SOBRE O AMOR NO LIVRO AMOR E FILOSOFIA, um romance da época dos papiros, de Jorge Luis Gutierrez (1)
Ana Lúcia Trevisan (*)
Os temas filosóficos, bem como as nuances delicadas do discurso amoroso gravitam ao redor da trama que move o romance Amor e filosofia, de Jorge Luis Gutierrez. O leitor, cativo de uma intriga que mescla história e filosofia, submerge em uma escritura clara e poética, capaz de narrar os sortilégios da relação amorosa dos personagens Mariam e Andrômico, ocorrida na cidade de Biblos, na Fenícia. O romance permite, também, a imersão no destino de muitos outros personagens, que transitam pelos recônditos do mundo Antigo e descrevem, em suas trajetórias, a imprevisibilidade dos destinos humanos.
Ao longo das páginas, as ponderações filosóficas ganham força e conduzem grande parte dos diálogos que compõem as principais cenas do romance. As muitas conversas, que possuem uma dinâmica de intimidade, são o enlevo da narrativa e provocam no leitor uma sensação de proximidade com todas as situações e sentimentos descritos. Em cada um dos diálogos dispostos na narrativa surge uma atmosfera de cumplicidade ímpar, pois, ainda que estejamos separados por séculos de distância, a Grécia antiga e o Oriente se fazem presentes na profusão das sutilezas filosóficas e da subjetividade poética.
Na literatura todo tema submete-se a uma ordenação estética, a uma perspectiva de elaboração formal, logo, no romance, percebemos um cosmos filosófico e narrativo que emerge, justamente, no ritmo ágil e também tortuoso das reminiscências. O “romance da época dos papiros” expressa reiteradamente o fascínio pela palavra e pelo texto escrito. Diferentes personagens exaltam o poder e o encantamento imanentes à palavra e, assim, surge um movimento narrativo constante: a palavra escrita é referenciada pela leitura, que por sua vez se concretiza no ato provocador dos diálogos, logo, nessa expressividade dialógica surgem as formas de deleite da sabedoria e da beleza. A ordenação dos acontecimentos e as reflexões expressas em vários momentos da obra corroboram para que os sentidos e valores da literatura e da leitura se explicitem. O amor pela palavra, passa a ser, no andamento do enredo, a face que dá guarida a própria filosofia e, claro, ao relato das relações humanas.
A cena amorosa e a cena filosófica, que se coadunam em meio às paisagens fenícias e aos mares gregos, combinando beleza e precisão, compõem uma estética singular, em que o texto literário se reafirma como a possibilidade de percepção dos sujeitos históricos, em suas mais diferentes épocas. Nesse sentido, ao longo do romance são possíveis alguns questionamentos, afinal, seria possível, hoje, ponderar sobre a maneira que falavam os filósofos na antiguidade? Ou, pensar os caminhos e descaminhos de seus amores? A poesia é que pode nos dar uma resposta. Sim, pela imaginação poética tona-se possível o encontro metafórico de verdades humanas, tão dispares como perenes. Também, é pela imersão no cosmos poético que as latitudes geográficas e temporais se redimensionam, movidas, tão-somente pela experiência multitemporal de leitura.
O filosofo Hans-Georg Gadamer, em sua obra Verdade e método (1986), assinala que “a determinação da obra de arte é a de se tornar uma vivência estética; ou seja, que arranque de um golpe aquele que vive, do conjunto de sua vida, por força da obra de arte e que, não obstante, volte a referi-lo ao todo de sua existência”. Entende-se que, na “vivência estética”, cada palavra pode conduzir o destino, logo, pela imaginação torna-se possível rever o passado e reconstruir a temporalidade, estabelecendo um presente eterno, no qual passado e futuro se combinam nas esferas da memória e do desejo.
A leitura do romance de Jorge Luis Gutierrez e, sem duvida, prazerosa e desafiadora, nesse sentido, agradeço a oportunidade de ter sido uma leitora de primeira mão, certa de que tal confiança se deve a uma amizade nascida no encantamento comum pela palavra poética.
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(1) Este texto é a apresentação da obra publicada no livro "Amor e filosofia, um romance da época dos papiros".
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(*) Ana Lúcia Trevisan possui doutorado em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) na área de Literatura Espanhola e Hispano-Americana. Atualmente é coordenadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Letras (mestrado e doutorado) da Universidade Mackenzie onde desenvolve pesquisa na área dos estudos literários com ênfase na Literatura Brasileira e Hispano-americana, principalmente nos temas relacionados à literatura latino-americana contemporânea, às relações dialógicas entre discurso histórico e literário e aos limites da narrativa fantástica. É autora do livro “O espelho fragmentado de Carlos Fuentes”, Editora Mackenzie, 2008.
Ao longo das páginas, as ponderações filosóficas ganham força e conduzem grande parte dos diálogos que compõem as principais cenas do romance. As muitas conversas, que possuem uma dinâmica de intimidade, são o enlevo da narrativa e provocam no leitor uma sensação de proximidade com todas as situações e sentimentos descritos. Em cada um dos diálogos dispostos na narrativa surge uma atmosfera de cumplicidade ímpar, pois, ainda que estejamos separados por séculos de distância, a Grécia antiga e o Oriente se fazem presentes na profusão das sutilezas filosóficas e da subjetividade poética.
Na literatura todo tema submete-se a uma ordenação estética, a uma perspectiva de elaboração formal, logo, no romance, percebemos um cosmos filosófico e narrativo que emerge, justamente, no ritmo ágil e também tortuoso das reminiscências. O “romance da época dos papiros” expressa reiteradamente o fascínio pela palavra e pelo texto escrito. Diferentes personagens exaltam o poder e o encantamento imanentes à palavra e, assim, surge um movimento narrativo constante: a palavra escrita é referenciada pela leitura, que por sua vez se concretiza no ato provocador dos diálogos, logo, nessa expressividade dialógica surgem as formas de deleite da sabedoria e da beleza. A ordenação dos acontecimentos e as reflexões expressas em vários momentos da obra corroboram para que os sentidos e valores da literatura e da leitura se explicitem. O amor pela palavra, passa a ser, no andamento do enredo, a face que dá guarida a própria filosofia e, claro, ao relato das relações humanas.
A cena amorosa e a cena filosófica, que se coadunam em meio às paisagens fenícias e aos mares gregos, combinando beleza e precisão, compõem uma estética singular, em que o texto literário se reafirma como a possibilidade de percepção dos sujeitos históricos, em suas mais diferentes épocas. Nesse sentido, ao longo do romance são possíveis alguns questionamentos, afinal, seria possível, hoje, ponderar sobre a maneira que falavam os filósofos na antiguidade? Ou, pensar os caminhos e descaminhos de seus amores? A poesia é que pode nos dar uma resposta. Sim, pela imaginação poética tona-se possível o encontro metafórico de verdades humanas, tão dispares como perenes. Também, é pela imersão no cosmos poético que as latitudes geográficas e temporais se redimensionam, movidas, tão-somente pela experiência multitemporal de leitura.
O filosofo Hans-Georg Gadamer, em sua obra Verdade e método (1986), assinala que “a determinação da obra de arte é a de se tornar uma vivência estética; ou seja, que arranque de um golpe aquele que vive, do conjunto de sua vida, por força da obra de arte e que, não obstante, volte a referi-lo ao todo de sua existência”. Entende-se que, na “vivência estética”, cada palavra pode conduzir o destino, logo, pela imaginação torna-se possível rever o passado e reconstruir a temporalidade, estabelecendo um presente eterno, no qual passado e futuro se combinam nas esferas da memória e do desejo.
A leitura do romance de Jorge Luis Gutierrez e, sem duvida, prazerosa e desafiadora, nesse sentido, agradeço a oportunidade de ter sido uma leitora de primeira mão, certa de que tal confiança se deve a uma amizade nascida no encantamento comum pela palavra poética.
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(1) Este texto é a apresentação da obra publicada no livro "Amor e filosofia, um romance da época dos papiros".
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(*) Ana Lúcia Trevisan possui doutorado em Letras pela Universidade de São Paulo (USP) na área de Literatura Espanhola e Hispano-Americana. Atualmente é coordenadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Letras (mestrado e doutorado) da Universidade Mackenzie onde desenvolve pesquisa na área dos estudos literários com ênfase na Literatura Brasileira e Hispano-americana, principalmente nos temas relacionados à literatura latino-americana contemporânea, às relações dialógicas entre discurso histórico e literário e aos limites da narrativa fantástica. É autora do livro “O espelho fragmentado de Carlos Fuentes”, Editora Mackenzie, 2008.