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AVICENA E A “FILOSOFIA ORIENTAL”

Dr. Cecilia Cintra Cavaleiro de Macedo

Doutora em Ciências da Religião, Mestre em Filosofia e pequisadora do Grupo de Pesquisas em Filosofia Medieval Latina e Filosofia Medieval em árabe (Falsafa) PUCSP/CNPq. (cavaleirodmacedo@uol.com.br)



Muito mais conhecido por suas obras médicas e de filosofia racional, Avicena nos deixou belas peças de um tipo de literatura completamente diferente, em forma de relatos ou pequenos contos, expondo através de imagens simbólicas um tipo de sabedoria que pode ou não ser coincidente com sua proposta filosófica. Estes relatos são objeto de discussão entre os estudiosos que não chegaram a um acordo completo sobre sua interpretação. Este pequeno texto pretende fornecer aos estudantes de filosofia medieval uma apresentação introdutória a respeito do termo “Filosofia Oriental” ou “Sabedoria Oriental”, utilizado por Avicena e aplicado ao conjunto de seus escritos esotéricos ou visionários.

O termo “Filosofia Oriental” (al-hikhmat al-mashriqiyya] foi utilizado primeiramente por Avicena (Ibn Sina], o célebre filósofo e médico persa, e vem despertando, entre os estudiosos, intensas discussões sobre seu significado. A palavra mashriq deriva da raiz sh-r-q, e significa, literalmente, o Levante, ou a Luz do Sol Nascente, que provém do Leste ou Oriente, sharq. Desta forma, a palavra mantém estrita relação com o Oriente, enquanto local geográfico onde o sol se levanta; mas como se refere igualmente à Luz do Sol, conecta-se, em linguagem simbólica, à Iluminação Mística ou Intuição.

Abu Ali Al-Hussein Ibn Abdullah Ibn Sina, latinizado Avicena, e imortalizado como al-Sheikh al-Rais, nascido em Afsana, próxima a Bukhara, em torno de 980. Foi um brilhante médico e um dos mais importantes filósofos do Islam e da medievalidade como um todo. A ele são atribuídas cerca de 250 obras. Por seu nome, acredita-se que fosse de linhagem persa, dado que o nome Sina é inexplicável a partir do árabe, aramaico ou hebraico, mas é possível que seja uma forma avéstica ou sânscrita derivada de Sena (guerreiro valoroso]. Seu pai ‘Abd Allah converteu-se ao Ismailismo fatímida, no que foi seguido pelo irmão do filósofo. Embora não se conheça exatamente o grau do impacto das doutrinas Ismailis em sua formação, Avicena jamais se colocou como participante daquela facção, aparentemente, por divergências quanto à formulação filosófica daquela corrente, mantendo-se, por toda sua vida, tal como é considerado hoje, ou seja, um xiita moderado. Ibn Sina foi um estudioso precoce e inteligente, tendo adquirido, ainda muito jovem, em Bukhara, uma sólida formação em medicina, filosofia, e direito islâmico. Aos 18 anos, ocorre um episódio que o conduzirá à fama: o príncipe Nuh al-Mansur adoece e seus médicos não são capazes de curá-lo. Avicena é chamado, junto a outros médicos da corte, e, com a participação do filósofo, o príncipe recobra sua saúde. “Em sinal de gratidão, foi colocada à sua disposição a biblioteca dos governadores Samânidas (os dominadores da Pérsia, antes da conquista árabe] que, na época, era o santuário do saber ”.[1] Lá, Avicena relata ter lido livros e tomado notas do conteúdo de obras orientais desconhecidas de seu tempo .[2]

Dado que o filósofo tinha já familiaridade com as obras advindas do pensamento grego, acredita-se que estes livros tenham sido remanescentes da produção persa anterior à invasão islâmica. Avicena se estabelece naquela cidade até a tomada do poder pelos turcos, quando parte, por volta de 999, para Jurjan, capital de Khwarizm. Mas lá também não para por muito tempo, partindo em 1009 para uma longa peregrinação por vários lugares, acompanhado por seu irmão e pelo médico cristão Abu Sahl b. Muhammad Suhilí. Atravessando o deserto de Qaraqum chega a Nasa’, atual Turcomenistão, tenta retornar a Jurjan, foge novamente para as estepes, retorna novamente, sempre buscando por uma corte onde pudesse servir com seus conhecimentos. Traslada-se a Rajj, depois a Hamadan, onde se estabelece,servindo ao emir Shams al Dawla, como vizir. Com a morte deste, em 1023, tenta entrar a serviço do emir de Ispahan, ‘Ala al-Dawla, mas é encarcerado. Libertado da prisão, mas ainda confinado, foge com seu irmão, com seu amigo, discípulo e biógrafo ‘Abu ‘Ubaid Al-Juzjani e com dois escravos, todos disfarçados de sufis, conseguindo chegar a Ispahan, onde ‘Ala al-Dawla lhe daria proteção. Foi assessor, conselheiro e médico deste emir e com ele empreendeu diversas viagens. Nessa época compôs a parte da lógica, geografia e astronomia de Al-Shifa, tendo praticamente terminado esta obra. Outras obras importantes são também deste período, como, por exemplo, Al-Najat (A Salvação] que era um extrato de Al-Shifa e o Danesh Nama (O Livro das Ciências] obra sua escrita em persa. Ibn Sina morreu em Hamadan com a idade de 58 anos.

A biografia escrita por Al-Juzjani fala-nos de 40 obras, mas hoje estão catalogados cerca de 270 documentos, entre grandes e pequenos livros, epístolas, poesias e cartas. Avicena foi um incansável estudioso que nos legou obras impressionantes como o monumental [Kitab] al-Shifa (O Livro da Cura], uma extensa enciclopédia em 18 volumes e o Kitab al-Qanun fi-al-Tib (Cânon de Medicina] em 5 volumes. Vale ressaltar também a importância também das considerações sobre a Profecia presentes na obra de Avicena. Com estas, busca formular uma teoria filosófica em conformidade com o Corão e, ao mesmo tempo, consistente com sua própria visão de mundo .[3] Assim, identifica o Intelecto Agente com o Anjo Gabriel – o Anjo da Revelação. A consciência profética é o estado do ser humano que possui todas as faculdades em sua perfeição. O profeta se distingue dos sábios e santos, além de possuir a função de trazer a lei para a humanidade, porque a sua recepção do conhecimento do Intelecto Divino é completa, enquanto a daqueles é parcial. Distante de uma visão simples da questão, a teoria da profecia de Avicena é complexa e admite também tipos diversos de profecia, de acordo com as propriedades do estado profético .[4]

Ao lado de suas volumosas obras em Medicina e Filosofia, temos os chamados “escritos esotéricos” de Avicena os quais vêm chamando a atenção dos estudiosos ocidentais já há certo tempo, especialmente, a partir das publicações de Auguste F. Mehren, que os considerou como “Tratados Místicos”. Foram assim chamados – escritos místicos – também por Massignon; outros, como Corbin, denominaram estes escritos de relatos visionários, Cruz Hernández e Nasr trataram-nos como escritos esotéricos e, outros ainda como Michot entenderam estes textos como “escritos sobre o destino do Homem”. Todos estes textos refletem a concepção de que existiria uma “sabedoria Oriental”, seja o termo entendido como o Leste geográfico, seja como iluminação mística. Na tentativa de compreensão do significado destas curtas epístolas, e escritos nos quais o autor se distancia da filosofia aristotélica, diversos estudiosos discutiram e confrontaram suas posições, seja na busca de classificar o autor enquanto místico seja como filósofo racional que se aventurou por outras linguagens.

Por um lado, aqueles que defenderam a presença do misticismo na obra de Avicena, tentaram interpretar sua simbologia através da tradição do Sufismo ou do Ismailismo, mas também a partir da sabedoria e antiga religião persa e das indicações da filosofia mística neoplatônica; por outro lado, aqueles que se opuseram ao estabelecimento de qualquer traço místico na obra do filósofo persa ressaltaram o aristotelismo do autor e defenderam a existência de uma correlação direta entre a mensagem desses textos alegóricos e o conteúdo de sua filosofia. Para esta interpretação, a filosofia racional seria a matriz conceitual original, correspondente ao pensamento do autor, enquanto os escritos visionários consistiriam numa mera alegoria daqueles conteúdos. Expoente principal desta interpretação racionalista, que entende os relatos visionários de Avicena como alegoria centrada em sua mensagem filosófica, é Amélie-Marie Goichon .[5] Esta última ótica permite, por exemplo, a interpretação da Narrativa de Hayy Ibn Yaqzán como um resumo floreado da teoria do conhecimento – de matiz fortemente aristotélico – formulada pelo autor.

Ocorre que, mesmo sem se distanciar muito da filosofia grega de matriz aristotélica, a qual, no Islam medieval já surgia mesclada ao neoplatonismo[6] , pode-se pensar em faculdades potenciais da alma humana que conduziriam a experiências semelhantes às relatadas nos textos de Avicena. Podemos falar assim de uma espécie de contemplação intelectual revestida de formas simbólicas islâmicas e persas. Conforme Cruz Hernandez,

Nós homens temos que viver a vida comum de nossa espécie, mas nossa mente possui a capacidade de elevar-se à contemplação intelectual das formas e ainda de viver algumas realidades imaginais, como no caso do sonho e das visões proféticas. As potências imaginativa e estimativa nutrem o sensório comum com as formas imaginais do mesmo modo que, por meio dos sentidos, podem ser extraídas as formas materiais; e aquelas materializam o fluxo epifânico de um modo eficaz quando estão submetidas ao entendimento prático .[7]

Dentre as obras de Ibn Sina, os escritos considerados como tendo sido redigidos no âmbito dessa “Filosofia Oriental” são seus “textos místicos”, ou “visionários” e trechos de suas obras onde o autor muda a linguagem e o foco central de sua filosofia. Entre estes podemos citar a Risalat fi-l-Ishq ou Tratado do Amor, no qual emprega terminologia sufi; alguns poemas e orações; e temos também os textos mais famosos, os “relatos” ou “narrativas” visionárias. Nestes últimos, o termo Oriente aparece de modo especial, utilizado em sentido claramente simbólico, significando o Mundo da Luz ou das Formas Puras, e, em contraposição, Ocidente simboliza o mundo das sombras ou da matéria: “A alma humana foi tomada como prisioneira na escuridão da matéria e deve libertar a si mesma a fim de retornar ao mundo das Luzes de onde a alma humana originariamente descendeu ”[8].

Acredita-se que a Risala Hayy Ibn Yaqzán tenha sido o primeiro dentre estes relatos esotéricos. Este pequeno texto narra a história do encontro com um sábio, que diz: “Meu nome é Vivente (Hayy], minha linhagem, Filho do Vigilante (Ibn Yaqzan], minha terra é a Jerusalém [celeste]; meu ofício, viajante por todos os lugares do mundo, até que pude abraçá-los todos com uma sabedoria total. Meu rosto é voltado na direção de meu pai, o Vigilante, de quem recebi as chaves de todas as ciências; ele me fez percorrer os caminhos que conduzem aos confins do mundo, e assim, em minha viagem, abracei os horizontes de todas as regiões ”[9]. Este sábio serve de guia na viagem que desejava empreender, descrevendo os estágios do caminho. Esta viagem, que se revela cheia de sobressaltos para o homem comum, aquele que não se afastou ainda das coisas mundanas, parte do Ocidente em direção ao Oriente, e passa pelas diversas regiões (simbólicas], descritas no texto. Finalmente, chega a seu objetivo, e encontra o Rei.

Em verdade, este Rei amanhece com seu esplendor como um Sol sobre os seus; não restringe o encontro com eles, mas estes não chegam a vê-lo com aviso, pois míseras são suas potências. Certamente está cheio de bondade, transbordante de dons. Abraça a terra inteira, cheia de graça, abre seu átrio com liberalidade e recobre a todos com favores. Quem quer que veja com seus olhos uma centelha de sua beleza, nela repousará seu olhar, sem retorno, sequer por um piscar de olhos .[10]

Como podemos notar, nesta epístola, o tema do Oriente/Ocidente e da Luz é central e também nela abundam as descrições da cosmologia.
Já a Risalat al-Tayr, a “Epístola do Pássaro”, Avicena conta a história de um pássaro em um bando que, ao ser enganado pelo canto do apito dos caçadores, é encarcerado. Resignado, o pássaro termina por esquecer-se de como era a liberdade e sua condição anterior. Mas, certo dia, ao ver, por entre as grades, um bando de pássaros que saíam da jaula e preparavam-se para partir, conta que, “ao vê-los, recordei meu estado anterior, do qual perdera a consciência. O que, no passado, fôra minha vida familiar, fez-me sentir a miséria em minha condição atual”. Mais uma vez, é o tema da viagem que domina o texto, pois o bando de pássaros, tal como na brilhante obra de Attar ,[11] empreende o vôo em direção ao local onde vive um rei: “Para além dessa montanha há uma cidade na qual vive o Rei Supremo. Qualquer oprimido que chegue a implorar sua proteção e confiar nele plenamente, o rei, mediante seu poder e seu auxílio, afastará dele a injustiça e o sofrimento ”.[12]

Além destes relatos, há ainda as reminiscências de Salaman e Absal. Esta história trata de dois irmãos. Nela, a esposa de um dos irmãos enamora-se do outro, que a rejeita. Infelizmente não dispomos do texto completo, uma vez que nos chegou somente um resumo, elaborado por Nasir al-Din Tusi e incorporado ao seu comentário às ‘Isharat (advertências] de Avicena. Estes textos, conforme Corbin devem ser tomados em conjunto, como momentos de um ciclo .[13] A estes, acrescenta-se a Qasida da Alma, poema curto, porém denso e que nos fala também de uma alma que é “pomba prateada do céu desprendida”, mas que, unida à vida e ao corpo, está exilada e caída, e só é capaz de ver a realidade no momento da partida. Há também uma série de textos esparsos na obra do autor que auxiliariam na fundamentação de sua intenção “mística”. Não há como esquecer a influência exercida por este neoplatonismo místico Oriental especialmente nos três últimos capítulos de sua última obra, o Livro das Indicações e Admonições [Kitab] al-Isharat wa’t-Tanbihat, na qual discorre textualmente sobre o caminho e os objetivos da mística: “A ciência mística se inicia por uma separação [e segue por] um desinteresse, um abandono e uma aniquilação, concentrando todos os seus esforços em um conjunto que é a soma dos atributos da Verdade ”.[14]

Controvérsias recobrem a obra, na sua maior parte perdida, Mantiq al-Mashriqiyya, (A Lógica dos Orientais] na qual teria exposto sua Filosofia Oriental, e à qual se refere da seguinte maneira:

Escrevi ainda outro livro, além desse outros dois, no qual expus a filosofia segundo sua natureza e de acordo com as exigências de uma atitude despreocupada, que não leva em conta os pontos de vista dos colegas da disciplina, sem preocupação com as discrepâncias que surgirem, como se faz por aí: este é meu livro sobre a Hikhmat al-Mashriqiya. Quanto ao presente livro, está mais desenvolvido e de acordo com meus colegas peripatéticos. Aqueles que perseguem a verdade limpa de qualquer dissimulação deveriam buscar somente o livro anterior; mas aqueles que indagassem a verdade do modo que compraza aos colegas, atendo-se ao comum e referindo-se ao que pensam, do modo como o entendem, não necessitam de outra obra; basta-lhes o presente livro .[15]

Enfim, o conjunto que pode ser associado à “filosofia oriental” aviceniana foi interpretado de diversas maneiras .[16] Uns conectaram-na com o sufismo, outros com a filosofia grega. Uns entenderam-na como uma proposta de filosofia mística com elementos platônicos e aristotélicos adaptados ao islamismo; outros como uma filosofia sincrética derivada do neoplatonismo e de fontes herméticas; outros ainda, aproximaram-na de antigas fontes persas. Alguns entenderam o termo Oriental como referência a uma localização geográfica; outros, como Corbin, viram ali uma metáfora, parte de uma linguagem simbólica que se refere ao mundo espiritual e acredita que as influências principais sejam neoplatônicas, mazdeístas e provenientes do pensamento Ismaili. S.H. Nasr entende o termo como uma “ Forma de sabedoria ou “teosofia” que tem como propósito o transporte do homem desde este mundo de imperfeição até o “mundo da luz” . [17]

Seja como for, não resta dúvida de que a “Filosofia Oriental” tal como proposta por Avicena, é uma filosofia mística que se apresenta numa linguagem simbólica e descreve experiências visionárias. Claro é que esta linguagem está situada no interior de uma cultura determinada, num momento histórico específico e foi esculpida através de símbolos social e historicamente compartilhados que, para sua correta compreensão, devem passar por um estudo criterioso. Por esta razão, não podemos imaginar compreendê-la independentemente do estudo do ambiente islâmico no qual se desenvolveu.

Além disso, não cremos ser possível compreender o significado de Oriental para Avicena senão levando em consideração as linhas mestras de seu pensamento, bem como outras colaborações de suas concepções. Nesse sentido, talvez seja esclarecedor o comentário, bastante filosófico, que o autor faz dos versos da Sura da Luz (Surata al-Nur, Corão, 24,35], no qual esclarece o significado metafórico da passagem que se refere ao Oriente e ao Ocidente: “É aceso por [óleo] de uma árvore bendita, um óleo que não é do Oriente nem do Ocidente”. Avicena interpreta a passagem “nem do Oriente, nem do Ocidente” da seguinte maneira: “O Oriente designa classicamente o lugar por onde a luz surge e o Ocidente é aquele onde a luz se perde. Metaforicamente, o Oriente indica o lugar onde a Luz habita e o Ocidente onde desaparece”.[18]

Vale lembrar que diversos autores islâmicos posteriores seguiram os passos de Avicena, tomando-o como mestre, não somente em seus escritos considerados como dentro dos moldes dos filósofos peripatéticos de seu tempo, mas também na busca de uma sabedoria mais completa. Dentre eles, Ibn Tufail é considerado seguidor da Filosofia Oriental, na esteira de Avicena. Em sua obra homônima à de Avicena, conhecida como “O filósofo autodidata” (Risalat Hayy Ibn Yaqzán], Ibn Tufail não somente segue os nomes imortalizados por Avicena mas também observa em seu prólogo que, em suas obras gerais como O Kitab Al-Shifa, Avicena visa explicar as obras de Aristóteles e por isso segue o método dos filósofos peripatéticos, mas aquele que desejar conhecer a verdade pura deve ler seu livro sobre a Filosofia Oriental. Ibn Tufail indica que escrevera sua obra homônima à de Avicena para esclarecer os conteúdos daquela anterior, e assim explicita seus motivos:

Pediste-me, Irmão Sincero, que te comunicasse os mistérios da sabedoria oriental, que me fosse possível divulgar, que o mestre e príncipe dos filósofos Abu Ali b. Sina menciona. Deves saber, pois, que aquele que quiser alcançar a verdade pura deve estudar estes segredos e conhecê-los .[19](XIX

Com as atenções dos estudiosos voltadas às obras de Suhrawardi (Al-Sheikh al-Ishraq,( ~1154-1191], a situação se complica ainda mais. Uma vez que ambos os termos, mashriq e Ishraq derivam do radical comum sh-r-q e que o Mestre da Filosofia da Iluminação (Ishraq] não esconde sua admiração dor Ibn Sina (Avicena], temos mais um indício de que o objetivo de Avicena ao redigir aqueles textos encontrava-se muito além da mais pura Falsafa. Embora seja certo que a distância que separa Suhrawardi da filosofia Aristotélica é bem maior do que a que Avicena estabeleceu, por outro lado, em certos pontos, a filosofia Iluminativa de Suhrawardi parece ser uma elaboração maior e um aprofundamento de idéias já sugeridas pelo seu predecessor. Corbin nos diz que a “Sabedoria iluminativa (ishraqi] não contrasta de modo algum com Sabedoria Oriental (mashriqi] nem se distingue dela: tal sabedoria divina ou teosofia é iluminativa porque é oriental e é oriental porque é iluminativa” .[20]

Infelizmente, não será possível resolvermos esta questão e, muito provavelmente, ela jamais será solucionada. Seguirão existindo aqueles que defendem que estes escritos são alegorias para um pensamento estritamente lógico-racional e aristotélico e aqueles que defenderão o conteúdo místico-iniciático daqueles escritos de Avicena, com os quais a autora deste texto concorda. Curiosamente, estas discrepâncias sobre a interpretação do pensamento de Avicena estão longe de serem puramente modernas e devidas ao longo tempo que se passou desde que aqueles escritos vieram à luz. Ainda durante a Idade Média, se Abu Hamid Al-Ghazzali, em seu Tahafut al-Falasifa, interpretou a obra de Avicena como um conjunto estritamente Aristotélico com a intenção de combatê-lo e tomou suas idéias como modelos de conhecimento a ser rejeitado, Ibn Rushd (Averróis] acusou al-Sheikh al-Rais de ser exatamente o oposto, tendo se dedicado a criticar os “desvios” neoplatônicos, islâmicos e místicos de Ibn Sina e a corrigir seus “erros de compreensão” quanto à filosofia aristotélica pura.


Para saber mais sobre Avicena em Português:

ATIE, Miguel. O Intelecto em Ibn Sina (Avicena]. 1. ed. São Paulo: Ateliê, 2007.
ATIE, Miguel. Os sentidos internos em Ibn Sina (Avicena]. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.
ISKANDAR, Jamil. AVICENA, A Origem e o Retorno. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.
PEREIRA, Rosalie H. S. Avicena: A Viagem da Alma. S. Paulo: Ed. Perspectiva/FAPESP, 2002.
PEREIRA, Rosalie H. S. O Islã Clássico, Itinerários de uma cultura. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2007.


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Notas

[1]ISKANDAR, Jamil, In, AVICENA, A Origem e o Retorno, Porto Alegre: Edipucrs, 1999. p. 18.
[2]CRUZ HERNÁNDEZ, La vida de Avicena como introducción a su pensamiento, Salamanca, 1997, 32-33.
[3]Cf. NASR, Three Muslim Sages: Avicenna-Suhrawardi-Ibn Arabi, New York: Caravan Books,1976, p. 42.
[4]Cf. ELAMRANI-JAMAL, Abdelali, “De la multiplicité des modes de la prophétie chez Ibn Sýna”. InJolivet e Rashed (eds.], Études sur Avicenne. Paris: 1984, p. 127.
[5]GOICHON, A.M, Le récit de Hayy Ibn Yaqzán ,Paris, Desclée de Brouver, 1959.
[6]Devido a atribuições equivocadas, textos apócrifos e conteúdos interpretados ou complementados pelo processo das primeiras traduções ao siríaco ou ao árabe.
[7]CRUZ HERNÁNDEZ, M. “Estudio Preliminar”. In AVICENA. Tres estudios esotéricos. Estudio Preliminar, traducción y notas, Miguel Cruz Hernández. Madrid: Tecnos, 1998. p. XIII.
[8]NASR, S. H., Three Muslim Sages: Avicenna, Suhrawardi, Ibn Arabi. New York: Caravan Books, 1976, p. 44.
[9]AVICENA, Risalat Hayy Ibn Yaqzan, In Tres Escritos Esotéricos, op. cit., p. 5.
[10]AVICENA, Risalat Hayy Ibn Yaqzan, op. cit., p. 31.
[11]Refiro-me aqui à obra clássica do Sufismo de Farid ud-din Attar, A Linguagem dos Pássaros, São Paulo, Attar Editora, 1991.
[12]AVICENA, Risalat Hayy Ibn Yaqzan, op. cit., p. 45.
[13]CORBIN, Avicena y el Relato Visionario, Barcelona: Paidos, 1995, p. 57.
[14]AVICENA, Risalat Hayy Ibn Yaqzan, In Tres Escritos Esotéricos, op. cit., p. 75.
[15]Cf. CRUZ HERNÁNDEZ, Historia del Pensamiento en el mundo islámico, Vol. I, 2000, p. 225.
[16]Para maior detalhamento sobre o tema ver PEREIRA, R. H. S., Avicena: A Viagem da Alma. S. Paulo: Ed. Perspectiva/FAPESP, 2002.
[17]NASR, S. H. An Introduction to Islamic Cosmological Doctrines: conceptions of nature and methods used for its study by the Ikhwân al-Safâ’, al-Bîrûnî, and Ibn Sînâ; Boulder, Colorado: Shambhala, 1978, p. 191.
[18]apud. Cruz Hernández, In AVICENA, 1998, op. cit, p. LXII.
[19]IBN TUFAIL, El Filósofo Autodidacto (Risala Hayy ibn Yaqzan]. Trad. Ángel González Palencia. Madrid: Ed. Trotta, 1995, p.31.
[20]CORBIN, Avicena y el relato Visionario, op. cit. p. 50.





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