UM CORAÇÃO MOVIDO PELO VENTO E GUIADO PELAS ESTRELAS. O amor no livro Amor e filosofia, um romance da época dos papiros, de Jorge Luis Gutierrez

Juliana Veroneze Léo (1)


Um coração movido pelo vento e guiado pelas estrelas, a vida sobre as águas de um navegante fenício "que amava o sol, o mar e os papiros" e foi o mar que o levou até os seus amores. Ainda na Grécia rumo à Fenícia sua pátria, a cor do pélago reluzia pelos olhos de uma mulher e ele a contemplou por instantes, era uma escrava da Trácia. A seu dono pagou-lhe e após uma longa caminhada em silêncio depositou nas mãos dela duas moedas e um dilema: a escolha de voltar para sua terra ou seguir com ele.

O olhar do mareante "causava na alma dela um sabor de sossego" e o horizonte distante a convidava à liberdade, ela sem compreender olhava nos olhos dele, Ahinadab tinha em sua face o sorriso do desejo e disse a ela: Eu só posso amar alguém que é livre! A admiração resvalava pelas curvas de seu corpo e ela tocou no ombro dele e o seguiu, cujo destino era traçado pelo mistério.

As plêiades reluziam como diamantes sob o mar Egeu e contemplava os corpos de um homem e uma mulher entrelaçados pelo amor, ele a chamou carinhosamente de Eirene, a paz e em ventre liberto a beleza e o sublime concebe o fruto progênito.

À vida, vinha menina de rara beleza, seus olhos guardavam o brilho das constelações, seus cabelos banhados de ouro dançavam como as ondas do mar, alma livre como vento, era ela, a "Kaliste" Mariam nascida para amar, "o amor foi sua estrela guia, seu rumo e como vento, soprou as velas de sua vida.

"Os fenícios pensam tudo como se fosse uma navegação", e do mar vinham todas as coisas da vida, Eirene e Mariam mantinham seus olhos sempre ao horizonte pois era ele que anunciava a chegada de Ahinadab.

Ainda sobre as águas do mar a menina alegrava-se em avistar seu pai e em terra, o desvelo pelos papiros escritos trazidos da Grécia que como de costume dormiam por algum tempo em um baú de sua casa, Mariam os lia, por vezes os transcrevia e os guardava em sua pequena biblioteca, herdou de seu pai esse amor pelo conhecimento, que durante suas viagens sentava-se na escada do navio para lê-los.

Em uma manhã, quando Ahinadab voltava da Grécia Eirene e Mariam perceberam um grego a bordo, pelos trajes do jovem. Era ele Andrônico um estudante de Filosofia do Liceu de Atenas, que buscava o filósofo de Heloim para saber sobre "Deus ter colocado a eternidade no coração do homem".

Ao descer do navio avistou primeiramente Mariam, e a contemplou na "duração indefinida do tempo", naquele instante nele nasce o desejo de ficar para sempre ao lado dela.

Minha alma inebria-se nesse átimo
Oh formosa mulher, flor da excelência
Tua beleza sibilas em mim um novo poema
Fostes esculpida pelos deuses
Os dourados fios de teus cabelos, como os de Afrodite
Movem-se ao vento e torna-te mais graciosa
Teus olhos reluzem o céu sob o mar da Fenícia
E meu coração atraca como navio que encontrou seu porto.



Seguido do poema silencioso composto pela alma, Andrônico fala em grego a um marinheiro da beleza da moça sem saber que ela compreendia grego.

Foi na Fenícia de Mariam que Andrônico "aprendeu a viver e a amar a vida. E que a filosofia só é verdadeira se há uma vida real por trás do filósofo que filosofa."

Não tardou para que os jovens se casassem e após duas semanas das bodas seguiram para Canaã em busca do filósofo de Heloim. Muitos eventos ocorrem nessa trajetória até finalmente encontrarem Qohelét, o filósofo em Canaã. Eles permanecem juntos por muitos dias, Mariam e Andrônico tomam nota de todos os ensinamentos, mas a emoção verte pelos olhos do jovem filósofo quando Qohelét fala sobre a eternidade ter sido colocada no coração do homem por Deus .

"É durante a vida, enquanto podemos respirar, que o conjunto de tempo está em nosso coração. A isso eu chamo eternidade." "Em nosso coração há um tipo de tempo que está sobre o tempo que podemos sentir com nosso corpo e no qual envelhecemos. Esse outro tempo é o "olam", que não tem duração e está sempre além do que podemos sentir. É o tempo escondido, é o tempo divino".

Mariam nota um lágrima nos olhos de Andrônico e com os lábios a enxuga, ele se lembra das aulas de filosofia no Liceu, o instante eterno do saber e olha a sua mulher e compreende a eternidade do amor...

A beleza de teu corpo nu roubava-me a atenção
Suas curvas moviam-se ao meu redor
Meus olhos inebriados, contemplava-te;
Por instantes encontro-me em Siracusa
No templo de Afrodite Kallipygos
És a própria deusa que diante de mim passeia.

Passado o tempo é chegada a hora de partir.

O nublado céu derrama chuva na despedida entre o casal e o filósofo, Andrônico finda o encontro e pede a Zeus abençoar Qohelét e o filósofo diante dos muros de Jerusálem diz ao casal:

"- Que Heloim os acompanhe e proteja. Eu continuarei aqui tentando compreender nosso Deus" e após nossos dias juntos vou refletir se a "Filosofia pode nos ajudar a compreender o que nossos profetas escreveram" e se a "leitura de nossos profetas pode nos ajudar a compreender a filosofia dos gregos" "Quero colocar Deus e o homem em relação" "Quero poder pensar com lucidez. Não só quero pensar sobre Deus e conhecê-lo, se for possível quero também senti-lo. Quero pensar e refletir, mas também experimentar e intuir. Quero explicar mas também contemplar. Quero as verdades eternas misturadas com a realidade das coisas que existem abaixo do sol." "Quero procurar Deus humildemente com honestidade e dedicação. Quero procurá-lo com meu pensamento, mas também com meu coração"

Após um curto silêncio sorriu, mandou lembranças aos deuses da Grécia e da Fenícia e despediu-se dizendo: "E nunca se esqueçam que toda a arte da vida é essa, transformar as belas ideias e palavras em belas realidades. E como fala nosso profeta Isaías "Vocês sairão alegres e serão guiados em paz para a sua terra".

Mariam chega à Fenícia grávida de seu primeiro rebento, ao longo dos anos tiveram duas meninas, um menino e muito trabalho escrevendo os ensinamentos do filósofo de Heloim nos papirus.

Foram trinta e cinco anos de amor, Andrônico dizia à Mariam "amamos aquilo sem o qual seria impossível viver, amamos não o que nos falta, mas aquilo sem o qual não poderíamos viver se nos falta" Sempre seremos desejo alegre, realizado, satisfeito... Nós sempre seremos amor em ato."

E ele amou a tudo, a Mariam, aos filhos, aos pais dela, a Fenícia, a beleza... a filosofia, até o poema da vida chegar ao fim. Ela muito amada também amou muito, e mesmo quando sua alma imergir no Lete, o rio do esquecimento e do silêncio ela suplicará que Hades mantenha nas memórias de seu coração as lembranças de Andrônico.

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(1) Juliana Veroneze Léo é Bacharel e licenciada em Artes pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo e Graduanda em Filosofia pela Universidade Mackenzie;.



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