsto, mas, de certo modo, seu pensamento abriu espaço para a arte contemporânea como a conhecemos hoje. Atualmente, a arte preocupa-se essencialmente com o conteúdo, não com a forma. Isso significa que, independente da forma da representação, o artista pode até mesmo utilizar as mais abstratas formas de arte. A arte contemporânea permite ultrapassarmos de uma vez por toda o engessamento da experiência estética que fica presa tão somente às representações estanques.

Como uma herança hegeliana, temos a expansão das possibilidades de formas de arte, como a pintura, por exemplo, através mesmo até das mídias digitais. Os tablets ou os computadores touch permitem aos artistas utilizarem uma nova gama de ferramentas para desenvolver sua arte. Nesse contexto, o desenvolvimento da tecnologia aparece como fundamental até mesmo à arte.

As pinturas de Rose MaCmanara estão inseridas no coração deste momento artístico possibilitado pela estética hegeliana. Tanto suas pinturas extremamente realistas quanto as mais abstratas foram desenvolvidas através de um tablet, utilizando tão somente uma caneta touch. Para tal, ela desenvolveu sua habilidade artística de um modo mais tradicional, através de pintura em tinta e óleo em tela. Essa passagem provou ser uma mudança difícil, cujo desenvolvimento gradual a possibilitou aprimorar o uso desta ferramenta e, de certo modo, abrir caminho para a utilização de novos recursos e novas formas de arte.

A liberdade para desenvolver essa nova forma de arte possibilita a Rose expressar a beleza por detrás de suas pinturas com uma sutileza distinta, deixando o mundo mais belo a cada pintura e a cada “pincelada” em seu tablet. Liberdade através da qual mergulhamos na infinitude desse oceano de sensações e sentimentos. Finitos, sentimos momentos de infinitude indescritíveis pela razão, quando identificamos a profundidade das sensações que as linguagens artísticas desvelam a nós. Ficamos perplexos ao enxergarmos a nós mesmos na explosão criativa que são suas representações. O artista é realmente um ser muito elevado, ao poder colocar a todos nós essa dimensão tão importante, proporcionarmos nosso próprio autoconhecimento: eis a arte.

Com orgulho, e sobretudo muito amor e carinho, escrevo esta apresentação às pinturas de Rose MaCmanara, dado que pude acompanhá-la em todos esses momentos de dificuldade que marcaram o desenvolvimento mais recente de seu trabalho. Espero que a arte da Rose MaCmanara possa proporcionar ótimas experiências estéticas; que as sensações experienciadas sejam da mesma potência das sentidas por ela ao desenvolvê-las. Percebemos que estamos lidando com arte quando todo o nosso ar simplesmente escapa ao contemplá-la. Ele escapa no espanto, ao termos a experiência estética, ao ultrapassarmos a representação e identificarmos a ligação entre a beleza e as próprias sensações, quando despertamos a nossa alma, quando ela tem plena liberdade para mergulhar nesse vasto oceano da beleza, povoado por um universo de sensações e sentimentos. No entanto, no deleite da arte, ao se satisfazer com esse sentimento do belo, ao sentir a alma despertar as sensações mais profundas, o ar volta lentamente, com uma suavidade que não é uma mera respiração mecânica; trata-se de uma dança pelo nosso espírito, para novamente ser expelido, dessa vez lenta e sutilmente, como um suspiro, e, claro, acompanhado de um sorriso calmo e de três pequenas palavras: isso é belo.

______
*Aluno do Curso de Filosofia Universidade Mackenzie.






A ARTE COMO EFETIVAÇÃO DA LIBERDADE
Rose MaCmanara








©Todos direitos reservados.