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EPISTEMOLOGIA E ONTOLOGIA ARISTOTÉLICA:
O CONCEITO DE CIÊNCIA EM ARISTÓTELES


Antonio Carlos Gonçalves Junior


Aluno do Curso de Filosofia da Universidade Mackenzie






Introdução

O presente trabalho tem por finalidade trabalhar o conceito de ciência em Aristóteles presente no Segundos Analíticos e em alguns livros da Metafísica, abordando suas características essenciais, e, buscar, quando necessário, definições de conceitos dadas pelo filósofo em outras de suas obras. É importante ressaltar que não se trabalhará no decorrer do estudo, a relação entre ciência e lógica, ou, ciência e dialética, mas apenas o conceito de ciência e suas características fundamentais.


Diferença entre sabedoria e sapiência

Aristóteles se difere também, em relação à filosofia platônica, na sua concepção de sabedoria e sapiência. Para Platão, um saber “que é fim em si mesmo” é alheio, logo, a sapiência (sofia) é a ciência da ação virtuosa que corresponde à sabedoria[1] , já na filosofia aristotélica, esse saber “em si” é exaltado e identificado como a forma mais elevada e divina de saber, o que define como sapiência, cujo objeto é aquilo que é imutável, o necessário:

[...] o saber e o conhecer cujo fim é o próprio saber e o próprio conhecer encontram-se sobretudo na ciência do que é maximamente cognoscível. De fato, quem deseja a ciência por si mesma deseja acima de tudo a que é ciência em máximo grau, e esta é a ciência do que é maximamente cognoscível. Ora, maximamente cognoscíveis são os primeiros princípios e as causas; de fato, por eles e a partir deles se conhecem todas as outras coisas, enquanto ao contrário, eles não se conhecem por meio das coisas que lhes estão sujeitas[2].

Em vista do que é, para Aristóteles, a sapiência [3] , a sabedoria se reduz a uma coisa meramente humana, de menor valor, como explicito na Ética a Nicômaco “capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito ás coisas que são boas ou más para o homem” [4] . Também, por ser a sabedoria algo que diz respeito a conduta do homem, é mutável, pois também o homem muda.

Aristóteles define, mais precisamente, a sapiência nas seguintes palavras:

A sapiência é a mais perfeita das ciências. Quem a detém deve saber não só o que deriva dos princípios, mas também a verdade acerca dos princípios. Assim, a sapiência pode ser chamada ao mesmo tempo de intelecto e ciência, e, encabeçando todas as ciências, será a ciência das coisas mais excelentes [5] .

Neste trecho, o referente termo “intelecto”, pode ser entendido como, “o conhecimento direto dos princípios da demonstração”. É importante ressaltar que o conceito de “princípio” pode ter o mesmo significado que “causa”, pois, de acordo com Aristóteles, “todas as causas são princípios” [6] . Já no que diz respeito à “ciência”, na citação acima, refere-se a uma faculdade demonstrativa, ou hábito de demonstração [7] .


O CONHECIMENTO CIENTÍFICO NOS SEGUNDOS ANALÍTICOS

Aristóteles, em seu Segundos Analíticos expõe o conhecimento científico da seguinte forma:

Julgamos conhecer cientificamente cada coisa, de modo absoluto e não, à maneira sofística, por acidente, quando julgamos conhecer a causa pela qual cada coisa é, que ela é a sua causa e que não pode essa coisa ser de outra maneira [8] .

Desta forma, pode-se entender, “em sentido absoluto”, que só há conhecimento científico de determinada coisa, quando há conhecimento de sua causa, de modo que também se possa afirmar a impossibilidade de esta ser de outra maneira, ou seja, tal coisa necessariamente tem que ser de tal maneira. Essa noção de conhecimento científico pressupõe, portanto, duas características fundamentais que o qualificam: o conhecimento das causa, ou causalidade, e a necessidade, que é a impossibilidade de ser de outra maneira. Na falta de uma ou de outra destas características, resulta, como expõe Aristóteles, não num conhecimento que possa ser chamado de científico, mas sim, num conhecimento acidental, aparente, sofístico.


O necessário

O termo “necessário”, é definido em sua Metafísica da seguinte maneira “Ademais, dizemos que é necessário que seja assim o que não pode ser diferente do que é” [9] . O necessário, em seu sentido fundamental, trata do que é, e que não pode ser de outra maneira, portanto, sua necessidade, fundada “no que é”, é ontológica. É nesse sentido, que o texto epistemológico da Ética a Nicômaco retoma a noção de ciência proposta nos Segundos Analíticos e a esclarece:

[...] Por conseguinte, o objeto de conhecimento científico existe necessariamente; donde se segue que é eterno, pois todas as coisas que existem por necessidade no sentido absoluto do termo são eternas, e as coisas eternas são ingênitas e imperecíveis [10] .

A partir disso, pode-se dizer, sobretudo, que a ciência tem por objeto o necessário, e que este se identifica com o eterno, pois uma vez que é impossível determinado objeto ser outra maneira, ele sempre é, é inalterável. Ora, dizer então que o objeto da ciência é o necessário (que necessariamente é), ao invés de, simplesmente, utilizar o termo “eterno” (o que sempre é), é opor o termo (necessário) “[...] a uma outra esfera do real [...], ou seja, àquelas coisas todas que, verdadeiras embora e reais, são contingentes, isto é, podem, precisamente, ser de outra maneira” (PORCHAT, 2001, p. 39-40). O contingente, sendo então, o não-necessário, é quando não se pode haver ciência de determinado objeto, pois pode ser de outra maneira, logo, pode ser e não ser. O objeto contingente, de acordo com Aristóteles, é tudo que esteja sujeito à “geração e corrupção”, ou seja, ao que ora é, e ora não é. Por estar relacionado à geração e corrupção, o contingente, se identifica também à matéria (com exceção do éter, que é incorruptível) que é mutável e pode ser de outra maneira. A isto Aristóteles conclui “Não há, portanto, demonstração nem ciência, em sentido absoluto, das coisas perecíveis” [11] .

O fato de não se poder conhecer cientificamente tais coisas, explica Aristóteles, se dá por não saber se determinado objeto ainda é enquanto tal, ou, se ainda está sendo ou já deixou de ser, pois, como diz na Ética a Nicômaco, “uma vez [as coisas contingentes] fora de nosso campo de percepção, oculta-se-nos, também, se ainda são ou não” [12] . Outro esclarecimento a respeito da impossibilidade de conhecer o contingente se encontra na Metafísica:

As substâncias corruptíveis, quando fora do alcance das sensações, são incognoscíveis mesmo para quem possui a ciência; e mesmo que delas se conserve na alma as noções, delas não poderá haver nem definição nem demonstração [13] .

A opinião

Em Platão, opinião (doxa) é o “estado de conhecimento” entre a ignorância e a ciência, ou seja, é um conhecimento que não possui garantia de validade, é incerto e mutável, enquanto a ciência, por sua vez, busca os fatores que tornam válido o conhecimento. De acordo com Platão, a opinião é incerta, pois está circunscrita ao mundo sensível, não se tornará ciência enquanto não se ligar a um raciocínio causal, ou seja, enquanto não se ligar à idéia [14] . Aristóteles concorda com Platão no sentido de que, ao contrário da demonstração e da definição (procedimentos científicos), a opinião está sujeita a mudar, e também, ao identificar a ciência (episteme) como o conhecimento das causas, porém noutro sentido de “causa”.

O estagirita ainda atribui à opinião o conhecimento do contingente, pois, “não pode [...] a ciência ora ser ciência, ora ser ignorância” [15] , sendo a opinião então ora ciência, ora ignorância. Isto se deve ao fato de que a mutabilidade do contingente, que ora é, e ora não é, faz com que a opinião e o raciocínio sejam, em si, verdadeiros e falsos, ora verdadeiros, ora falsos. [16] No entanto, uma outra caracterização da opinião, que, aparentemente, parece contradizer o que foi dito, se mostra como algo que se relaciona com todas as coisas, dentre elas: as eternas, as impossíveis e as que estão em nosso poder, e que se distingue em verdadeiro ou falso.[17] Como se pôde ver, a opinião é, em si, verdadeira e falsa, pois também o objeto contingente ora é, e ora não é, deste modo como ela pode se dividir em verdadeiro e falso? Os Segundos Analíticos esclarecem a aparente contradição ao afirmar que existem objetos,

que, em si mesmos, são necessários e se podem conhecer eles como verdadeiros, seja apreendendo-os em sua mesma necessidade (deles, então, haverá ciência) seja, sem que como necessários se apreendam (e haverá deles, tão somente opinião) [18] .

Deste modo, mesmo determinado objeto sendo necessário em si e se apresentando como tal, poderá ocorrer a opinião, pois esta, mesmo apreendendo o verdadeiro (necessário em si), será leviana, não identificará a “necessidade” do objeto, ou seja, será inconsciente do conhecimento adquirido.


As causas

No Segundos Analíticos, o conceito de causa não se faz tão presente quanto o freqüente conceito de “necessário”. Na obra, Aristóteles menciona, por exemplo, “que há sempre uma causa, que é idêntica a própria coisa que se investiga ou é distinta dela, e que é o mesmo conhecer o que é uma coisa e conhecer a causa de ela ser” . O conceito de causa, por sua vez, se encontra definido em sua Metafísica , e é tomado em quatro sentidos: como essência ou substância (causa formal); como matéria (ou substrato); como princípio do movimento (ou causa eficiente); como fim (causa final) que visa a finalidade de cada coisa. A partir dessa melhor definição de causa, pode-se então pensar, qual desses sentidos da causa diz respeito à causa do conhecimento científico? Aristóteles, ao final do Segundos Analíticos, responde que, é por todas as espécies de causas que provamos nossas conclusões .


Conclusão

Sabe-se que a concepção de ciência, ou conhecimento científico, de Aristóteles foi de grande contribuição, tanto para as ciências empíricas quanto para a filosofia posterior. Caso o tema fosse mais aprofundado, ter-se-ia revelado a necessidade de abordar a lógica e a dialética, que são, de fato, os instrumentos para a obtenção da ciência. No entanto, como definido na introdução, este estudo teve por objetivo a análise e comparação de conceitos básicos que fundamentam tanto a lógica quanto a dialética, e bem como uma explanação do conceito de ciência em algumas de suas obras.


Referências bibliográficas

ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia . São Paulo: Martins Fontes. 2007.

ARISTÓTELES, Metafísica. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

___. Ética a Nicômaco. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

PORCHAT, Oswaldo Pereira. Ciência e Dialética em Aristóteles. São Paulo: Ed. UNESP, 2001.




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NOTAS

[1] A República IV 443c; Cf. 428b.
[2]Metafísica I, 2, 982a 30 – 982b 3.
[3]Em algumas traduções, a palavra “sapiência” aparece como “sabedoria”, enquanto a palavra sabedoria, como algo referente à conduta do homem, aparece como “sabedoria prática”. [4]Ética a Nicômaco VI, 5, 1140b 4-5.
[5]Ibidem VI, 7, 1141ª 16-19. In: ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes. 2007. p. 1025.
[6]Metafísica V, 1, 1013a 16-17.
[7]Cf. Ética a Nicômaco VI, 3, 1139b 31.
[8]Segundos Analíticos I, 2, 71b 9-12. In: PORCHAT, O. P. Ciência e Dialética em Aristóteles. São Paulo: Editora UNESP, 2001. p. 35.
[9]Metafísica V, 5, 1015a 34-35. O capitulo todo se refere aos significados do necessário, que são três no total, porém é desse ultimo sentido de necessário (descrito acima) que Aristóteles afirma que, de certo modo, derivam todos os outros significados de necessário.
[10]Ética a Nicômaco VI, 3, 1239b 23-24.
[11]Segundos Analíticos I, 8, 75b 24-25.
[12]Ética a Nicômaco VI, 3, 1139b 21-22. In: PORCHAT, O. P. Ciência e Dialética em Aristóteles
. São Paulo: Editora UNESP, 2001. p. 41.
[13]Metafísica VII, 15 1040a 2-4.
[14]“Platão considera a causa como o princípio pelo qual uma coisa é ou torna-se o que é. Nesse sentido, afirma que a verdadeira causa de uma coisa é aquilo que, para a coisa, é “o melhor”, isto é, a idéia, ou o estado perfeito da própria coisa” (ABBAGNANO, N. São Paulo. 2007. p. 142)
[15]Metafísica VII, 15, 1039b 32-33.
[16]Ibidem IX, 10, 1051b 13-7.
[17]Ética a Nicômaco III, 2, 1111b 30-33.
[18]Segundos Analíticos I, 33, 89a 16 seg. In: PORCHAT, O. P. Ciência e Dialética em Aristóteles. São Paulo: Editora UNESP, 2001. p. 42.
[19]Ibidem, II, 8, 93a 4-6. In: PORCHAT, O. P. Ibidem. P. 37.
[20]Metafísica I, 3, 983a 26-34.
[21]Segundos Analíticos II, 11, 94a 24-25. In: PORCHAT, O. P. Ciência e Dialética em Aristóteles. São Paulo: Editora UNESP, 2001. p. 38.