O ULTRARROMANTISMO AZEVEDIANO: A face de Caliban

Amanda Alcântara(*)


Depois a doença da vida que não dá ao mundo objetivo cores tão azuladas, como o nome britânico de blues devils, descarna e injeta o fel cada vez mais no coração. Nos mesmos lábios onde suspira a monodia amorosa, vem a sátira que morde.

E assim, depois dos poemas épicos, Homero escreveu o poema irônico. Goethe depois de Werther criou o Faust. Depois de Parisina e Glaour de Byron vem o Cain e D. Juan. (Frag. Prefácio da II parte da Lira dos Vinte Anos)

Álvares de Azevedo (1831-1852) propõe uma relação intrínseca entre vida e obra —, relação esta que parece existir em sua própria literatura, fazendo da mesma, por vezes, autobiográfica — sentimentos tais como a realização do amor, a esperança no porvir vão dando lugar a descrença, ao spleen e a impossibilidade de alcançar plenamente o objeto amado.

Ironicamente a própria vida é a responsável por este demasiado tédio que toma a alma do eu-lírico, que se vê obrigado a deixar seu mundo “visionário e platônico” para mergulhar na objetividade que o martiriza.

O amor ainda é o sentimento em evidência como é característico do período, contudo, uma série de fatores impossibilita sua realização: o sentimento não correspondido, a figura da mulher que existe apenas em sua mente, e talvez o principal deles, a morte: que se desdobra em um desejo, e ao mesmo tempo em medo.

PENSEROSO
Pobre moço! Não amas!

MACÁRIO
Amo — amo sim. Passei toda esta noite junto ao seio de uma donzela, pura e virgem como os anjos.

PENSEROSO
Que tens? Cambaleias. Estás ébrio?

MACÁRIO
Ébrio sim — ébrio de amor, de prazer. [...] Que noite! Parece que meu corpo desfalece. E minha alma absorta de ternura só tem um pensamento — morrer!

PENSEROSO
Amar e não querer viver!...

MACÁRIO
Ela é muito bela. Eu vivi mais nesta noite que no resto de minha vida.

(Frag. Macário)

Apesar de amar, Macário não consegue conceber o sentimento como algo que perdurará, sua vida parece ter alcançado um status de perfeição momentâneo que ele busca imortalizar da única forma que lhe parece possível: com a morte Ora o personagem não enxerga o amor como uma construção desenvolvida ao longo da vida, e sim como algo tendencioso a um desgaste, que se transformará primeiro em saudade, e depois, em esquecimento. Muito embora a principio, sempre pareça sublime e atemporal.

A morte, então, apesar de manter o caráter melancólico por intermédio da nostalgia perante aquilo que há de bom no mundo, também procura abster o personagem (e o eu-lírico) de um sentimento efêmero e um futuro fadado ao escárnio que a vida por fim se mostra.

Mas depois desta vem outra — mais outra — e o amor se desfaz numa saudade que se desfaz no esquecimento.




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(*) Amanda Alcântara é formada em Filosia pela Universidade Mackenzie. É autora do livro "Sombras De Ventania" (São Paulo, Editora Giostri, 2015) e co-autora do livro de poemas "Imagens Espelhadas" (São Paulo, Editora Giostri, 2016).



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