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ALBERT CAMUS EM PORTUGUÊS PÁGINA DE DIVULGAÇÃO E ESTUDO DA OBRA DO ESCRITOR E FILÓSOFO ARGELINO ALBERT CAMUS
A Náusea, de Jean-Paul Sartre
Um romance nunca passa de uma filosofia posta em imagens. Em um bom romance, toda a filosofia passou pe¬las imagens. Mas basta que ela ultrapasse as personagens e a ação, que apareça como uma etiqueta sobre a obra, para que a intriga perca sua autenticidade e o romance, sua vida.
Entretanto, uma obra duradoura não pode deixar de lado o pensamento profundo. Esta fusão secreta da experiência com o pensamento, da vida com a reflexão sobre seu sentido, é o que faz o grande romancista (tal como se manifesta em um livro como A Condição Humana, por exemplo).
Trata-se hoje de um romance em que este equilíbrio é rompido, em que a teoria prejudica a vida. Tal coisa é bastante comum há algum tempo. Mas o que impressiona em A Náusea é que os dons emocionantes de romancista e os jogos da mente mais lúcida e mais cruel encontram-se ao mesmo tempo prodigalizados e jogados fora.
Tomados à parte, de fato, cada um dos capítulos dessa extravagante meditação atinge uma espécie de perfeição na amargura e na verdade. O romance desenha-se: pequeno porto do Norte da França, burguesia de armadores que concilia a missa e a boa comida, restaurante onde o exercício de corner retoma aos olhos do narrador seu aspecto repugnante, tudo o que toca, enfim, ao lado mecânico da existência é traçado com uma mão segura em que a lucidez não dá lugar à esperança.
Do outro lado, as reflexões sobre o tempo, figurado nos passinhos sem futuro de uma velha senhora ao longo de uma rua estreita, são, separadas do resto, uma das ilustrações mais opressivas da filosofia da angustia, tal como é resumida pelo pensamento de Kierkegaard, de Chestov, de Jaspers ou de Heidegger. Assim, as duas faces deste romance, são igualmente convincentes. Mas, reunidas, não são uma obra de arte e a passagem de uma para outra é demasiado brusca, demasiado gratuita para que o leitor encontre a convicção profunda que é a arte do romance.
Em si, na verdade, o livro não se apresenta como um romance, e sim como um monólogo. Um homem julga sua vida e a partir dela julga a si mesmo, Quero dizer que analisa sua presença no mundo, o fato segundo o qual mexe seus dedos e comer em horas fixas —e o que encontra no fundo do ato mais elementar é seu absurdo fundamental.
Nas vidas mais bem preparadas, sempre acontece um momento em que o cenário desmorona. Por que isto e aquilo, esta mulher, esta profissão e esta fome de future? E, por fim, por que esta agitação para viver em pernas que vão apodrecer?
Este sentimento é comum em nos. Alias, para a maioria dos homens, a chegada da hora do jantar, uma carta recebida, ou o sorriso de uma desconhecida bastam para fazê-los superar o problema. Mas para quem gosta de aprofundar as idéias, olhar esta idéia de frente torna a vida impossível. E viver julgando que isto é vão cria a angustia. De tanto viver remando contra a corrente, um desgosto, uma revolta toma conta de todo o ser, e a revolta do corpo chama-se náusea.
Estranho assunto, sem dúvida, e contudo o mais banal de todos. Sartre o leva até o fim com um vigor e uma segurança que marcam o que pode haver de cotidiano em um desgosto aparentemente tão sutil. Neste esforço se encontra o parentesco de Sartre com um autor que ninguém (salvo engano) citou a propósito de A Náusea: estou me re-ferindo a Franz Kafka.
Mas a diferença é que diante do romance de Sartre, não sei que incômodo impede a adesão do leitor e o mantém no limiar do consentimento. Atribuo este fato sem dúvida ao desequilíbrio tão sensível entre o pensamento da obra e as imagens em que ele aparece. Mas talvez possamos pensar outra coisa. Isto porque o erro de uma certa literatura é acreditar que a vida é trágica porque é miserável.
Ela pode ser emocionante e magnífica, esta é sua tragédia. Sem a beleza, o amor ou o perigo, séria quase fácil viver. E o herói de Sartre talvez não tenha entendido o verdadeiro sentido de sua angustia quando insiste no que Ihe é repugnante no homem, ao invés de fundar em algumas de suas grandezas os motivos para se desesperar.
Constatar o absurdo da vida não pode ser um fim, mas apenas um começo. Esta é uma verdade da qual partiram todos os grandes espíritos. Não é esta descoberta que interessa, e sim as conseqüências e as regras de ação que se tira dela. No final desta viagem para as fronteiras da inquietação, Sartre parece permitir uma esperança: a do criador que se liberta ao escrever.
Da dúvidas primitiva, talvez surja um "Escrevo, logo sou". E não podemos deixar de encontrar uma desproporção interessante entre esta esperança e a revolta que a fez nascer. Isto porque, afinal, quase todos os escritores sabem quanto sua obra não é nada diante de certes minutoss. O objetivo de Sartre era descrever estes minutos. Por que não ter ido até o fim?
De resto, este é o primeiro romance de um escritor do qual podemos esperar tudo. Uma facilidade tão natural em manter-se nas extremidades do pensamento consciente, uma lucidez tão dolorosa, revelam dons sem limites. Isto basta para que gostemos de A Náusea como de um primei¬ro apelo de uma mente singular e vigorosa cujas obras e lições por vir aguardamos impacientemente.
Albert Camus
Alger républicain, 2 0 de outubro de 193 8.
Texto da obra de Albert Camus: "A Inteligência e o Cadafalso"
MATÉRIA DE CAPA:
"A revolta do homem absurdo" - Jorge Luis Gutiérrez
Filosofia Ciência & Vida 21 traz uma discussão sobre o sentido da vida, baseada na obra de Albert Camus. Para o pensador e literato, a condição humana revela grandes absurdos e pouca finalidade, como em seu mito de Sísifo - personagem cujo feito principal de sua vida é desfeito em casualidades, em comparação ao que ocorre em nossa existência
"O filosofo do Niilismo" - Jorge Luis Gutiérrez
O filosofo do Niilismo. Revista de Filosofia. Filosofia Nietzsche.
O filosofo e escritor Albert Camus analisou o niilismo contido na obra nietzschiana.
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«Ela pode ser emocionante e magnífica, esta é sua tragédia. Sem a beleza, o amor ou o perigo, séria quase fácil viver. E o herói de Sartre talvez não tenha entendido o verdadeiro sentido de sua angustia quando insiste no que Ihe é repugnante no homem, ao invés de fundar em algumas de suas grandezas os motivos para se desesperar.»
Albert Camus
«Constatar o absurdo da vida não pode ser um fim, mas apenas um começo. Esta é uma verdade da qual partiram todos os grandes espíritos. Não é esta descoberta que interessa, e sim as conseqüências e as regras de ação que se tira dela. No final desta viagem para as fronteiras da inquietação, Sartre parece permitir uma esperança: a do criador que se liberta ao escrever.»
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