POEMAS

Poema sem Nome

Ouço a voz do vento
Que bipartido canta duas canções
Uma é louca como os marfins,
Outra vem do branco profundo
De um porvir vaporoso
Sina dos querubins.
Não sei qual delas me chega mais alto
E apenas escuto em pé na ribalta
Chorando lágrimas de louça
Com frio, sem roupas.
O que virá depois do carnaval?
O rosto ou o vendaval?
Sem trabalho se cria um mundo
Preciso só de um átimo e de um vagabundo.
Sinto saudades da noite que me brinda linda
No sono insepulto,
Nacos de um pano ardente
Banhados em tinta silente
No alerta do vulcão sorumbático – surdo.

Existe corpo físico na fantasia curta?
O sussurro irrita meus lóbulos úmidos
De cada verdade manifesta
Pelo ar agitado, tartamudo
Que insiste em me revelar.
No canto uma pá de coveiro

Constante liberta um monstro,
um anjo e uma lua,
Determinada sacoleja
No lombo de um cavalo insone
Que ousado teima em voar.
No psiu o vento me chama
Reclamando sem inibição
Em sorrisos de doce diluídos em reza
Na melodia uma hora sacra, outra profana.

Tem pés de bode e bigodes de gato –
Nas mãos leva com fé um archote,
Surge nas sombras em pequenos sapatos de prata
E tem a pele quente e o sangue corrente
Fluindo em meias de nylon.
A pressa sequestrada
Arrasta em algemas de nuvem
O coração que tolhido se descobre em plumas.
Nunca houve flor como aquela
De alvura espontânea e pétalas de chuva.
Se o Oriente é rico em receios
Nós nos refazemos
Em brinquedos e folguedos
Nas festas multicores das noites de São João.

Marcamos encontros com a vida,
Ela nos busca com seu pão fornido
Inocentes abandonamos todas as ressalvas:
- Se ela é vida onde mora a falta?
No perfil recortado no ar
Que nos acompanha a pestanejar
Nos cobre de vergonha com seu tom ausente
Leva-nos tudo
Dedos anéis e saias
Mais tolo o que ganha que o ludibriado,
Sua máscara envelhece
Sua voz embrutece
Os falsos sorrisos de anos e de paz
Se revelam na curva contrária
De bocas a mais.


Indo

A irresistível chamada das coisas antigas,
Ou a diversidade dos interesses alheios
A voz que conheço
Nos fins e nos confins.
Borboletas de significados
Voam sobre cabelos de mel
E o vento dos teus silêncios
Na confusão das quartas-feiras, sempre de cinzas...
Tanto medo do tempo que escoa
Em dias desiguais,
Em horas desiguais:
As sombras de uma espera incontinente e
Cada uma das evidências em si bemol
O círculo de paz das coincidências
O orgulho implacável e furioso
Nossa completude paralisante
Sugando nosso sangue
Em lágrimas.
Toda vez tua estrela que brilha em outro universo
E esse anoitecer delirante
Dos carros e gentes que correm,
Pequenas luzes na rua cinza
E risos de criança
Tentando acalmar enquanto me escorro.
Oceanos à parte,
Suturados em linha de pesca
Na pele mais fina do braço
Marca congênita
Alma encarnada no fogo...
Vou aonde for e ouço
Essa vida de louca
Onde o vazio é cheio,
E todas as horas são velas acesas!
Mais instável,
Mais rígida,
Mais caos.
E a certeza do incerto
Tão mais palpável quanto a mais
concreta pedra do chão.
Toda água do azul
Por uma taça do negro
E os passos em branco que
Fazem tudo vermelho...


As Asas de Sabrina

Se no silêncio houvesse espaço
Poderia armazenar as lágrimas,
Os grãos de areia e os vagalumes...
Haveria então alguma esperança viva
Para os cavaleiros de além-mar.
São brancas as saias e as aias das damas
Que se perdem nas fogueiras santas,
Como borboletas negras atordoadas:
Ophelias, Judiths, Marias,
Todas sem par.

No coração da Manuela velha
Existia um cofre e um tesouro putrefato
Que cheirava a Circe, Nêmesis e Lorelai.

Existe uma leveza naquele sussurro.
Um apreço de folha solta pululante.
Uma escolha, uma possibilidade.
Aleia florida ao sol.
E se em vez de algemas fossem asas?
Sabrina canta e voa
Em aventura sorridente.
Seu beijo é de prata derretida, incandescente.
Sua travessura é perene.
Segue curando, emendando as falas.

Canta-se uma vida inteira sem saber a melodia
Ou voa-se com asas de fadas abertas,
Rápidas como as de um beija-flor carnívoro
Que não suga néctar, arranca pétalas.
Morre-se no frio de um abandono febril.
Impensado.
Saudade que segue o esquartejamento.
Voa, bela Sabrina.
Voa enquanto o mel não lhe cola as asas.
Livra-te de morrer na cera derretida
Das velas da comunhão.


Danielli Morelli




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Danielli Morelli

É Doutoranda em Letras e Literatura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui Mestrado em Letras e Literatura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Possui Graduação em Letras (Português e Inglês) pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2015). Possui Graduação em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001). Tem experiência como professora na área de Letras, com ênfase em Literatura. Tem experiência como Psicoterapeuta na área de Psicologia Clínica.