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O AGORA ARISTOTÉLICO


Daniel Valente Pedroso de Siqueira


Aluno do Curso de Filosofia da Universidade Mackenzie.
Bolsista PIBIC. Monitor da disciplina História da Filosofia Antiga.



“o ilimitado enquanto ilimitado é incognoscível”
Aristóteles


Introdução

Aristóteles nos adverte de que os princípios primeiros não têm demonstração. Eles são em si tão evidentes que, consequentemente, indemonstráveis. Uma postulação que para o próprio Aristóteles parece vaga, pois bem, ele ainda nos diz que caso fosse possível demonstrá-los, este processo demonstrativo não teria fiz, tornando impossível qualquer empreendimento científico com o intento de um conhecimento geral. O pensamento não pode percorrer uma série infinita e, o tempo é infinito. Não pode existir um tempo antes do tempo.

Fernando Rey Puente nos diz que “... só o presente existe de fato; o passado e o futuro, não sendo presentes, não existem efetivamente. Em outras palavras: é-lhes negado o próprio ser.” (PUENTE, 2001, p. 125).

Não vivemos das lembranças passadas tampouco vivemos da expectativa futura. E essa fragilidade oprime o ser humano. Pensar nessa mísera condição de sucessivos “agoras” que não formam o tempo, mas são parte do tempo faz o homem se sentir limitado e oprimido. Martin Heidegger após muito estudar sobre os sentidos de ente em Aristóteles (BRETANO, 1975), percebeu que a temporalidade, o problema temporal gerava a angústia no ser humano, angústia esta que causava e provocava um inerente estado de movimento. Para Heidegger o ser angustiado, aflito por essa brevidade e finitude do tempo faz, não cessa de ser.

Ao se pensar a infinitude do tempo o agora deve ser pensado não mais como um dos limites que determinam um intervalo temporal, mas sim como um limite único e indivisível que conecta incessantemente o passado e o futuro. Mas Aristóteles nos adverte de que o agora não é uma parte do tempo. O agora não mede o tempo, mas como se daria então? Aristóteles diz que sendo a função de uma parte a de medir o todo do qual ela é dita ser parte, e o tempo, como Aristóteles reitera, “não parece ser composto de agoras” (Física IV, 10, 218a, 5-10, p. 147), mas um inteiro deveria ser composto de suas partes constituintes. O que parece ficar claro é que o agora é um limite e é possível apreender um tempo delimitado, mesmo não sendo este mesmo tempo a soma de todos os agoras.

Pensando na angústia do homem perante o tempo e na indemonstrabilidade do próprio tempo, pode-se pensar que isso se dá principalmente pelo tempo transcorrer de forma independente. Santo Agostinho falou do palácio da memória; Freud falou dos estados alterados da consciência como uma forma de subjugar o tempo que passa. Seria então o tempo tão independente assim?

O tempo é movimento e só na presença deste, ou seja, do movimento (ou de seu contrário, o repouso) é possível concebermos o tempo. Sendo assim, o tempo é um correlato do movimento. Tempo e movimento se dão de forma conjunta.

Falando de tempo e do movimento, não posso deixar de falar daquilo que perece pelo movimento e pelo tempo, penso na morte. E a forma como se pensa a morte – com a maior das justificativas –, é o que mais amedronta o homem. Tem-se horror a tudo aquilo que destrói, principalmente o que destrói a forma. Marcel Conche viria a dizer que a morte física e sua incompreensão destroem a própria determinação.

Este receio de ver o tempo passar sem poder controlá-lo, esse temor se faz notar nos rituais de sepultamente dos homens primitivos. Eles temiam a morte por não compreendê-la, relutavam em admitir o termino da vida quando se dava a morte. Pois bem, com rituais fúnebres, eles passaram a aceitar a morte e como não conseguiam impedi-la, construíram uma nova vida, uma outra forma de viver. Na lembrança dos que sepultam e na crença de que os que morreram fisicamente viverão em um outro tempo/espaço, mas viverão.

Mas o desafio de compreender a morte ainda é fundamental no homem. E se este horror advindo de tais duvida é realmente um horror, faço das palavras de André-Comte Sponville as palavras cá presentes: “(...) que este horror é fundamental no homem, o horror da morte e mais ainda, o horror de não saber o que é a morte é o fundamento de todas as ações humanas” (SPONVILLE, 2000). E eis o tempo, a sua constância, seu marchar inexorável, os tempos de um tempo. A multiplicidade de agoras que continuam a marchar independentemente do que ocorra.

Aristóteles afirmou haver dois modos diversos para se considerar o tempo, um onde se considera o tempo em sua totalidade, e outro onde se leva em conta apenas um intervalo desse tempo infinito, em outras palavras, considera-se somente um intervalo de tempo delimitado e definido.

Aristóteles disse que o tempo é tão somente o agora, o presente. O tempo é o número de um movimento segundo o anterior-posterior. A importância para a compreensão dos agoras aristotélicos é fundamental para compreender suas definições sobre o tempo.

A subjetividade do tempo é tão grande porque o homem sente a necessidade de marcar esse tempo que sempre é o mesmo. De diferenciar o seu próprio tempo de todo esse tempo. De domar o tempo para nele e sobre ele sobreviver.

Friedrich Wilhelm Nietzsche falou de vingança e de ressentimento para com o tempo. No seu Assim falou Zaratustra ele se pronuncia para que “o homem se liberte da vingança” (NIETZSCHE, 1998), vingança contra o tempo. Ele – Nietzsche – ainda nos diz no mesmo livro que “isto, e apenas isto, é a vingança em si mesma: o ressentimento da vontade contra o tempo e seu foi” (NIETZSCHE, 1998).

Aristóteles diz que o ser no tempo nada mais é do que ser medido pelo tempo (Física IV, 11, 220a, 20-25, p. 152-153). A medida de um certo movimento ou repouso.

O movimento e o tempo são ditos sempre diversos. Sempre diversos que sempre foram. O tempo não teve um início e tampouco terá um fim, ele é infinito. Mas a própria apreensão do infinito, então, guarda um estreito paralelo com a do tempo, pois em ambos os casos não se pode afirmar que a natureza do infinito ou do tempo é, mas apenas que devém. “A infinitude não permanece”, diz rigorosamente Aristóteles, “mas devém, como também o tempo e o número do tempo” (Física IV, 11, 219b, 25-30, p. 150). Dessa forma, a apreensão do infinito, do movimento ou do tempo, é uma apreensão atual de uma potência de alteridade, ou seja, percebemos uma etapa do movimento ou um intervalo de tempo, mas ínsita a essa percepção de algo efetivo – esta etapa do movimento, este intervalo de tempo – mas a razão intenta para que também haja a possibilidade de ocorrer outras etapas do movimento e outros intervalos de tempo sempre diversos em relação aos que percebemos agora. Outros agoras.

Percebe-se o tempo quando o determinamos. Aristóteles explica que isso ocorre quando se determina o movimento. Determinando o anterior-posterior no movimento, determinamos o próprio movimento. A determinação do tempo é concomitante à determinação do movimento. Determinando o movimento através do seu anterior-posterior, determinaremos também o tempo por dois momentos distintos, o anterior-posterior.

Fernando Rey Puente diz que “... falar do anterior-posterior no tempo é falar do agora anterior e do agora posterior que determinam um tempo intermediário entre eles” (PUENTE, 2001, p. 154).

O agora poderia ser esse divisor de momentos distintos? Talvez a pergunta mais apropriada seja se o agora permanece um e o mesmo ou é sempre outro e outro.

Aristóteles diz que o agora deve e tem de ser sempre diverso, pois se assim não o fosse, ele aboliria a própria ordem temporal. Algo mais prático seria pensar que sem a diversidade de dois agoras não seriamos capazes de perceber um intervalo de tempo, pois o próprio movimento não existiria.

Com isso, tem-se que os agoras aristotélicos não devem ser apenas e tão-somente diferentes entre si, mas tem de necessariamente serem diferentes durante a própria sucessão de agoras. Sempre existirá a necessidade de um agora ser o anterior de outro agora posterior e ambos devem diferir daquilo que se encontra entre estes dois momentos. O próprio agora que separa o agora-anterior e o agora-posterior tem de ser único. Uma determinação numérica para servir de intervalo e delimitação do tempo.

Mas, segundo Aristóteles, se o agora for tido como sempre diverso ele tem de se corromper e ser sobreposto por outro agora. Mas quando e como isso poderia se dar?

Aristóteles é claro ao dizer que o agora não é uma parte constitutiva do tempo, isso porque a parte tem como função medir o todo, devendo este, portanto, ser composto de suas partes. Aristóteles afirma com cautela que o tempo ‘não parece’ ser composto de agoras.

O Estagirita dizia que o intelecto só é capaz de pensar o determinado. Eis a necessidade que se nos apresenta cá, a necessidade de delimitar o ilimitado a fim de poder pensá-lo. Pois como diz Aristóteles “o ilimitado enquanto ilimitado é incognoscível” (ARISTÓTELES, 2001). Para pensarmos o tempo, devemos pensar o agora, mesmo que o tempo não seja formado por agoras.

O tempo em sua infinitude não pode ser pensado diretamente, mas apenas indiretamente enquanto seja um intervalo de tempo determinado, determinado e visto a partir da percepção do anterior-posterior.

Segundo Martin Heidegger em cada agora o agora é um outro, mas cada outro agora é enquanto agora sempre agora. (HEIDEGGER, 2007). A única coisa em comum que estes agoras têm é o fato de se darem agora, ocorrerem agora sua “agoridade” (PUENTE, 2001, p. 210).

O interesse de Aristóteles no tratado do tempo é estudar e analisar o conceito propriamente filosófico do agora, o conceito do agora como limite. Ele postula uma dupla função do agora para o tempo; o de estabelecer a continuidade do tempo ao manter unido o tempo passado e futuro; e, concomitantemente, ser um limite do tempo, a saber, o fim do tempo passado e o princípio do tempo futuro.

A única conclusão possível que Aristóteles nos dá, portanto, é a de que o tempo não teve início, nem terá fim, mas foi, é e sempre será.

É a certeza que nos fica quando pensamos que o agora é o limite de um tempo que se finaliza e de um tempo que se inicia.

Aristóteles diz que “não é possível que um tempo seja imperceptível, tampouco que nos passe despercebido; mas é impossível perceber todo tempo” (ARISTÓTELES, 2004). O homem deve então se contentar com a sua (a que o tempo o aflige) limitação? O primeiro livro de História que chegou até nós nos diz algo de bastante relevância: “Heródoto de Túrio expõe aqui suas pesquisas a fim de impedir que, com o tempo, aquilo que os homens fizeram se apague da memória...” (HERÓDOTO, 1957).

O homem é o único animal a se rebelar contra a lei do tempo. Pode-se atribuir um valor sentimental fundamental neste sentir precário da vida, desta temporalidade.

O homem conserva o passado que já não existe e dá a ele – passado –, pela memória, uma vida (precária, mas ainda assim uma vida) no e para o presente. A vontade que o homem tem de não esquecer o que foi, de não abandonar o seu passado, impedindo-a de desaparecer, faz com que ele – homem – faça história e cultive e desenvolva a memória.
Marcel Conche ao citar Georges Bataille (CONCHE, 2003), faz lembrar o que Aristóteles dizia sobre a alma, que é impossível haver tempo sem alma, “a menos que aquilo que é em um momento qualquer seja o tempo, se for possível, por exemplo, que haja um movimento sem uma alma” . A fala de Georges Bataille (citada por Marcel Conche) não deixa de nos levar neste sentido.

Nunca será demais sublinhar o fato de que, antes do início da Idade da rena, a vida humana, enquanto diferente da vida animal, só era diferente pelo trabalho... Não era senão pelo trabalho da pedra que o homem se dissociava, então, de maneira absoluta, do animal. Dissociou-se do animal na medida em que o pensamento humano lhe foi outorgado pelo trabalho. O trabalho situa no futuro, antecipadamente, aquele objeto que ainda não está fabricado e em vista do qual, simplesmente, se efetua o trabalho. Existem, então, no espírito do homem, duas espécies de objetos, uns estão presentes e os outros estão por vir. O objeto passado completa imediatamente este aspecto já duplo, e assim a existência dos objetos se perfila, de um extremo a outro, no espírito. (CONCHE, 2003).

Nem o tempo nem o agora são substâncias e, mesmo Aristóteles dizendo que um tempo não é composto de agoras, mas sim de outros tempos, ele deixa bem claro (Física IV, 10, 218a, 10-15, p. 147) que “é impossível ser ou vir a pensar um tempo sem o agora” .

É a percepção humana, a capacidade de aprender de criar uma memória, é a alma o que percebe o tempo. Mas este estado perceptivo não pode conservar-se indefinidamente sem o estímulo que o gerou. Sua duração de permanência é proporcional à intensidade do estimulo perceptivo recebido, ou seja, quando mais intenso for o estímulo tanto maior será o período de permanência do estado perceptivo por ele gerado, após ter cessado o ato perceptivo. Eis o porquê de o homem ser o único animal a se encontrar no tempo, a se rebelar contra esse tempo e se angustiar pela temporalidade.

Mas o agora não pode ser lembrado, visto que ele se dá neste exato momento. O que lembramos é passado, não se pode lembrar o futuro ou o presente. O futuro é algo somente sujeito à opinião e especulação, visto não mais ser e nem ter sido ainda. O presente é algo que está sujeito a somente ser percebido. Essa percepção só atua sobre o que é agora, nunca jamais sobre o que já foi ou o que ainda virá a ser.

Para Aristóteles, o ser humano só pensa através de imagens. E por isso que ele nos diz que a memória não é uma percepção ou uma suposição, mas é algo como uma posse ou afecção destes quando se passou um tempo (entre a percepção e a suposição e o próprio ato de lembrar).

A lembrança ocorre em um agora quando uma imagem produzida por um estímulo externo é reconhecida como cópia de algo percebido no passado. Para Aristóteles a recordação não é nem uma reaquisição nem uma aquisição da memória. Por isso, ele definiu e diferiu a recordação da memória.

O lembrar está diretamente relacionado com a percepção do tempo. Ele – o ato de lembrar – só ocorre quando estamos cientes da imagem que agora se mostra em nossa alma e do tempo que se passou quando primeiro ela se mostrou aos nossos sentidos. Pensando assim, ao ler suas palavras: “(...) lembrar não é ter recordado algo agora, mas sim, desde o início, haver conservado algo do que foi percebido ou sofrido (...)” (ARISTÓTELES, 2004), faz saber-se que a recordação é a retomada de uma percepção e não da memória.

O problema a ser enfrentado é a compreensão dos agoras. Visto que é este o que é percebido pelo homem. E ao agora que nos fazemos valer, é ao agora que vivemos.

Aristóteles diz em sua Ética que: “(...) a dificuldade em ser virtuoso consistirá precisamente em saber com quem, em que medida, quando, com que fim e de que modo agir ou experimentar uma paixão. Dessa forma, até mesmo o desejo não é visto como um mal em sentido absoluto, pois no caso do indivíduo moderado ele deseja consoante a razão, ou seja, deseja as coisas que se deve, como se deve e quando se deve”. (ARISTÓTELES, 1999)

E como Marcel Conche diz, “(...) uma paixão ou um ato serão considerados virtuosos, se e somente se, ocorrerem no momento oportuno. O erro no tocante ao tempo, portanto, consistirá em que experimentemos uma paixão ou em que atuemos antes ou depois desse momento ideal” (CONCHE, 2003).

O agora aristotélico

Nos capítulos X e XI do livro IV da Física, Aristóteles se propõe a falar do tempo. Aristóteles justifica a entrada em tal assunto mostrando a importância em definir o tempo. Como se pode defini-lo e estudar sua natureza.

Aristóteles diz que o tempo não existe de uma forma absoluta, mas ele é infinito e constante.

Encontramos – no tempo – partes divisíveis e isso implica segundo Aristóteles, que estas partes somadas devem formar o todo. O tempo – em sua amplitude – é formado então pelo que já ocorreu e pelo que ocorrerá. De forma separada estes tempos não existem. O tempo pode ser dividido, mas não pode ser reproduzido separadamente.

Aristóteles diz que o que foi implica no que é e no que será. Os tempos formam o tempo, e por isso diz que separadamente eles não poderiam existir. De fato, o passado não poderia ter este nome se não fosse um tempo que se encontrasse antes de um outro tempo. Da mesma forma que a definição de tempo futuro implica um tempo que seja posterior a um outro tempo.

Quando Aristóteles se propõe a falar sobre o agora ( “nun” Física IV, 10, 218a, 5-30, p. 147-148 ele nos diz que o agora não pode ser uma parte do tempo, pois as partes somadas devem formar o todo e não parece ser isso o que ocorre com o tempo.

Aristóteles diz que a questão primeira é saber se o agora é uma única coisa que existe fora do tempo ou se ele – que funciona de mediador entre o tempo passado e o tempo vindouro – muda conforme as mudanças que media. O que ele quer dizer é, este agora que se dá em um instante, para separar o que foi daquilo que virá a ser, é sempre o mesmo agora, ou a cada instante que ele se mostra o agora é um outro?

Aristóteles diz que aquilo que foi e não mais é tem de ter sido destruído, pois nenhuma parte do tempo pode deixar de ser sem que seja sucedida. Sendo assim, se o agora não pode permanecer o mesmo, pois é algo que se encontra dentro do tempo – e logo perece pelo e no tempo –, ele tem de necessariamente mudar. E esta mudança implica na destruição de um agora por outro agora que o substituirá. Mas eis que Aristóteles surge com uma pergunta, o agora é destruído por quem? Por ele mesmo? Ele se apressa em dizer que isso seria impossível, pois o agora – neste momento em que ele se dá – ele é, e então não poderia destruir-se a si mesmo enquanto esta sendo. Mas sendo o agora algo sempre diferente, que dura apenas um instante, por quem ele é destruído? Pois para ser destruído em um outro momento, em um momento após ele ter-se dado (um momento em que ele não mais é o agora e temos um outro agora), ele tem de necessariamente ainda ser e o instante que o segue não poderia ocorrer, afinal, o agora que deixou de ser agora naquele instante que se passou ainda tem de existir depois de existir para poder ser substituído.

Aristóteles mostra que pensar em uma continuidade dos agoras não elucidaria a questão. Ele compara o agora a um ponto, assim como os pontos formariam a linha, os agoras formariam o tempo. Mas a continuidade de agoras – assim como se dá com os pontos – é impossível, pois para ser continuo o agora não poderia ser destruído no agora consecutivo àquele em que ele se deu, mas só seria eliminado em um agora outro. O agora, depois de ter deixado de ser agora teria que continuar a existir em um outro agora intermediário, que seria um agora infinito, o que, é impossível.

Então por que não admitir que o agora possa ser infinito e sempre o mesmo? Aristóteles responde dizendo que nada daquilo que permanece sendo o mesmo pode ser divisível e limitado, coisas que o agora é. O agora tem um único limite, que se dá em uma única direção.

Em que consistiria o agora? Em movimento e em mudança e estas seriam as melhores definições para o próprio tempo. Aristóteles diz que tanto a mudança quanto o movimento, relacionam-se tão-somente com a coisa que se altera. A mudança e o movimento ocorrido na coisa podem variar, podem ocorrer de forma mais rápida ou mais lenta, mas o tempo em que se dão sempre será o mesmo. O movimento e a mudança são tidos como muitos ou poucos por definição temporal, e não o contrário. Aristóteles diz que, sendo assim, o tempo não é movimento, mas tampouco o tempo pode existir sem mudança.

A questão da percepção de mudança de tempo está diretamente relacionada com a percepção da alma. Um bom exemplo sobre isto é que quando não nos damos conta de algo que ocorre, parece-nos que nenhum tempo se deu; temos a sensação de que nenhum tempo passou. Mas é um equivoco da percepção, o tempo transcorre independente de o notarmos ou não. Eis com isso a importância de um agora (dos agoras) sempre diferente. Se o agora não se mostrasse diferente, mas sempre idêntico e único, não teríamos a sensação de mudança e se de fato não ocorressem mudanças não ocorreria tempo. Isso pode ser vislumbrado quando não nos damos conta da diferenciação do agora, e de fato, mesmo não sendo notado ele é sempre um outro; se assim não fosse, não teríamos mudança e logo não existiria tempo.

Aristóteles reitera a discussão sobre movimento dizendo que o tempo não é o movimento, mas tampouco se pode pensar o tempo sem movimento.

Mas que tipo de movimento se dá no tempo? Afinal, é sobre a essência do tempo que Aristóteles se dispõe estudar nestes dois capítulos.

O agora é como um meio que se encontra entre um ponto de partida e um ponto de chegada; é o limite entre o um tempo anterior e um tempo posterior. Toda a grandeza temporal é continua e o movimento obedece a esta grandeza. Aristóteles diz que é pela continuidade desta grandeza que o movimento é continuo, e pelo movimento sê-lo o tempo também o é. Eis aí que fica claro porque temos a sensação do tempo estar sempre em relação proporcional ao movimento.

Mas o anterior-posterior é algo que se dá tão-somente em relação ao sujeito, ele é o movimento para o sujeito. Mas em relação ao próprio movimento não é assim que ocorre. Porque é na alma que ocorre esta diferenciação, esta distinção dos pontos extremos e o meio-termo. A alma identifica dois pontos distintos, pontos de mudança, o anterior e o posterior. E assim, se diz que ocorre o tempo, pois vemos a mudança.

Aristóteles alerta para esta parte de sua filosofia. Ele mostra o quão relevante é entender que, quando damo-nos conta do tempo de forma única, tomando-o como um único momento ao invés de senti-lo como uma sucessão de anteriores e posteriores,

não conseguimos vislumbrar que tenha ocorrido qualquer mudança, qualquer passar de tempo, pois não identificamos mudança. Mas quando a percepção humana entende o movimento de anteriores e posteriores, diz-se que o tempo ocorreu.

O movimento é sempre diverso, assim como o tempo, mas quando olhamos para o tempo de uma forma contemplativa ele é um todo, é uma única coisa. Isso pode ser dito também sobre o próprio agora, pois sua função é servir de mediador entre o anterior e o posterior e pensando assim atribuímos a ele (o agora) sempre o mesmo valor, por comportar tanto o anterior quanto o posterior, o agora é a medida para o tempo. Mas em sua essência ele é sempre diverso.

O agora poderia ser dito de duas maneiras: de uma forma ele é o mesmo e de outra, não. O agora, por variar de um momento para o outro, é diferente, diferente por vermos o agora a todo instante, sempre. Mas em relação a si mesmo, o agora é o mesmo. Aristóteles nos diz que da mudança podemos numerar a relação do movimento entre anteriores-posteriores e com isso identificamos o agora. Assim como a mudança se relaciona com o agora, o movimento se relaciona com o tempo. O agora é dito sempre o mesmo porque ele sempre é o anterior-posterior do movimento, o mediador, mas por sempre ser e relacionar-se com a mudança, em sua essência ele é sempre diferente.

O tempo é o número de mudanças, estas mesmas mudanças que definem o agora e que são a própria unidade do número que as torna possíveis serem determinadas. Não existiria o agora sem o tempo, mas sem o agora, e a mudança que se relaciona com ele, tampouco o tempo existiria. O tempo é movimento, e o movimento é mudança e toda a mudança se dá nos agoras, em um determinado tempo, em uma parte do tempo, no agora é onde ela (a mudança) ocorre.

É dentro do tempo que os agoras se manifestam, o tempo é formado pela continuação de agoras e é dividido pelos agoras. O agora é aquilo que nos mostra a relação que ocorre entre a mudança e o que é mudado.

O agora, pelo movimento da mudança é sempre diferente, e é por isso que Aristóteles diz que o tempo é como se fosse um certo tipo de número, um número de anteriores e posteriores.

O agora seria como um limite, uma fronteira entre o que foi e o que virá a ser, ele é um algo que é. O agora – mesmo estando no tempo – não é o tempo, é um acidente. Como um limite, o agora não faz parte daquilo que ele delimita, ele tem de se encontrar em algum lugar fora deste limite.

Aristóteles finaliza estes dois capítulos do livro IV da Física (capítulos X e XI) sobre o tempo dizendo que o tempo é a correlação de movimentos, dos movimentos entre um anterior e um posterior. E o tempo é contínuo, pois implica em uma continuidade de sucessões.





Bibliografia

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