Estimado mestre, Jorge Luis Gutiérrez

É num pretenso elogio à amizade que escrevo esse excerto para a edição comemorativa dos dez anos da REVISTA PANDORA BRASIL, que tem por tema “AMORES FILOSÓFICOS”. Escrevo da Universidade de Coimbra em Portugal, onde me encontro em intercâmbio para minha universidade mãe. Impelida pela herança aristotélica que me foi transmitida pelo querido professor e editor desta revista Jorge Luis Gutiérrez norteio-me pela Philos. Já na Ética a Nicómaco enunciava Aristóteles sobre o amor Philia, o amor do companheirismo e da partilha. Assim sem grande elaboração, mas em agradecimento à generosidade do convite, venho em comunhão partilhar. Intento mencionar nesses escritos esse encontro e intercâmbio, frutos de diversas confluências e da relação da filosofia com a poesia em autores que aqui estudei e na minha própria vivência nas duas universidades. Nesse sentindo apresento o poeta Heinrich Heine que em Coimbra pude pela primeira vez ler, explorando a philos, amizade e admiração que nutriam por ele os filósofos Karl Marx, Friedrich Engels e Friedrich Nietzsche, filósofos que me foram apresentados nesta casa sob os cuidados e atenção dos professores Ângela Zamora Cilento e Roger Fernandes Campato.

A vocês meu muito obrigado. Saudosos cumprimentos.

Luciana Carmo


DA AMIZADE ENTRE POETAS E FILÓSOFOS

Luciana Carmo dos Santos (*)



O Poeta

Christian Johann Heinrich Heine (1797-1856) poeta romântico alemão nasceu em Düsseldorf, às margens do Reno, estudou direito, literatura e filosofia em Bonn, Göttingen e Berlim. Atuando também como jornalista, deu inicio a sua atividade jornalística na Associação para a Cultura e Ciência dos Judeus. Radicado em Paris “metrópole do século XIX” atuou como correspondente alemão.

Preocupado em denunciar os males de seu tempo, fez circular criticas ferozes, estofo de seus poemas políticos. Um dos autores mais lidos e paradoxalmente mais censurados da língua alemã, é uma personalidade marcante do século XIX, que nas palavras de Wilhelm Dilthey, se configura como «um fator violento nas forças destrutivas de seu tempo». É consagrado entre os alemães como o primeiro intelectual e artista judeu-alemão, de ampla repercussão internacional. Sobre “Heinrich Heine e o papel do intelectual na Alemanha” dirá Jürgen Habermas:

«Quem conhece a luta de Heine de vida inteira com a censura e sabe que as possibilidades de intervenção do censor, antecipadas por ele, exerceram uma influência diretamente estilística sobre seus textos, não subestimará o peso desses versos sarcásticos nem a verdade ironicamente oculta neles»(1).

Das amizades de Père Heine

Considerado um dos precursores do discurso materialista, vinte anos mais velho que Karl Marx, antecipou pensamentos que seriam mais tarde secundados e problematizados extensivamente por este e por Friedrich Engels. Sua poesia encontrou ecos inclusive em Nietzsche e em sua Filosofia do Martelo. Usando os versos como um chicote, foi um crítico feroz de sua época e um dos poetas mais musicados da historia.

Aluno de August von Schlegel, e Georg Hegel, estudou o último exaustivamente. Num diálogo estreito com a filosofia, fez da poesia um instrumento de luta para a revolução. Poética subjetiva mas essencialmente materialista, corroborou para a crítica do capital, denunciando a exploração do trabalho humano, afinidades que o fizeram grande amigo dos autores do Manifesto Comunista. Dirá Marx em sua obra O Capital «tivesse eu a coragem de meu amigo H. Heine»(2).

Crítico feroz da religião teve seu nome listado no Index da Igreja Católica. Inspiração, influência e instrumento de luta, sua lírica revolucionaria ecoou pelo tempo. Em 1827 no Livro das canções (Buch der Lieder), profetizou a morte de Deus e em 1840 numa contínua crítica à religião, Heine enuncia na obra Ludwig Börne, “a religião como «ópio» espiritual de uma humanidade sofredora”. o que posteriormente Marx brandaria na Crítica da filosofia hegeliana do direito (1844). Reverberações do chicote nos escritos da foice e do martelo.

«Foi-se a minha ânsia por tranquilidade. Sei de novo o que eu quero, o que devo, o que preciso…. Sou um filho da Revolução e de novo pego as armas invulneráveis, sobre as quais a minha mãe proferiu a sua bênção mágica… [...] Eu sou todo alegria e canto, espada e chama!»(3)

«De tudo, em pessoas, que aqui eu deixo, a herança heineana é a que mais me aflige. Como gostaria de colocá-lo em minha bagagem»”(4). Palavras enunciadas por Karl Heinrich Marx em despedida, na ocasião do embargo do jornal Vorwärts! [Avante!]! pelo governo prussiano, endereçadas a “Père” Heine numa demostração de elevado apreço e estima ao poeta que tanto teria lhe inspirado e a quem tanto também iria inspirar. Marx teria conhecido o poeta que se tornaria seu grande amigo e colaborador em dezembro de 1843 quando este voltava de uma viagem a Hamburgo. (5)

Um de seus poemas mais famosos, “Os Tecelões da Silésia”, foi motivado pela rebelião de tecelões severamente reprimida pelo exército prussiano que ocorreu em de junho de 1844. Publicado quatro dias depois, na revista Vorwärts! [Avante!], editada por Karl Marx e Arnold Ruge em Paris, foi traduzido para o inglês por Friedrich Engels e publicado no jornal Inglês “The new moral World”. Transformada em panfleto, virou hino do movimento operário internacional, versos que se tornaram a canção da Liga dos Comunistas em Londres. Mais tarde após a publicação do amigo, Marx escreveria dois artigos sobre a revolta da Silésia.

Nas graças de Dionísio

«O mais alto conceito de lirismo foi-me dado por Heinrich Heine. Em vão procurei em todo o curso dos milénios uma música assim tão doce e apaixonada. Ele possuía aquela ironia divina, sem a qual não consigo imaginar a perfeição.» (6)

Asseverado critico da cultura alemão garantiu a admiração de Nietzsche ocupando um lugar privilegiado no acervo do filosofo de Dioniso. A sua arte no manejo da língua alemã conquistou a admiração do filólogo. É em Ecce Homo que Friedrich Nietzsche confessa os seus amores à lírica heineana, afirmando que nela teria encontrando o mais alto conceito do lirismo e a ironia divina que encerra a perfeição. Chega mesmo a se comparar ao poeta a título de poderem ser considerados, ele e Heine, os primeiros artistas da língua alemã. «Dir-se-á um dia que Heine e eu fomos, de longe, os primeiros artistas da língua alemã – a uma distância incalculável de tudo o que com ela fizeram os simples alemães». (7)

Nietzsche viria a revelar sentimentos ambíguos em relação ao poeta em meados de sua ruptura com Wagner, momento que assinala um endurecer de suas críticas à cultura alemã, afirma que «os Alemães são incapazes de qualquer conceito de grandeza.»(8) Em ambiguidade acusa Heine de misturar estilos como quem brinca com o brilho de jogos elétricos de cores.(9) Porém Heine, mais que um poeta alemão é para Nietzsche «um acontecimento europeu» imbuído da malícia divina.

Pode-se ler que é “sob a proteção divina destinada aos sátiros” que no Canto da Melancolia, em Assim falava Zaratustra, é convertida em referencia a critica tecida por Nietzsche ao estilo de Heine. A mentira e o excesso de cores dos quais Heine é acusado por Nietzsche, são ali dadas como características próprias do poeta”(10).

Heine no Brasil - “nossa vida mais amores”(11)

De inúmeros admiradores exerceu influencia também no Brasil sendo lido, traduzido e sorvido por diversos pensadores ao longo tempo. Sua poética é uma sátira espirituosa, politizada e combativa, especialmente voltada para o social e ocupada em denunciar os males de seu tempo. Na opinião de Habermas, o estilo heineano era uma prova contra a censura. Especificamente no Brasil, Heinrich Heine cultivou admiradores, dentre eles Gonçalves Dias (1823-1864). Entre traduções, influencias e inspirações Álvares de Azevedo (1831-1852). Influencia que se atesta no poema “Namoro a Cavalo”. Admirador confesso do poeta alemão, igualmente incorreu a Castro Alves (1847-1871), exercendo tal influencia que penetrou sua obra e impregnou seus escritos da lírica heineana. Prova disso será o poema de Heine “Navio Negreiro” em que o poeta brasileiro, no combate à escravidão sorveu a aspiração para escrever seu célebre poema de título homónimo. Inspiração e influência, possuía elevada estima entre os pensadores do país. Machado de Assis (1839-1908), crítico da filosofia e um dos maiores ícones da literatura brasileira, foi também seu leitor. Teve ainda em sua defesa contra o anti-semitismo crescente da época o apoio do filosofo e poeta brasileiro Tobias Barreto (1839-1859). O poeta Heine exerceu influencia, admirado colecionou amizades e pode se gabar do percurso que teve.

«Sim, eu me lembro de ter na noite passada percorrido todas as províncias e provinciazinhas, batido na porta de meus amigos, e tirado as pessoas do sono»(12)

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1. Habermas, J. “Heinrich Heine e o papel do intelectual na Alemanha”, Cadernos de Filosofia Alemã 3, pp. 79-105, 1997, tradução de Priscila Figueiredo e Luiz Repa, pg 82

2. MARX, KARL . O capital Livro I –– São Paulo: editora boitempo , 2013 - pg 1412
3. VALLIAS, ANDRÉ. HEINE, HEINRICH, 1797-1856. Heine, hein? : Poeta dos contrários – São Paulo: Perspectiva : Goethe- institut, 2011 – pg 466
4. Ibdem -pg 486
5. MARX, KARL . O capital Livro I –– São Paulo: editora boitempo , 2013 - pg 1085
6. FRIEDRICH NIETZSCHE. ECCE homo - Covilhã :Universidade da Beira Interior, 2008 pg 34
7. FRIEDRICH NIETZSCHE. ECCE homo – Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2008 pg 32
8. Ibdem pg 32
9. FRIEDRICH NIETZSCHE. Consideraciones intempestivas David Strauss, el confesor y el escritor (y Fragmentos póstumos) - Madrid : Alianza Editorial, S. A., 1988, pg 191
10. Assim falava zaratrusta – eBooksbrasil.com. 2002 pg 469
11. Referencia a Canção do exilio, poema de Gonçalves Dias, também influenciado por Heine, o poeta.
12. Heine, Heinrich, 1797-1856, Vallias, André. Heine, hein, Heine, hein? : Poeta dos contrários – São Paulo : Perspectiva : Goethe-Institut, pg 170

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(*) Luciana Carmo dos Santos é graduanda em Filosofia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie atualmente encontra-se em atividades no exterior na Universidade de Coimbra - Ativista, Poeta e Gestora Cultural é Presidenta da Associação de Pesquisadores e Estudantes Brasileiros em Coimbra – APEB/Coimbra. .



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