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ARISTÓTELES
TRADUÇÃO DA FÍSICA II, 4-6
O ACASO



Tradução de Jorge Luis Gutiérrez

Doutor em Lógica e filosofia da Ciência (Unicamp). Professor da Universidade Mackenzie.





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(A FORTUNA E O ACASO, Estudo exotérico)

31. Por outra parte, se disse também que a fortuna e o acaso formam parte das causas, e que muitas coisas são e foram engendradas pela ação da fortuna e do acaso. Em que sentido a fortuna e o acaso são parte das causas estudas anteriormente, se a fortuna e o acaso são idênticos ou diferentes, e em geral, o que é a fortuna e o acaso, é o que examinaremos.

36. Assim, é colocada em questão sua própria existência; nada evidentemente, afirmam, pode ser efeito da fortuna, porque há uma causa determinada para as coisas que nós falamos que chegam a ser por fortuna ou acaso; por exemplo, o fato de um homem vir à praça por fortuna, e aí encontrara um homem que queria porém não esperava encontrar, é por causa de ter querido ficam na praça para os seus afazeres. O mesmo vale para os outros acontecimentos que são atribuídos à fortuna. Por outro lado, se a fortuna é alguma coisa, é evidente, com razão, estranho e inexplicável que algumas das antigas sagas nas que se formulam as causas concernentes à geração e à corrupção não distingam nada acerca da fortuna: porém, segundo parece, em seu pensamento nada vem da fortuna.

11. Mas eis o que é surpreendente: muitas coisas que existem e são engendradas pela fortuna e pelo acaso, que se ignora, deveriam ser atribuídas a certa causa no universo, assim o exigiria o argumento que suprime a fortuna ; entretanto, todo o mundo fala que algumas coisas são por fortuna, e outras não.

16. Certamente os primeiros físicos não encontraram lugar para a fortuna entre as causas que eles conheciam: amor, ódio, a inteligência, o fogo, ou qualquer outra coisa parecida. Se eles pensaram que não havia alguma coisa como acaso ou se pensaram que havia, eles se mantiveram em silêncio. Porém, eles algumas vezes o usaram. Assim Empédocles fala que não é constantemente que o ar se separa para se colocar nas regiões mais elevadas, mas segundo a fortuna. Julguem-lho: ele disse na sua cosmogonia: “aconteceu que o ar se estendeu assim, mais muitas vezes de outro modo”; e também disse que as partes dos animais são engendradas a maioria das vezes pela afortuna.

25. Para outros, o nosso céu e todos os mundos (kosmos) são por causa do acaso. Assim, é do acaso que procedem a formação do redemoinho e o movimento que separa os elementos e constitui os mundos do universo, na ordem em que nós o vemos. Mas há algo que é particularmente surpreendente: por um lado, segundo eles, os animais e as plantas não existem nem são gerados pela fortuna, a causa de sua geração é natural, a inteligência ou qualquer outra causa parecida (em efeito, não é importante o que resulta, por vontade da fortuna, da semente de cada ser, porem de esta uma oliveira, de essa um homem); por outro lado o céu e os seres visíveis mais divinos procedem do acaso e não de alguma causa comparável a aquela das planta ou dos animais.

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1. Com efeito essa teoria é certamente, e as outras ao respeito, contraria à razão, porém ela se mostra mais absurda ainda pela experiência que, no céu, nada chega a ser por acaso, e que contrariamente nas coisas que, provavelmente, não existe a fortuna, muitas chegam a ser pela fortuna; com toda certeza o contraio é mais verossímil.

5. Outros ainda pensaram que a fortuna é uma causa, porém oculta à razão humana, porque ela seria alguma coisa divina e sobrenatural, num degrau superior.

7. (conclusão) Assim é necessário examinar o que são o acaso e a fortuna, se eles são idênticos ou diferentes, e como eles se localizam na nossa classificação das causas.

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(LA FORTUNA, TEORIA DE ARISTÓTELES)

10 Para começar devemos reconhecer que a experiência mostra que há fatos que se produzem sempre da mesma maneira, e há outros que se produzem freqüentemente; É evidente que a fortuna não é causa de um nem de outros e que os efeitos da fortuna não estão entre os fatos necessários e constantes, nem entre os que se produzem a maior parte das vezes.

17 (fatos freqüentes e fatos raros) Mas, considerando que há fatos que se produzem por exceção a estes, e que todo o mundo os chama efeitos da fortuna, é evidente que a fortuna e o acaso existem de qualquer maneira: pois nós sabemos que tais efeitos são efeitos da fortuna e que os efeitos da fortuna são desses fatos.
Logo, entre eles, alguns se produzem visando um fim, outros não.

18. E entre os primeiros , alguns são por eleição e outros não são por eleição (intenção deliberada), os uns e os outros são dos fatos que se produzem em vista de um fim; Se vê, por conseqüência, que entre os fatos que são exceção à necessidade e a freqüência, há alguns aos que se pode aplicar a determinação teleológica. Os fatos que são em vista de um fim são aqueles que podem ser realizados pelo pensamento ou pela natureza.

23. Ora, quando tais fatos se produzem por acidente nos dizemos que são efeito da fortuna: da mesma maneira, em efeito, deve ser feita a distinção de por si e por acidente. Isto também pode ser aplicado à causa: por exemplo, a arte de edificar é a causa de ser da casa, a cor branca e o músico -que morará nela- são as causas por acidente. A causa por si é determinada, a causa acidental é indefinida; pois a multidão de acidentes possíveis de uma coisa é infinita.

29. Então, quando o caráter acidental se apresenta nos fatos que são produzidos em vista de um fim, se deve falar de efeitos da fortuna e do acaso. Nós discerniremos mais tarde a diferença entre as duas; por agora devemos nos contentar com a verdade evidente de que elas pertencem às coisas às quais se aplica a determinação teleológica; por exemplo: um homem poderia ter , se ele tivesse sabido, ir a um determinado lugar para receber dinheiro, no momento em que seu devedor ali receber o montante duma colheita; ele veio ali porém não para isso; porém ele tinha ido ali por acidente, e estando ali ele pode receber o dinheiro; não parece que ele freqüentava esse lugar a maioria das vezes nem necessariamente; e em fim, a saber o recobro da dívida, não é no número de causas finais imanentes, mas resultado da eleição e do pensamento; então, nessas condições , se disse que ele estava ali por efeito da fortuna. Pelo contrario, se ele estava ali por eleição e em vista desse fim, seja por que ele freqüenta esse lugar constantemente, seja porque ele está ali muitas vezes para recobrar dinheiro, isto não é efeito da fortuna.

5. Vê-se então que a fortuna é uma causa por acidente, superveniente (que chega posteriormente) nas coisas que, em vista de um fim, se ergue numa outra eleição. Por isso o pensamento e a fortuna pertencem à mesma ordem, pois a eleição não se realiza sem pensamento.

(Explicação das opiniões)

(Dos anciões)

8. Em suma, é necessário que as causas de onde procedem os efeitos da fortuna sejam indeterminadas. Disto se segue que a fortuna parece estar no domínio da indeterminação e é impenetrável ao homem, por isso deve ser descartada a opinião de que não há fatos por fortuna. Todas estas formulas são corretas, porque são justificáveis.

12. Num sentido, há os fatos da fortuna, pois há os fatos acidentais e a fortuna é uma causa como por acidente; como causa absoluta ela não é causa de nada; por exemplo: a causa da casa é o arquiteto e, por acidente, o tocador de flauta (que morará nela) e a causa daquele que foi lá mas não para receber o dinheiro; estas são infinitas em número (seja com argumentos a favor ou em contra...)

(Do Vulgo)

18. Do mesmo modo afirmar que a fortuna é algo contrario à razão é correto: pois a razão é do domínio das coisas que som sempre ou a maior parte das vezes; a fortuna é das de exceção. Sendo que estas causas são indeterminas, a fortuna o é igualmente.

21. Entretanto, em certos casos, pode-se perguntar pela importância de determinar se algumas causas podem ser causas da fortuna: por exemplo, se a causa da saúde seria o ar fresco ou o aquecimento, e não o corte de cabelo; pois, entre as causas acidentais, as umas são mais perto que as outras.

25. Por outro lado, fala-se de boa fortuna quando algo bom acontece, e de má fortuna, quando é um mal. De fortuna feliz ou de infortúnio se o bem ou o mal são consideráveis. Em conseqüência quando se tem quase um grande bem ou um grande mal se fala ainda de boa fortuna ou má fortuna, porque o pensamento as considera como existente, ignorando o «quase». Para outros a boa fortuna é, como se disse, coisa pouco segura, e com razão; porque a fortuna não é segura; porque os efeitos da fortuna não podem ser nem sempre, nem freqüentemente.

32. Em resumo, como nós temos visto, a fortuna e o acaso são das causas por acidente, para as coisas susceptíveis de não se produzir nem absolutamente, nem freqüentemente; nem das que são produzidas em vista de um fim.

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(O ACASO E A FORTUNA)

(Sua diferença. Seu lugar entre as causas)

(diferença entre o acaso e a fortuna) 36. A diferença da fortuna com o acaso é mais de extensão; em efeito todos os efeitos da fortuna são do acaso, porém todos os efeitos do acaso não são da fortuna. Assim, há a fortuna e os efeitos da fortuna, para todo o que pode ser atribuído à boa fortuna e em geral à atividade prática. Por isso é necessariamente nos objetos da atividade pratica que existe a fortuna. Uma prova disso é que se considera como sendo quase idêntica à felicidade a boa fortuna; Ora, a felicidade é certa atividade prática, que deu certo. Por conseqüência, os seres que não poder agir praticamente não podem produzir algum efeito de fortuna. Disto resulta que um ser inanimado, ou uma besta, ou um bebê, não pode ser agente de efeitos de fortuna, porque não tem a faculdade de escolher, e também não são susceptíveis de boa fortuna ou de infortúnio, a não ser por metáfora; assim Protarco falava que as pedras das quais são feitos os altares gozam de uma boa fortuna, porque se lhes honra, em tanto que as outras pedras são desprezadas e destruídas. Em compensação estas mesmas coisas podem, de qualquer maneira, sofrer os efeitos da fortuna quando aqueles que exercem sobre elas sua atividade pratica agem por efeito da fortuna, de outra maneira isto não é possível.

Por sua vez, o acaso pertence aos animados e a muitos seres inanimados: assim se diz que a chegada dum cavalo é um acaso, quando ele trouxe a salvação, não se diz que veio para salvar. Outro exemplo: a queda dum tripé é um acaso, se após a queda ele ficou de tal maneira que pode servir de cadeira, sem que ele tenha sido feito para servir de cadeira.

18 Conseqüentemente, no domínio das coisas que tem lugar absolutamente em vista de um fim, quando as coisas têm lugar sem ter em vista o resultado e tendo sua causa final fora dela, então nos falamos de efeito do acaso; e de efeito da fortuna, para todos os efeitos do acaso que, pertencendo ao gênero das coisas susceptíveis de ser escolhidas, alcançam os seres capazes de escolher.

Nós falamos de uma causa vã, quando o que é produzido, não é o fim visado pela causa, mas é produzido por outra causa, existente que sim tinha o fim que foi realmente produzido (Bekker: quando a causa que visava um fim não estava visando o fim realmente atingido). Por exemplo, se se sai a passear com o propósito de obter uma evacuação (dos intestinos); se depois do passeio, esta não se produz, nós falamos que esse passeio foi em vão. Entende-se assim por vão aquilo que estando na sua natureza em vista de outro fim, no produz aquela coisa em vista da qual existe por natureza; Assim, se se afirma que alguém está tomando banho em vão, sob o pretexto de que o sol não está após um eclipse, se sentiria ridículo, se não o está fazendo com essa finalidade. Assim, o acaso, de acordo com seu próprio nome, existe quando a causa que se produz espontaneamente é inútil. Por exemplo, o lançamento duma pedra num lugar com o propósito de ferir alguém; pois a pedra cai por efeito do acaso, pois pode cair em qualquer um e pode feri-lo.

32. É principalmente nas gerações naturais que se distinguem os fatos da fortuna e do acaso; porque duma geração contraria a natureza, nós não falamos que é efeito da fortuna, mas do acaso. A causa final dum efeito do acaso está fora (é exterior) desse efeito, na fortuna sua geração é interna.

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(Causalidade da fortuna e do acaso)

1. Anteriormente vimos o que é o acaso e o que é a fortuna e suas diferenças. Como modalidade das causas, ambos estão no principio do movimento. Eles são um tipo de causa natural ou do pensamento (inteligência), porém o número de este tipo de causa é infinito.

(refutação a Demócrito)

5. Mas, já que o acaso e a fortuna são causas dos fatos dos quais a inteligência ou a natureza podem ser causas, quando de tais fatos há uma causa por acidente, porque nada por acidente é anterior a por si, é evidente que a causa por acidente não é anterior à causa por si. Então, o acaso e a fortuna são posteriores à inteligência e à natureza; Conseqüentemente se o acaso é, e isto seria o cúmulo, causa do céu, seria um erro afirmar que, anteriormente, a inteligência e a natureza foram causas, dentre muitas outras coisas, deste universo.





Texto traduzido por Jorge Luis Rodríguez da obra bilíngüe:
ARISTOTE, Physique, Sociéte D’édition “Les Belles Letres”, Paris, 1961.
(Traduzido do Frances, com freqüentes consulta ao texto grego)